Nosso país desperdiça muito. Dentre todos os desperdícios, o maior é o potencial humano. Nas vilas e favelas existem milhares de jovens que mesmo com todas as dificuldades conseguem desenvolver um brilhante intelecto. Porém, lhe faltam oportunidades para desenvolvê-lo. Cesario Monteiro é um deles e está determinado a se tornar um grande Webdesigner.
Frederick: Nas comunidades virtuais todo mundo é igual?
Cesario Monteiro: Não, há muito preconceito ainda devido às diferentes classes socias que atuam nelas.
F: Como se manifesta esse preconceito?
C: É como você chegar numa festa de penetra sem conhecer ninguém. Quando eles souberem quem é você, o que sabe fazer ou proporcionar, eles julgam se você presta pra alguma coisa ou não.
F: Do lado de fora do monitor, as características físicas (aparência, idade, vestes) são identificadores sociais instantâneos. Já dentro do monitor isso não existe. O computador facilita o acesso à sociedade, em relação ao mundo real?
F: Sim, conheço várias pessoas que têm dificuldades para se relacionarem com outras e encontram no computador um aliado para superar esses problemas.
F: E quanto à diferença de classes sociais?
C: A partir do momento em que as pessoas passam a te conhecer pessoalmente surgem as diferenças.
F: Então você não acredita que o conceito de "igualdade social" que a Internet roga pra si tenha mudado a consciência de quem usa ela?
C: Não acredito. Pode até existir certa igualdade, mas ela só se manifesta na própria Internet. Fora dela, o mundo continua o mesmo. A maioria das pessoas que usam chats ou similares tentam apenas encontrar soluções para seus problemas.
F: A inclusão digital poderia ajudar a diminuir as diferenças entre as classes sociais?
C: Sim, porque através da Internet o acesso à informação é mais fácil. Essa troca de informação é um meio de cultura e socialização, algo que é negligenciado aos excluídos.
F: Você conhece alguém que seja deficiente físico e poderia se beneficiar de padrões de acessibilidade na Web (normas para deixar os sites mais fáceis de usar para quem tem deficiência motora ou visual) ?
C : Até o momento não, mas veja por outro lado: já é dificil pra pessoas humildes como eu ter os recursos necessário para acessar à Web, imagine pra pessoas portadoras de deficiencias fisicas...
F: A acessibilidade também inclui normas para auxiliar a deficiência cognitiva. Você acha que na medida em que a Internet se torne mais fácil de entender e de usar, ela ficaria mais acessível à população humilde?
C: Sim, pois aquilo que se grava facilmente na memória constantemente faz ela se desenvolver. No entanto, o ideal é que todos os usuários tivessem a mesma base do conhecimento informativo e sócio-cultural. Para esse fim, a Rede é um instrumento de desenvolvimento multi-diciplinar.
F: Como seria o desenvolvimento muti-disciplinar através da rede?
C: Aprendizagem do idioma inglês através dos termos usados nos softwares; matemática através de programas que exigem cálculos (como o action script do Flash); português pelo estímulo à escrita, a forma como se comunicamos pela Internet hoje; percepção visual nos detalhes de movimentos, sons, cores e etc.
F: Como o Flash pode ser usado para oferecer essa multidisciplinaridade?
C: É verdade que um projeto Web é desenvolvido de acordo com o perfil do público alvo, mas quanto mais estímulos áudio-visuais se usa, mais respostas se tem do usuário. A concorrência na Web é muito grande, então quem consegue cativar assim, cria boas expectativas no usuário.
F: A Televisão usa muitos recursos audio-visuais no entanto, não tem suporte para a resposta do usuário. Que consequências teria o advento da TV Interativa, que permitiria essa resposta?
C: A interatividade só é válida quando a resposta não é modificada. Um telespectador de classe menos abastada poderia transmitir suas experiências num programa, mas é essencial que seja compreendido e respeitado. Além disso, é preciso fornecer recursos áudio-visual de duas mãos, já que expressar pensamentos só em palavras é dificil.
F: Você assiste televisão?
C: Muito pouco. Um programa que gosto é o do Jô Soares.
F: A Televisão hoje chega aos lares das populações mais pobres. Você conhece pessoas que poderiam evoluir se pudessem trocar a TV por um computador?
C: O comportamento incentivado pela TV dá ênfase ao consumo imediato. O ser-humano é desvalorizado para aumentar a audiência. Se o computador proporcionar espaço para a população se expressar, então a interatividade será útil para modificar a realidade.
F: A interatividade é libertadora?
C: Quando respeitado o limite de cada um, sim. A interatividade é um recurso de expressão do indivíduo enquanto ser participante do processo social. Através dela, é possível ter acesso ao conhecimento e este, leva à ciência dos direitos e da conjuntura em que se está inserido.
F: Você disse que trabalhou por pouco tempo numa empresa de e-learning. As escolas concretas oferecem pouca interatividade e o e-learning, muita. Acha que, na medida em que ele se torne popular, obrigará a educação regular a ser repensada?
C: No caso do e-learning a caminhada ainda não tem destino, a estrada está sendo construída. Mas é importante reconhecer que sempre há uma troca de conhecimentos.na escola tradicional no âmbito social e emocional e me parece que o e-learning está muito distante disso.
F: O ensino à distância vai democratizar o conhecimento
ou será apenas para a elite?
C: O conhecimento pode ser igual entre as classes, todavia o rio sempre corre
para o mar. A elite detém o conhecimento político social e às
vezes ignora as virtudes da disputa honesta. De qualquer forma essa democracia
vingará um dia.
F: A tecnologia até hoje serviu por excelência ao braço forte da elite. O futuro onde a democracia vingará será anti-tecnológico?
C: Não. A tecnologia é a independência e polivalência de uma nação. No Brasil, temos muitos recursos naturais, mas somos explorados quando nos falta tecnologia. No entanto, não nos cabe tentar derrubar classe sociais e sim abrir novos espaços para que a divisão de oportunidades seja por valores menos paternalistas. É verdade que o crescimento da tecnologia gera prejuízos ao meio e isso será cobrado de cada um, independente de classe social. A convivência harmoniosa entre a natureza e a tecnologia é a expressão de realização do homem enquanto ser individual.
F: O excesso de tecnologia tem provocado por vezes a alienação do homem à natureza. Como o profissional que é contra a alienação mas que trabalha em prol dela deve agir?
C: A tecnologia é um mau necessário, mas o profissional não deve ter ideologia, ele é contratado para desenvolver projetos. Separando o profissional do homem, é possível conciliar ética e trabalho. Hoje dificilmente eu rejeitaria a proposta de fazer um website sobre cigarros, embora não fume. A alienação é uma utopia modal e temporal.
Nota: Cesario no momento está a procura de uma oportunidade na área de Webdesign no Rio de Janeiro. Sua maior dificuldade é ainda não ter concluído o segundo grau. Se você quiser ajudá-lo assim como eu e meus amigos, mande um email para ele oferecendo apoio. Ele ficará feliz somente com palavras, mas se você tiver como doar um computador (ele ainda não tem um) livros ou realizar o sonho dele (emprego em que trabalhe com Flash), faça isso. O telefone dele é (21) 3777-6872 e o ICQ é 173459939. Obrigado.
* Frederick van Amstel é webdesigner e jornalista da comunidade FlashMasters