Uma crítica recorrente ao design de interação e também ao design da experiência do usuário é que não seria possível controlar nem a experiência nem a interação e, portanto, essas práticas profissionais não poderiam ser classificadas como design. Seriam algo como uma consulta psicológica, mas nunca um projeto.
Essa crítica se baseia na premissa de que projetar é o mesmo que controlar. Nessa visão, o projeto visa controlar recursos para atender requisitos e objetivos pré-definidos. O objeto de design seria o resultado racional desse processo de controle da forma e da função. Se um recurso não puder ser controlado, ele está fora do projeto.
Essa visão ignora que todo projeto tem como base a incerteza. Se houvesse certeza, não haveria necessidade de fazer um projeto, bastaria começar a produzir o objeto diretamente. A incerteza dá origem ao pensamento projetual, que é um pensamento baseado em possibilidades e não em certezas. A prática de esboço deixa isso muito claro.
No exemplo abaixo, eu estava tentando transformar a rede de encanamentos de um prédio num quebra cabeça para o jogo O Hospital Expansivo.
O projeto desse jogo veio com um briefing definido pelo meu orientador do doutorado: faça um jogo sobre as dificuldades de implementar tecnologias colaborativas na engenharia civil. Ao invés de aceitar esse briefing, eu resolvi fazer algo mais abrangente: um jogo sobre projetos multidisciplinares, tendo como pano de fundo a construção de um hospital. Esse escopo mais abrangente me deu a liberdade de criar um jogo realmente interessante. O jogo não cumpriu o briefing à risca, mas meu orientador acabou gostando do resultado.
Com frequência, os projetos de design são iniciados sem saber exatamente onde se quer chegar, qual é o objeto a ser projetado e como ele deve ser. Isso não é uma falha devido à falta de briefing ou de planejamento estratégico. Isso é de propósito! O projeto se lança ao desconhecido quando precisa descobrir ou criar algo novo. A incerteza é vantagem, pois se houvesse certeza, não haveria a possibilidade de inovar.
Sobre esse assunto, Rodrigo Gonzatto propôs o seguinte numa palestra na Mostra de Design da IFSC:
Essa visão me parece alinhada com o design pós-moderno. O objetivo do projeto seria justamente perder o controle para evidenciar o excesso de controle em nossa sociedade. Uma técnica frequentemente usada para isso é a quebra da expectativa com relação a padrões estabelecidos. Por exemplo, os cartazes de David Carson questionando o padrão de legibilidade tipográfica.
Um pesquisador que teoriza o assunto é o Caio Vassão, que propõe uma arquitetura inspirada no software livre para escapar do projeto controlador. Selecionei três conceitos de sua tese que acho relevante:
Refletindo sobre a tese do Caio, cheguei à conclusão de que isso implica numa mudança radical do papel do designer. Ao invés de projetar produtos para usuários, o designer projeta processos para designers amadores. Esse processo pode ser uma plataforma para o pensamento projetual, como a Corais.
O designer deixa de lado o perfeccionismo e estimula os amadores a criarem livremente mesmo que estes não tenham conhecimento perfeito sobre o projeto. Essa é a proposta do design livre, que é inspirada na tese do Caio.
Ao invés de se satisfazer quando os amadores seguem seus determinismos indiretos, este designer se satisfaz quando os amadores quebram as regras impostas pelos processos e fazem algo completamente diferente, algo que ele nunca tinha pensado ser possível. Observando esse tipo de prática, o designer aprende algo que pode ser usado para aperfeiçoar o processo existente ou para criar novos projetos.
Conforme foi discutido no excelente videocast Talknow, nesses ambientes de cocriação o designer não está preocupado com os detalhes do objeto, mas sim com o seu manuseio (9'45").
Considerando que design de interação e design da experiência do usuário tem ambos foco no manuseio, pode se dizer que eles são projetos fora do controle. Isso os posicionaria como design pós-modernos por excelência, porém, por serem muito jovens ainda não há uma consciência desse papel na sociedade.
Na verdade, o discurso que explica o que é design de interação e design da experiência do usuário se baseia com frequência no projeto moderno, aquele que sobrevaloriza a funcionalidade e vende a ilusão de controle. Ao invés de prometer que é capaz de facilitar o uso ou criar experiências marcantes, essas novas vertentes de projeto deveriam apelar para a crise de identidade generalizada, a consciência crítica dos consumidores e a necessidade de cocriar com eles.
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IHMO, não sei se a palavra certa nesse caso seria "controlar", mas talvez "influenciar" ou "tentar causar" (semântica, eu sei). O designer é chamado com a demanda de projetar o futuro: de evitar que o futuro seja aleatório (o arqui-inimigo do designer) ou igual ou pior que o presente, ou de fazer com que o futuro seja mais próximo à uma determinada visão (um futuro imaginado, mas ainda não dado uma forma específica). Nesse sentido, o designer tenta influenciar (controlar? aumentar a probabilidade?) seu objeto de intervenção - a experiência, a interação, o comportamento, o serviço, a interface, a instrução etc - de forma com que esse futuro se torne uma realidade, isto é, o designer tenta causar determinados efeitos sobre o mundo (efeitos que o contratante do designer espera que o designer seja útil para causar).
Talvez a diferença entre projetar para interações ou experiências "abertas" (e aí, qualquer resultado possível vindo disso) e projetar as interações "fechadas" seja mais uma diferença da visão (qual efeito que o designer ou o contratante do designer pretende atingir? um espaço para diálogos gerais, por exemplo, ou a cura do câncer encontrada através de diálogos em um espaço para tal?) do que do método ou pensamento projetual. Acho que a diferença maior é na visão, não na forma com que o designer aumenta a probabilidade / influencia / causa / controla ela...
Luciano, concordo que a palavra influenciar fica mais próxima do que seria um projeto moderno. Porém, o que estou chamando a atenção é que o projeto pós-moderno não tenta controlar nem influenciar. Na verdade, ele explora justamente essa perda de controle.
O design generativo é um tipo de design que parte do aleatório para criar. Embora esses números não possam ser considerados completamente aleatórios (por ser baseados em ranges e seeders pré-definidos), eles de fato tiram o controle da criação. Os designers que se aventuram por essas bandas comentam que é difícil fazer essa transição.
Os designers de interação/experiência pós-modernos não trabalham com números aleatórios pois o comportamento humano nunca é aleatório. Porém, eles não se preocupam em conhecer esse comportamento em detalhes para influenciá-los, como na tecnologia persuasiva. O que eles anseiam é testemunhar a emergência de novos comportamentos.
Portanto, concordo que a diferença é mais na visão do que no método. No meu post tentei desenvolver uma visão libertária de projeto vinculada ao design pós-moderno. Essa visão é uma das visões possíveis para o design de interação/experiência, porém, acredito que talvez seja uma das melhores para explicar essa questão do controle.
Essa questão inclusive é uma que os clientes podem perguntar ("vocês conseguem garantir a interação?") e que podemos esclarecer através dessa visão libertária ("não, a gente trabalha justamente para deixar livre e aberto para novas interações").
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