Perguntas sobre Pesquisa em Design

A Revista Wide deste mês traz uma reportagem sobre Pesquisa em Design. Participei como uma das fontes da reportagem. Abaixo reproduzo na íntegra, as perguntas que me foram feitas pelo jornalista Tiago Bosco. Creio que foi uma entrevista bem relevante. Se alguém quiser fazer alguma outra pergunta, aproveite os comentários. Se discordar das minhas respostas, idem.

Pesquisar significa, de forma bem simples, procurar respostas para indagações propostas. Dentro deste contexto, qual a importância dos métodos de pesquisa para os designers, visando obter melhores resultados em seus projetos?

Todo Design é baseado em pesquisa, seja consciente ou inconsciente. As definições de projeto são tomadas com base em algum conhecimento sobre a realidade. Os níveis de aprofundamento é que variam, de acordo com a expertise do designer em métodos de investigação e a disponibilidade de tempo e recursos para tal. Nem sempre um aprofundamento maior vai trazer melhores resultados a curto prazo. Porém, uma questão pesquisada e não aproveitada num projeto, pode servir em outro. A pesquisa é sempre uma forma de desenvolver as habilidades de Design de uma equipe ou de um profissional. É uma atividade essencial para a inovação.

Por isso que eu defendo que pesquisa não seja apenas uma fase de projeto, mas sim o próprio projeto. Cada projeto é uma pesquisa sobre o comportamento dos usuários, os modos de fazer negócios, os limites dos materiais, os valores estéticos e culturais. A cada projeto, o trabalho de pesquisa vai agregando conhecimento ao repertório do designer, elevando seu valor estratégico nas organizações.

Para a conclusão satisfatória de um determinado projeto o designer deve colocar em prática a utilização de métodos de pesquisa. Quais métodos/estudos, em sua opinião, são imprescindíveis e não podem faltar no decorrer de um trabalho?

O mais importante estudo que o designer deve fazer é sobre seus próprios limites. O que você sabe e o que você não sabe. Isso é importante para desenvolver a humildade, requisito básico para se fazer pesquisa. Se você acha que sabe tudo, de que adianta pesquisar?

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Métodos existem muitos, mas o importante mesmo é ter metodologia. Não adianta sair por aí aplicando um monte de métodos sem saber como triangular os dados depois, sem saber como organizar os resultados e, principalmente, em aproveitar estes resultados para converter em definições de projeto. Isso exige experiência. Portanto, meu conselho é: comece pequeno.

O Instituto Faber-Ludens oferece um Guia Colaborativo de métodos e técnicas de pesquisa gratuitamente na web.

Através de um post em seu blog, o estudante de design Walter Bispo escreve: ?Diante da tendência do ?design se aprende fazendo?, que atualmente se deve principalmente ao fácil acesso ao computador, aos programas gráficos e à internet e seus tutoriais, o ensino e a pesquisa em design proporcionam diferentes níveis de competência profissional?. Com base neste argumento, qual a sua opinião sobre este tema? De que maneira as ações intuitivas sobrepondo em relação aos métodos de pesquisa pode interferir no resultado final de um projeto?

Aprender fazendo não é ruim. Na verdade, não existe outra forma de aprender a fazer Design. Pode-se ficar infinitamente teorizando Design, mas enquanto o sujeito não arregaçar as mangas e começar a trabalhar, não vai saber do que está falando. Como costuma dizer Jack Schulze: "Design é algo que acontece no mundo e nas suas mãos, não na sua boca."

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Se cada projeto é encarado como uma pesquisa, ele vai agregar conhecimento ao designer, mesmo que seja um conhecimento tácito que não possa ser explicado para outra pessoa.

Conheço designers que não conseguem explicar como fizeram um determinado projeto de sucesso e conheço pesquisadores que explicam tudo sobre projetos que não servem para nada. Os extremos são importantes para a sociedade, porém, a maioria dos profissionais de Design acaba tendo que ficar no meio termo.

Na edição 80 da revista Wide, Lucy Niemeyer comentou em uma entrevista sobre semiótica que teorias discutidas na vida acadêmica de um profissional muitas vezes não merecem uma atenção especial quando um determinado projeto é colocado em prática. Pode-se dizer que o mesmo ocorre com os métodos de pesquisa? Por quê?

O distanciamento acadêmico do mercado é importante para gerar reflexão crítica, porém, quando a academia se distancia demais, o conhecimento produzido se torna irrelevante para a prática. É por isso que certas aulas são completamente esquecidas depois que termina a faculdade. Mas isso não é necessariamente um problema. Se a gente for ter que lembrar de tudo o que aprendemos na faculdade para poder trabalhar, a gente não faz mais nada. Design é uma atividade que exige conhecimento tácito, ou seja, conhecimento acumulado ao longo de múltiplas experiências. Não dá pra rastrear a origem desse conhecimento. Só posso dizer que um designer atento está em todos os momentos de sua vida aprendendo sobre Design.

?Projetar somente com metodologia torna o projeto árido, e por outro lado, criar sem lógica beira o irracional e utópico. O design não pode ser utópico, sem fundamento?. Tal reflexão foi publicada no blog do designer Heleno de Almeida . Através desta análise, durante a concepção de um determinado projeto, em que momento o designer deve colocar a criatividade em prática? Método e criatividade podem andar juntos? Como?

De fato as metodologias clássicas do Design seguem um modelo mais analítico, mas isso não significa que não possa existir metodologias criativas. Brainstorming, por exemplo, é um método de criatividade que tem regras bem definidas, porém, é um dos poucos métodos criativos adotados no Design. É preciso conhecer outros métodos e desenvolver novos.

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Eu vejo o processo de Design como uma espiral dialética que passa por três fases: criação, análise e síntese. Mesmo que não haja um método explícito para cada fase, ela vai acontecer. Melhor que a gente saiba o que está fazendo e explore outras possibilidades, mas não tiro o mérito de quem faz tudo por "intuição". O que se chama de intuição ou inspiração, é na verdade a expressão de uma síntese de experiências difíceis de serem rastreadas. A pessoa não sabe de onde a idéia veio, mas veio de algum lugar, com certeza. No Design, nada acontece por acaso.

Em que consiste o estudo etnográfico e como ele se aplica ao design? Quais as vantagens de utilizá-lo em um projeto?

O Estudo Etnográfico serve para compreender em profundidade o comportamento do usuário. Ao invés de simular ou imaginar uma ação do usuário, a ação é observada numa situação real. Além de descrever os hábitos dos usuários, investiga o porquê de cada ação. O pesquisador vai até o local onde estão os usuários e observa à distância. Em alguns casos, o pesquisador prefere participar das atividades como uma pessoa qualquer.

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Esse tipo de estudo pode ser usado para avaliar um produto que já esteja no mercado ou descobrir oportunidades para novos produtos. O mais interessante é que se trata de um método que faz descobrir coisas que não esperávamos descobrir. É muito comum surgirem inovações à partir da observação de gambiarras feitas por usuários como, por exemplo, o uso de testemunhos para mensagens particulares no Orkut. Com base nessa e outras observações, o Orkut melhorou os controles de privacidade das mensagens.

Através de cursos e universidades, como o Brasil se coloca no cenário acadêmico dentro do campo das pesquisas em design? Quais as maiores carências desse campo e em que ele pode se desenvolver?

No Brasil quando se fala em pesquisa, as pessoas pensam em laboratórios cheios de tubo de ensaio, com pessoas vestidas de jaleco e cabelo branco. Quando a gente diz que fazemos pesquisa em Design aqui no Instituto Faber-Ludens, as pessoas olham com cara de paisagem. O mercado, de um modo geral, ainda não investe em Pesquisa em Design. Quando falo Pesquisa em Design não estou me referindo à etapa de pesquisa básica para todo projeto em que se levantam referências e dados sobre os consumidores. Estou falando de pesquisa em que se questiona e desenvolve métodos e técnicas de Design. O resultado de Pesquisa em Design não é um produto, mas um conhecimento que pode ser aplicado em vários produtos. Isso é muito raro no Brasil e não acho que o problema seja a falta de verbas. É um fator limitante sim, mas acho mais limitante a falta de perspectiva. É preciso compreender melhor quais são as contribuições possíveis do Design para a sociedade.

Em relação à aplicabilidade dos testes, todos defendem que ela deve ser aplicada em todas as fases do projeto, desde o protótipo até a última etapa. Afinal, quantos testes são feitos em média num projeto de um site/portal?

Enquanto está criando, o designer faz muitos testes, porém, o julgamento é feito na maior parte das vezes sem a consulta de usuários. Os testes de usabilidade trazem o feedback do usuário, porém, quando este feedback se repete, não é mais necessário fazer testes. Por isso que em testes sumativos realizados com protótipos de papéis ou semi-funcionais é melhor não definir o número mínimo de usuários para cada teste. O ideal é ir realizando as sessões de teste e parar quando sentir que já é suficiente. Em projetos de portais costuma ser necessário fazer testes em quatro fases do projeto:

  1. quando estão prontos os esboços no papel
  2. quando estão prontos os wireframes
  3. quando está pronto o HTML sem programação
  4. quando o portal está no ar rodando
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De acordo Steve Krug, no livro Não me faça pensar (2006), um teste de usabilidade pode ser simples e com resultados bem úteis, bastando apenas uma câmera para registrar a sessão, uma sala com uma mesa, computador e cadeiras e apenas três ou quatro usuários para serem entrevistados. Isso, segundo Krug, resulta em uma redução de custos de 15.000 dólares com testes tradicionais para 300 dólares. Sabendo que nem todos os projetos possuem verba suficiente para contratarem testes avançados, você concorda que o investimento não precisa ser tão grande para a realização de testes de usabilidade? E os resultados, mesmo assim, são satisfatórios? Se puder, exemplifique.

Tudo depende do objetivo do teste. Se o obejtivo é impressionar clientes ou diretores, o laboratório com espelhos é imprencindível. O Teste de Usabilidade, nesse caso, vira uma espécie de ritual, onde profissionais de diferentes áreas tem a chance (rara) de parar e refletir sobre o resultado do que estão fazendo.

Porém, se o teste é de rotina, não há necessidade de tanta parafernália. Na verdade, não é necessário absolutamente nenhuma infra-estrutura especial. O teste pode ser realizado no ambiente de trabalho ou casa do usuário, o que traz até dados mais naturais e confiáveis. Uma outra forma muito rápida e barata de fazer testes de usabilidade é usar locais públicos. Você recruta transeuntes e coloca o laptop no colo. Já fizemos testes em shopping centers e funciona muito bem (posso te mandar uma foto se desejar). Aqui no Instituto Faber-Ludens, chamamos essa abordagem de Usabilidade Moleque. Veja o Videocast abaixo.

Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 02.02.2011

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