Como saber se um projeto focado na experiência do usuário realizou suas intenções? A resposta para esta pergunta não é trivial, pois a experiência do usuário não é algo tangível que se possa apontar, medir e manipular. A experiência do usuário é uma performance emergente e, como tal, está sujeita a variações e surpresas. Além disso, ela é um fenômeno com alto grau de subjetividade, pois depende das experiências prévias do usuário.
Um conceito que tem ajudado a lidar com essa indeterminação é a noção de qualidade. Esse conceito possui tanto um aspecto objetivo quanto subjetivo, pois aponta para um tipo de relação. Nessa perspectiva relacional, qualidade é uma propriedade de um objeto percebida por um sujeito em relação a outros objetos. É, basicamente, uma comparação que ajuda a determinar o valor de uso potencial do objeto. Se um sujeito percebe uma determinada qualidade em um objeto, é possível que ele seja útil, belo, agradável ou fácil de usar para aquele sujeito. Isso significa que a qualidade não é uma propriedade nem do sujeito e nem do objeto, mas da relação entre eles.
Seria então a experiência um objeto e a qualidade uma relação entre esse objeto e o usuário? Isso parece interessante para manipular a experiência, porém, seria muito difícil mensurar e incidir sobre uma relação tão subjetiva assim. Prefiro pensar que a experiência do usuário é um resultado da interação entre sujeito e objeto e, como tal, pode ter várias qualidades, ou seja, várias relações entre sujeito e objeto. O objeto não é a experiência; o objeto é uma coisa, um espaço ou uma atividade que, ao interagir com o sujeito, o usuário, possibilita uma experiência. Cada pessoa, portanto, tem uma experiência diferente porque a relação entre sujeito e objeto é diferente.
Vejamos como se aplica essa perspectiva relacional sobre uma qualidade bastante conhecida no design: a usabilidade. Esta qualidade muitas vezes é concebida como uma propriedade do objeto, o que permite afirmações categóricas do tipo "esse objeto é usável". O problema dessa perspectiva é que existem poucos elementos no objeto que permitam a mensuração da usabilidade sem envolver usuários. Quando usuários são envolvidos, a afirmação já se torna relacional: "esse objeto é usável para alguns usuários, para outros não". Aqui é mensurada a qualidade da relação, que é tanto subjetiva quanto objetiva.
Essa mesma perspectiva pode ser aplicada a diversas qualidades, permitindo uma visão holística sobre a experiência do usuário. Os profissionais que começaram a utilizar o termo experiência do usuário na década de 1990 queriam justamente abranger outras qualidades além da usabilidade em seus projetos. Esses profissionais não estavam satisfeitos se um objeto era fácil de usar para seus usuários; eles queriam que a experiência do usuário fosse acessível, afetiva, persuasiva, interativa, sociável, prazerosa e muito mais.
Apesar da visão holística, o conhecimento sobre as qualidades da experiência do usuário não se desenvolveu por igual. Algumas qualidades receberam mais atenção do que outras e chegaram a motivar abordagens específicas de projeto, tais como o Design Emocional -- que enfatiza a qualidade afetiva do design, o Design Inclusivo -- que prioriza a acessibilidade -- e o Design Persuasivo -- que induz o usuário a fazer algo pela qualidade persuasiva do design.
Uma abordagem que preserva essa noção holística e relacional é a qualidade-em-uso, proposta por Pelle Ehn e Jonas Löwgren também na década de 1990. Esses autores perceberam que software possui diversas qualidades que se manifestam apenas durante o uso. Diferente de uma cadeira, que é um objeto estático, software é um objeto dinâmico, que se transforma pela interação com o usuário. Existem, portanto, qualidades relativas à maneira como o software se transforma que só podem ser percebidas quando o usuário está interagindo. Pelle Ehn identificou inicialmente três qualidades desse tipo: a qualidade de controle sobre o objeto, a qualidade ética das relações sociais e a qualidade estética para o sujeito. Löwgren aprofundou o estudo sobre a qualidade estética e descobriu uma gama de qualidades mais específicas associadas ao que ele chamou de Estética Interacional. Rodrigo Gonzatto traduziu algumas dessas qualidades em uma de suas aulas.
Estética Interacional seria um conjunto de qualidades que ajudam a perceber a beleza de um objeto que se manifestam na medida em que um sujeito interage com ele. Não se trata de uma beleza estática, baseada em critérios formais já estabelecidos nas Artes Plásticas e no Design Gráfico. São critérios estruturais e funcionais advindos de artes que desenvolvem o aspecto performático da obra, como Cinema, Dança e Teatro.
Uma das qualidades, por exemplo, é a maleabilidade. Quanto mais acoplado é o movimento do usuário com o movimento do objeto interativo, maior é a sensação de estar manipulando um material maleável. Utilizar um objeto interativo pode proporcionar sensações parecidas com enfiar a mão dentro de um saco de cereais, brincar com geleca ou mergulhar na água, dependendo do grau de maleabilidade. Os usuários podem, inclusive, perceber graus diferentes de maleabilidade com o mesmo objeto por se tratar de um fenômeno com aspecto subjetivo.
O aspecto subjetivo não impede, entretanto, de avaliar a qualidade, emitir um parecer ou fazer um julgamento objetivo. Mesmo as qualidades mais estabelecidas para avaliar a experiência do usuário, usabilidade e acessibilidade, se fundamentam em critérios subjetivos, tais como satisfação e deficiência. Um método de avaliação apropriado para medir as qualidades da experiência do usuário deve objetificar -- e não eliminar -- o aspecto subjetivo da qualidade.
Na minha experiência profissional e acadêmica, tenho buscado desenvolver e adaptar métodos para avaliar as qualidades da experiência do usuário. Os métodos mais conhecidos para esse fim -- Teste de Usabilidade, Avaliação Heurística, Lista de Verificação e Checagem Automática -- não oferecem recursos adequados para capturar o aspecto subjetivo da qualidade e, por isso, não servem para medir as qualidades da Estética Interacional. O aspecto subjetivo, embora seja reconhecido, é isolado em uma variável de menor importância, como a satisfação. Como disse anteriormente, eu prefiro pensar que toda qualidade tem um aspecto objetivo e subjetivo. Quando considero a variável eficiência na usabilidade, considero ela em relação a um tipo de usuário. Além disso, considero também a percepção de eficiência dos usuários, que pode ser drasticamente diferente do que é mensurado através da contagem do tempo.
Compartilharei quatro métodos alternativos que utilizo para avaliar as qualidades da experiência do usuário por uma perspectiva holística. O primeiro deles é o Teste de Gostabilidade. Trata-se de uma adaptação do Teste de Usabilidade para uma necessidade específica que o laboratório de testes de usabilidade da agência Mídia Digital (hoje Mirum) tinha em 2007: saber o quanto o usuário gostou de uma experiência com um website. Os clientes não estavam tão preocupados com as métricas de usabilidade tradicionais, pois o objetivo dos websites era proporcionar uma experiência marcante. Melqui Jr, na época arquiteto da informação da Mídia Digital, já estava utilizando os cartões de reações desenvolvidos pela Microsoft no final do teste de usabilidade. Ao invés de aplicar um questionário de satisfação, Melqui pedia para os usuários escolherem 4 dentre 30 cartas com qualidades que melhor se aplicavam à experiência que o usuário tinha tido. Algumas delas eram:
Depois, Melqui pedia para os usuários justificarem porque escolheram aquelas experiências. No relatório da avaliação, as qualidades mais recorrentes ganhavam destaque, porém, o foco era mostrar como os usuários percebiam a experiência, mais do que como eles usavam o website. Quando Melqui me contratou para facilitar alguns desses testes, ajudei ele a incorporar esse aspecto subjetivo no próprio protocolo de condução do teste. Sempre que havia uma interrupção no fluxo de interação, em particular, ao final da tarefa testada, perguntava ao usuário: "Você gostou disso?" Ao observar as gravações, Melqui e eu percebemos que ao transformar a usabilidade numa questão de gosto, a pessoa conseguia articular muito melhor sua experiência do que quando perguntávamos sobre eficiência, eficácia ou satisfação. Por se tratar de um julgamento subjetivo praticado com frequência em nossa sociedade, o gosto ajuda a colocar em palavras essa coisa intangível que chamamos de experiência do usuário.
Notei que muitas vezes os usuários ficavam em dúvida sobre qual palavra escolher e quando perguntava o porquê dessa dificuldade eles respondiam de maneira evasiva. Me pareceu que eles tinham algo em mente, mas não encontravam uma palavra nem no seu repertório, nem nas cartas. Numa outra consultoria, troquei as cartas de reação por massa de modelar e elaborei um protocolo focado na emoção. Ao final da experiência com o objeto, pedi para que os usuários modelassem as emoções que sentiram ao interagir com o produto. Justifiquei a utilização da massa de modelar para facilitar a expressão de emoções, o que, para muitas pessoas, é difícil de fazer em palavras. A modelagem foi feita em silêncio, para estimular a reflexão. Quando a pessoa terminava, mostrava para a gente o modelo e explicava o que havia sentido, o que ficava gravado em foto e vídeo para posterior análise. A comparação entre os diferentes modelos feitos pelos usuários ajudou a compreender as qualidades da Estética da Interação. Chamei este método de Modelagem de Emoções.
O último método alternativo é a Sonda Tecnológica. A sonda vai aonde a presença do pesquisador não é possível ou é indesejável. Por exemplo, a presença de um pesquisador na casa de uma pessoa, observando todos os seus atos do dia-a-dia pode ser terrivelmente inibidora, como deixa claro o filme Histórias de Cozinha (2003). Nesse caso, pode ser mais interessante enviar uma sonda que colete dados sobre o comportamento da pessoa no dia-a-dia quando essa pessoa queira, da maneira como ela se sinta mais à vontade. A Sonda Tecnológica é uma espécie de protótipo do objeto, que fica disponível para interação com uma pessoa ou grupo de pessoas durante um período. A interação com este objeto pode ser via mecanismos ou totalmente manual, aproveitando a capacidade de imaginação dos usuários.
Paolo Passeri utilizou esse método no seu trabalho final da pós-graduação em Design de Interação do Instituto Faber-Ludens. Ele tinha desenvolvido um conceito de smartphone integrado com laptop e media center e queria testar se isso geraria valor, além de receber ideias para interações. A proposta dele é que o smartphone funcionasse como CPU de todos esses dispositivos e mais alguns que fossem desenvolvidos no futuro. O usuário grudaria o smartphone dentro do laptop quando fosse utilizá-lo e, quando quisesse utilizar o media center, tiraria o smartphone e colocaria dentro do media center. Ele fabricou uma sonda simplificada de madeira para cada um desses dispositivos e elaborou uma cartilha com instruções de como imaginar interações com os dispositivos. Cada vez que o usuário interagisse, ele deveria registrar a interação em um post-it e colar na sonda. A sonda foi enviada a uma família, que ficou imaginando interações durante uma semana. Paolo utilizou os dados coletados pela sonda para decidir sobre as funcionalidades que traziam valor e para projetar a interface dos dispositivos. Mais do que isso, ele percebeu através da sonda as qualidades da experiência do usuário relevantes para o projeto.
Todos esses quatro métodos alternativos são qualitativos porque o propósito deles é criar qualidades. Eu acredito fortemente que qualidade se cria com métodos qualitativos, enquanto quantidade se cria com métodos quantitativos. No caso da Modelagem de Emoções, mesmo que o projeto já esteja pronto e a avaliação não seja levada em conta para transformar as qualidades da experiência do usuário, pelo menos, já se sabe quais são as qualidades relevantes desta experiência. Em uma próxima avaliação, seria possível utilizar métodos quantitativos para mensurar estas qualidades, porém, estes métodos não iriam captar novas qualidades que poderiam surgir em testes subsequentes.
As qualidades da experiência do usuário não são absolutas e finitas. Na perspectiva relacional que estou propondo aqui, as qualidades estão em constante mudança, dependendo da relação entre sujeito e objeto. Novas percepções dão origem a novas qualidades, permitindo que a prática de design voltado à experiência do usuário gere inovações qualitativas.
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