O arquiteto William McDonough é conhecido por afirmar que “o design é o primeiro sinal de intenção humana”. Quando o homem transforma o mundo ao seu redor através de suas ações, ele o faz de acordo com intenções. Os objetos que ele cria ou adapta são próteses destas intenções, ou seja, suas características servem para atingir um determinado resultado, entretanto, muitas vezes esse resultado pode ser benéfico para uns e maléfico para outros.
O aquecimento global, a poluição dos rios, as intoxicações por produtos químicos e os acidentes de avião são algumas das conseqüências negativas da ação humana sobre o mundo. Por mais que não tivéssemos a intenção de obter tais resultados, somos os responsáveis. A questão que McDonough coloca é qual a intenção que nós, seres-humanos, queremos ter. Devemos continuar tendo a intenção de explorar a natureza sem pensar em suas conseqüências? Poderíamos ainda acreditar que a destruição da natureza é não-intencional se escolhemos este caminho?
O questionamento de McDonough é relevante para toda a humanidade, porém, é dirigido aos designers. O design acontece no início do processo produtivo, ou seja, o que é decidido nessa fase tem conseqüências sobre todas as outras. O design determina previamente a produção, o consumo, o descarte e a possível reciclagem de produtos. É uma responsabilidade e tanto.
Uma solução para racionalizar o consumo de recursos naturais defendida por McDonough e outros é a transição do design de produtos para o design de serviços. Ao invés de vender objetos, as indústrias devem vender os benefícios dos objetos. Sendo assim, o objeto pode ser constantemente reciclado pela indústria. Ao invés de comprar um purificador de água, você paga à Brastemp uma quantia mensal e recebe o serviço de purificação de água através de um produto que é mantido pela Brastemp em sua casa.
Este serviço se propõe a substituir outro já estabelecido no mercado: o galão de água mineral retornável. O discurso do galão se baseia na pureza da fonte natural de água, enquanto que o discurso do purificador se baseia na competência técnica do aparelho. O design do aparelho tenta evocar essa conotação de pureza através de simplicidade, branco e azul translúcido, mas os argumentos de venda enfatizam a capacidade técnica de filtragem já que, afinal, a dúvida primeira do consumidor é se a água é tão pura quanto aquela colhida na fonte.
Para que esta solução seja realmente sustentável, é preciso que ela atenda às intenções de uso dos consumidores. Se não atender, os consumidores simplesmente não vão pagar e todo o projeto vai literalmente por água abaixo. Por mais que designers tenham poder de decisão efetivo sobre a cadeia produtiva, consumidores possuem o poder de influência sobre a mesma.
As características dos produtos, portanto, não podem ser definidas somente com base nas intenções dos designers ou da indústria. A intenção embutida nos objetos projetados é coletiva, ou seja, trata-se de uma convergência de intenções advindas de múltiplos interessados. Mesmo as pessoas que bebem água direto da torneira por não ter poder aquisitivo para as soluções de água premium estão influenciando o projeto, já que as soluções premium fazem parte da estratégia de diferenciação social: “eu bebo água mineral; os outros bebem da torneira.” As intenções das pessoas em usar as soluções premium não são apenas de manter a saúde, mas também de satisfazer um gosto pessoal e/ou manter o status social. Prova disso é a tradicional água mineral Perrier, que custa até 10 vezes mais que as outras marcas, e as águas com sabor de frutas que começam a brotar no mercado brasileiro.
Daqui há alguns anos saberemos se a água filtrada “premium” da Brastemp conseguiu superar o status social da água mineral do galão ou se ficou no mesmo nível do velho filtro de barro. Outro produto da Brastemp que parece mais adequado às intenções sociais dos consumidores é o Prêt-à-Porter, um desodorizador de roupas que promete dar frescor àquelas roupas levemente suadas que a gente fica com pena de jogar na máquina de lavar e acabamos usando de novo. O motivo porque não jogamos na máquina não tem nada a ver com a poluição que causamos ao meio-ambiente com o sabão e a eletricidade usados no processo, mas sim com o trabalho que teremos para lavar, secar a passar a roupa. Com o Prêt-à-Porter, temos uma motivação a mais além da economia de trabalho: nós não passamos mais vergonha com o odor das roupas. Será que vai dar certo?
Este artigo foi publicado originalmente na Revista Design do website da Tramontina Design Collection.Siga-me no Twitter, Facebook, LinkedIn ou Instagram.
Acerca dessa tendência de design chamada de desmaterialização, tem um cara chamado Ezio Manzini que tem cantado essa bola há pelo menos uns 30 anos... Tem um livro que vale muito a pena dar uma olhada que reúne as idéias fundamentais desse conceito todo:
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