Design Orientado a Gambiarras é um contrasenso tanto quanto Programação Orientada a Gambiarras. Como pode haver programação ou design numa ação imprevista e improvisada? A programação e o design serviriam, teoricamente, para evitar gambiarras, mas quanto mais experiência tenho com a prática vejo que a gambiarra é parte fundamental para ambos os processos.
Não acredita? Veja alguns exemplos:
Prototipação é gambiarra pura. O objetivo é criar uma simulação da experiência de uso utilizando o mínimo de recursos possíveis. Meus alunos da Unisul quebraram todos os recordes da gambiarra nas aulas de design digital que dou lá.
O Projeto Laser é uma caneta que projeta uma interface em superfícies planas. Emprestei meu datashow para criarem o protótipo. Note a precariedade do suporte criado pelo aluno apelidado de "MacGyver".
TedBeer é uma espécie de garçom robô que permite que os pedidos sejam encaminhados diretamente pela mesa do bar. Criaram um protótipo usando o kit RFID Touchatag como uma bandeja presa num ursinho de pelúcia qualquer. O laptop que processa os inputs e outputs dos RFIDs está embaixo da mesa. Note o sotaque "manezinho" do robô.
Além de ilustrar conceitos, a gambiarra pode servir para testá-los com usuários. Para testar o CanWe?, um aplicativo de iPhone que facilita encontrar pessoas desocupadas para passar o tempo junto, eles criaram primeiro um protótipo em papel e depois um protótipo semi-funcional em Flash, mas como não rodava no iPhone, rodamos num PocketPc (que aliás, é muito mais barato).
Um grupo percebeu que umas amigas estavam deixando de usar o diário para registrar sonhos interessantes e estavam usando o celular ou MP3 para gravar uma descrição falada do sonho. Transformaram a gambiarra do usuário num produto: o Apanhador de Sonhos.
Outra gambiarra que virou produto é o Boo, um aplicativo OpenSocial que ajuda adolescentes a montar "esquemas" entre os amigos.
Sendo assim, minha proposta é que a teoria do Design se atualize para incluir a gambiarra como técnica legítima. Ao invés de levar na brincadeira e marginalizar a técnica como costumam fazer nossos colegas da Computação, gostaria que tivéssemos orgulho de nossas gambiarras.
Claro, gambiarra não é panacéia. Não resolve todos os problemas do mundo... pensando bem, talvez resolva, mas sempre por pouco tempo. Algumas gambiarras podem durar mais tempo, não pela eficiência da solução, mas pela preguiça ou incapacidade de mudar...
Isso é bom. Significa que há espaço para melhorar. Não é como um daqueles projetos que estabelecem um padrão difícil de ser superado, mesmo que se torne caduco. O design que dá a última palavra não gera reflexão, só cópias de si mesmo.
A imagem acima mostra uma comparação entre alguns dos produtos projetados pelo designer Dieter Rams na Braum dos anos 1960 e os produtos de Jonathan Ive na Apple dos anos 2000.
Depois dessa você ainda acredita que Apple é sinônimo de inovação?
Eu acredito, mas considero que o termo inovação, como é usado pelo mercado, não diz respeito ao novo e sim à novidade. Uma proposta pode nem ser tão nova assim, mas se a audiência desconhecer, torna-se uma novidade. A maior parte do que se diz inovador no mercado é remake do passado porque a função da inovação é reafirmar o status quo, dar um upgrade nele. O risco de perder status impede que o novo emerja de organizações e pessoas estabelecidas.
O novo só pode vir de quem não tem nada a perder: empresas startups, grupos de estudantes, artistas de rua, usuários finais. É daí que saem as revoluções.
Organizações estabelecidas sabem muito bem disso e monitoram de perto estes grupos. Num passado não muito distante, organizações coibiam qualquer ameaça. Hoje elas incorporam. Compram startups, contratam estudantes, financiam artistas e pesquisam usuários finais. Em muitos casos, infelizmente, as organizações não descobrem como converter estas novas idéias em atualizações efetivas e o movimento de mudança emperra.
O design está no limiar desse processo. Ao mesmo tempo em que pode transformar a gambiarra do usuário em solução oficial, mais bonitinha, pode também deixar abertura para os usuários criarem novas gambiarras. APIs de conteúdo, funcionalidades flexíveis, simplicidade e ambiguidade são alguns dos segredos do sucesso do Twitter.
Até agora, o Twitter soube incorporar muito bem as gambiarras que os usuários criaram. O @fulano para respostas e #hashtags para marcar conteúdo foram criados pelos usuários e, depois, transformados em funcionalidades oficiais. Ao invés de manter um software cliente oficial, destacam os clientes criados por empresas e indivíduos. A API permitiu também que fossem criadas dezenas de integrações com dispositivos de hardware que aspiram a fazer parte da Internet das Coisas.
A abertura do Twitter gera entropia e a entropia gera serendipidade. Quanto mais as coisas se cruzam, maior a possibilidade de associação entre elas. É por isso que a gente acessa o Twitter esperando o inesperado. Queremos que nossos contatos nos supreendam e porque isso acontece com frequência, nós acessamos mais e mais.
O Design Orientado a Gambiarras é um design que nunca termina. Que não é privilégio de designers formados, mas que promove a participação de usuários no projeto, sem preconceito. Que tem múltiplos significados e liberdade de interpretação. Que abraça a entropia e o caos concomitante. Que economiza e reaproveita recursos, criando soluções mais eficientes e sustentáveis.
Siga-me no Twitter, Facebook, LinkedIn ou Instagram.
O ponto de vista é sensacional, porém, depois de 6 anos desenvolvendo softwares como profissional, sem contar os programinhas que fiz quando adolescente, eu realmente acredito que gambiarra deve sim continuar a ser marginalizado! srsr..
Achei muito bom o seu ponto de vista, mas eu acredito que os produtos/soluções que tu apresentaste e que deram sucesso não foram gambiarras, surgiram das necessidades do dia a dia.
Acreditar que gambiarra é a solução para qualquer problema seria ignorar o que tanta gente têm estudado para atingirmos um modelo melhor de desenvolvimento.
eu adorei...acho q a gambiarra pode ser um processo criativo de muito sucesso...
obvio que a gambiarra nao é a solução de problemas mas depois de definir o problema, a gambiarra pode ser parte da solução...
;)
Frederick,
provável que conheças o trabalho do designer Rodrigo Boufler.
"A questão da gambiarra: formas alternativas de desenvolver artefatos e suas relações com o design de produtos", essa foi sua dissertação para Mestrado.
Recentemente ele palestrou no ENSUS 09, palestra interessante e descontraída.
Sobre a dissertação e arquivo para download: http://ow.ly/l8Tk
Post no portal Vitruvius: http://ow.ly/l8TL
Belo artigo e sucesso!
Um abraço.
Detalhe: cliquei em sustentáveis e direcionou para o link que enviei. hehehe.
Igual, foi bom compartilhar!
Outro abraço.
Olá Kenya! A dissertação do Rodrigo Boufleur foi um dos principais influenciadores deste texto. Obrigado por destacá-la.
Pretendo trabalhar mais com suas idéias num post futuro sobre uma metodologia de Design com o jeitinho brasileiro.
Na verdade, o termo gambiarra é que está mal aplicado. Ele é pejorativo. Na exposição sobre design que houve em Brasilia, pudemos ver gambiarras para segurar óculos, cercas, carrinhos de engraxate etc. Achei muito legal! Afinal, os preconceitos que levaram séculos para cair no mundo da arte, caiam também no design.
Há soluções brilhantes, mas quando você fala que pode realizar algo maneiro sem gastar, você está afrontando a ordem do dia. Este é o mecanismo mais poderoso e perverso com o qual convivemos dia-a-dia.
Toca em frente, que tem suporte aqui de Brasilia
Abraços.
Curtiiiiiiiiiii bagarai esse post.
Abraço. Humanóides e suas gambiarras tecnológicas.
Assine nosso conteúdo e receba as novidades!
Atualizado com o Movable Type.
Alguns direitos reservados por Frederick van Amstel.
Apresentação do autor | Website internacional | Política de Privacidade | Contato