Durante o laboratório vivo no FISL16, realizamos um experimento sobre como o Facebook distribui atualizações de status pela rede social. Muitas pessoas não sabem que seu hábito de gostar ou não gostar de atualizações de outros amigos define o que será mostrado na linha do tempo. A linha do tempo é o espaço preponderante no Facebook e transmite a impressão de ser pública, porém, isso é uma ilusão. O objetivo do experimento era desfazer essa ilusão e promover um debate sobre o quanto estaríamos delegando a política brasileira para uma empresa privada.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Máquina, o Facebook é o canal mais utilizado pelos parlamentares brasileiros para interagir com seus eleitores.
Os parlamentares querem estar no Facebook porque os brasileiros discutem política neste espaço como nunca fizeram antes. Em 2013, o termo "manifestação" acabou sendo mais mencionado do que "carnaval" na rede Facebook (!).
Apesar de potencializar mobilizações, o Facebook não substitui as ruas porque não é um espaço público. Mesmo que uma pessoa escolha que uma atualização seja pública, ela não será mostrada a todos os usuários da rede. Isso se deve ao algoritmo Edgerank. Quanto maior for a interação entre duas pessoas, maior a chance da atualização de ser mostrada na linha do tempo da outra. Além disso, quanto mais as pessoas interagirem com essa atualização, mais ela será replicada. Os valores exatos não estão disponíveis para consulta e podemos apenas conjeturar sobre seu funcionamento.
Para ver como o algoritmo impacta na mobilização política, vejamos a recente campanha promovida pelo próprio Facebook para celebrar o orgulho LGBT. Poucas horas depois da aprovação do casamento de pessoas de mesmo sexo nos EUA, milhões de pessoas já estavam usando uma camada colorida sobre sua foto de perfil. Como é possível que essa camada tenha se alastrado tão rapidamente?
A explicação é que o peso atribuído à alteração de foto de perfil é o maior dentre as interações possíveis no Facebook. Com a ajuda dos likes e comentários dados pelos amigos, a chance da foto colorida aparecer na linha do tempo dos amigos aumenta muito. Se vários de seus amigos adotaram a camada colorida, você teve a impressão (errônea) de que a grande maioria das pessoas apoiavam o movimento LGBT. Segundo o próprio Facebook, apenas 1,8% de todos os usuários da rede adotaram a camada colorida.
O ativista Eli Parisier deu uma palestra muito interessante na TED explicando que o algoritmo do Facebook cria bolhas sociais, compostas de pessoas que gostam das mesmas coisas. Isso se intensifica quando os usuários deliberadamente terminam a amizade ou escondem as atualizações de outras pessoas. Conscientemente ou não, as pessoas vão construindo a sensação ilusória de que o mundo ao seu redor é composto de pessoas com o mesmo ponto de vista.
Algumas pessoas especulam que o Facebook usou a campanha do orgulho LGBT como mais um experimento de comportamento massivo, justamente para compreender como se dá a formação dessas bolhas sociais.
Nós partimos da mesma curiosidade para organizar o experimento no laboratório vivo do FISL, porém, ao contrário do Facebook, nós deixamos claro que se tratava de um experimento. Além disso, nos comprometemos a divulgar os resultados e a liberar as instruções para replicar o experimento.
O experimento consiste em participar de um jogo que simula de maneira simplificada o funcionamento do algoritmo do Facebook. Ao final do jogo, os participantes podem perceber e discutir os efeitos desse algoritmo sobre a mobilização política.
Abaixo segue um protótipo do jogo feito antes da realização no FISL.
No jogo real, os bonecos são pessoas e o jogo adquire uma dimensão performática. É um jogo fácil e divertido de jogar, mas que também provoca uma discussão muito séria a respeito da maneira como se relacionamos com nossos amigos e a sociedade.
O jogo pode ser realizado com no mínimo 5 e no máximo 100 pessoas. O tempo de duração pode ser de 15 a 45 minutos. Antes de começar, é preciso preparar algumas coisas:
O objetivo do jogo é ficar com melhor saldo de likes (os likes recebidos nas suas atualizações menos os likes restantes em sua cartela). As regras podem ser resumidas nos seguintes pontos:
Após o fim do jogo é possível discutir o papel do algoritmo do Facebook na mediação no debate político. Os jogadores podem propor mudanças nas regras do jogo e recomeçar o jogo para ver se um outro algoritmo seria desejável.
O tema escolhido para o experimento no FISL foi a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, uma emenda que tramita no Congresso Nacional. Abaixo segue uma tabela com a transcrição dos post-its coletados e o número de likes que eles receberam.
Atualização de status | Likes |
Apoiado, mas a educação deve melhorar em vários sentidos | 13 |
A maioridade deveria ser aprovada junto com um pacote de melhorias na educação | 10 |
Maioridade penal é dar responsabilidades aos atos desde cedo | 10 |
+Educação - Prisão | 9 |
#EuApoio? Maioridade penal reduzida, com 16 já está "grande" o suficiente para responder por seus atos. | 9 |
A maioridade penal, por si só, não resolverá o problema da violência | 8 |
Sem educação a redução da maioridade não resolverá muita coisa | 6 |
Educação = pessoas mais civilizadas | 6 |
A redução da maioridade penal é uma artemanha de um governo que não sabe propor solução, apenas contornar problemas | 5 |
+Escolas - Prisões | 4 |
Com a redução da maioridade as pessoas podem ter mais responsabilidades | 3 |
Sofrimento não é solução. Redução não é redenção. | 2 |
UNE, USS, PSD, RUA, Juntos e diversas entidades estudantis foram contra a maioridade. Cunha é golpista. | 2 |
Descriminalização das drogas | 2 |
Só a redução da maioridade não vai reduzir muito crimes realizados por adolescentes | 2 |
Acho válido, mas sozinha, a redução não pode resolver o problema | 2 |
Quem não tem opinião formada, curte aê =D | 1 |
Por que maiores de 16 anos podem eleger seus governantes e não serem condenados? | 1 |
Maioridade penal é um crime para a sociedade menos favorecida #FORACUNHA | 1 |
Sexta tem protesto unificado da Juventude Contra a Maioridade! | 1 |
Queremos mais escolas e mais educação #Nredução | 1 |
Se todos tivessem oportunidade ninguém roubaria | 1 |
PMDB, PSDB e Cunha são o retrocesso | 1 |
Maioridades devem ser proporcionais às responsabilidades | 1 |
Laboratórios no sistema de socialização | 1 |
Fora Cunha | 1 |
Política pública para cultura da PAZ | 1 |
Menos mortes na periferia | 1 |
Mais participação social | 1 |
Revolução na educação | 1 |
A redução da maioridade é boa, contudo pode aumentar o trabalho forçado infantil | 1 |
A maioridade poderia ser melhor estudada, pois ela só não resolve nada | 1 |
Todos precisam de escolas e não de PRISÕES #ForaCunha | 0 |
Não à redução! | 0 |
Fora Cunha | 0 |
Desmilitarização da polícia | 0 |
Melhorar mecanismos do ECA | 0 |
Fim do sistema penal | 0 |
Fim das doações de campanha | 0 |
A redução da maioridade pode ajudar na melhoria da educação | 0 |
As penas também devem ser refeitas | 0 |
Educar as pessoas a educar seus políticos para que não seja preciso punir as crianças | 0 |
Os participantes do experimento disseram o seguinte após o experimento:
Além de conscientizar os participantes da maneira como o Facebook une e separa as pessoas, o experimento demonstrou que certos pontos de vista são marginalizados pelo algoritmo e que as mensagens mais populares não são necessariamente unânimes.
A minha reflexão pessoal sobre o experimento é que precisamos se apropriar de outros espaços para discutir política, pois o espaço do Facebook dificulta o confrontamento com opiniões divergentes, o que é uma precondição para o debate genuíno. As pessoas acabam ficando cada vez mais radicais dentro de suas bolhas, trocando apenas mensagens com aqueles que tem posições políticas similares. Isso também acontece no Twitter, como deixa muito claro as visualizações de grafos da FGV.
Como cidadão, eu tento evitar de ficar preso dentro da bolha pela minha política pessoal de não remover nem esconder alguém só porque a atualização é ofensiva, reacionária, golpista, homofóbica, ou qualquer outra qualidade que eu não gosto. Gostaria de ter uma pluralidade de opiniões para saber o que os outros estão dizendo e até mesmo preparar minha contra-argumentação. Porém, sei que minha decisão de não gostar dos argumentos opostos aos meus para evitar que eles viralizem já me coloca dentro de uma bolha. No Facebook, não é possível escapar disso.
Reitero o convite aos designers de interação para mediar este cenário de polarização política instaurado por um algoritmo que a nossa própria classe ajudou a criar. Um caminho possível é 1) hackear os algoritmos pela recriação deles em público e 2) criar outros algoritmos e outras redes sociais que não induzam à formação de bolhas.
Siga-me no Twitter, Facebook, LinkedIn ou Instagram.
O grafo da imagem foi produzido pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV. http://dapp.fgv.br/
Obrigado pela correção Pedro! Já atualizei o post. Fiz confusão enquanto olhava as visualizações do www.labic.net
Parabéns pelo trabalho. Já está nas minhas referências.
Vou deixar este artigo aqui de referência,
pq quero ler em breve ambos:
http://www.pnas.org/content/112/4/1036.full.pdf
muito legal.
Obrigado pela referência, Fabbri. Esse estudo tem duas falácias, a meu ver:
1. O uso de questionários e escalas para medir personalidade foi questionado severamente pela Psicologia contemporânea, especialmente, quando se considera que a personalidade não é algo fixo mas em desenvolvimento.
2. As predições feitas pelo computador ainda assim eram baseadas em input humano (likes) e por isso não podem ser usadas para sugerir que o computador pode sozinho reconhecer a personalidade com maior acurácia que um ser humano. Eu diria que, nesse caso, quem acertou foi o coletivo de pessoas que votaram nos likes assistidos pela mediação computacional (lembra o fenômeno "sabedoria das multidões").
Porém, fico na dúvida que tipo de coletivo anônimo é esse que não pode nem se fazer consciente de seu poder e capacidade de ação.
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