Design é uma dessas áreas que costuma negar seu envolvimento com a política. Mesmo quando dá forma para instrumentos políticos, como o "rádio do povo" na Alemanha nazista, sua relação com o conteúdo é frequentemente negada. O conteúdo já vem pronto e o designer apenas dá forma e função. Se o conteúdo é político, o máximo que o designer pode fazer é recusar o job.
Eu não concordo com essa visão. Pra mim, design também é conteudo. Sendo assim, design está sempre contribuindo para construir ou desconstruir ideologias políticas, seja elas quais forem.
O design moderno, por exemplo, reproduz com frequência a ideia de que se o produto é simples, minimalista e eficiente, ele melhora a qualidade de vida das pessoas em geral. Isso é uma ideologia, pois o verdadeiro motivo da indústria para adotar tais valores é o barateamento da produção. Quase um século de design moderno se passou e ainda não existem evidências claras de melhoria na qualidade de vida. O que podemos constatar é uma produção gigantesca de objetos descartáveis, desprovidos de afeto ou inúteis.
Foi à partir desta reflexão crítica em relação ao design moderno que comecei a me interessar por política, não a política oficial, mas a política do dia-a-dia. Em 2013, sugeri que o designer podia ter um papel mais consciente na política do dia-a-dia, promovendo a participação em projetos. Desenvolvi melhor essa proposta em 2014, ressaltando o papel mediador que o design poderia ter num cenário de polarização. Em 2015, a Presidência da República do governo Dilma me chamou para desenvolver um projeto em que pude aplicar essa visão: o Dialoga Brasil. Foram mais de 11 mil propostas recebidas para mudar o governo, porém, o impeachment da presidenta abortou a ampliação da participação social.
A novidade de 2016 é que eu ajudei a eleger um vereador em Curitiba, o Goura. Trata-se de um político jovem que emergiu do movimento de cicloativismo na cidade. Independente de nossa amizade de longa data, resolvi ajudá-lo porque ele se propôs a fazer uma coisa muito rara: conectar a política do dia-a-dia com a política oficial de uma maneira concreta. Antes de se tornar um político oficial, Goura já assumia atitudes políticas em seu dia-a-dia: andava de bicicleta ao invés de carro sempre que possível, não comia carne, praticava yoga e fazia intervenções artísticas na cidade.
A proposta do mandato é trazer para a política oficial tais atitudes desenvolvidas na política do dia-a-dia, gerando ações coletivas e políticas públicas que melhorem a mobilidade, relação com o meio ambiente e convivência urbana, além de outras pautas. O exemplo vivido no dia-a-dia pelo próprio Goura é a base do mandato. Muitos eleitores comentaram que seu exemplo fez reacender a esperança na política oficial.
A campanha desenvolvida pelo coletivo que apóia o Goura foi muito diferente das demais campanhas. Ao invés de prometer coisas, utilizamos nossos canais de comunicação para disseminar atitudes, mesmo que isso não contribuisse diretamente para ganhar votos. O foco da campanha era a política do dia-a-dia e não a política oficial.
Compartilharei alguns momentos da campanha que vivencei trabalhando no Grupo de Trabalho (GT) de Comunicação e no Democracia Participativa. Meu objetivo com esse post é demonstrar o papel mediador que um designer pode ter numa campanha política. Em geral, designers são contratados para trabalhar em campanhas de políticos que eles nem mesmo votariam. O que se espera deles é que sejam instrumentos, não mediadores. No meu caso (e no caso dos demais designers que trabalharam na campanha), o voluntariado nos deu a liberdade para atuar como mediadores.
Desde a primeira reunião do coletivo, Goura deixou claro que o processo seria participativo e que, sem a participação do coletivo, a candidatura não faria sentido. Na primeira reunião no começo do ano, reunimos todos os interessados em se juntar ao coletivo e pedimos para escrever em post-its as pautas que gostariam de promover na política oficial. Goura leu cada uma e agrupou por afinidade, formando os primeiros Grupos de Trabalho.
Os grupos se reuniram e elaboraram propostas. Os textos foram organizados e editados utilizando a Plataforma Corais. Depois disso, foram publicados na página da campanha com botão para os eleitores manifestarem a favor ou contra. Eu fui responsável por redigir algumas das propostas de Democracia Participativa, porém, nem todas minhas propostas passaram pelo consenso do coletivo.
O Espaço Vá de Bike intensificou as reuniões e permitiu oferecer aulas de yoga, seminários sobre comunicação não-violenta, oficinas de reparos de bicicletas, curso de horta urbana e uma série de outras atividades que não costumam acontecer num comitê político.
É claro que o Vá de Bike foi também utilizado como comitê, para distribuir os materiais gráficos da campanha e organizar a divulgação corpo-a-corpo. Os materiais de campanha não pareciam em nada com os tradicionais santinhos de político.
Uma peça em particular chamou a atenção dos eleitores: os mapas das 10 regionais da cidade. Goura convidou um artista local para ilustrar o mapa de cada região da cidade, ressaltando alguma experiência que eles tinham com aquele espaço. Os mapas expressam a visão humana que Goura tem sobre o espaço urbano.
Os materiais em vídeo dirigidos por Rafael Bertelli também foram essenciais para a campanha. Compartilhados no Facebook, alguns vídeos chegaram a mais de 5 mil visualizações.
Goura foi eleito vereador de Curitiba com 6.700 votos. Neste momento, ele está montando o gabinete e tentando agilizar a implantação de uma praça em homenagem à uma personagem transgênero da cidade, a Gilda. Numa reunião de avaliação da campanha, aproveitei para gravar alguns comentários dos colegas acima referidos.
A proposta do mandato é continuar a campanha de mudanças de hábito na cidade. Estamos discutindo várias maneiras inovadoras de incentivar a participação dos cidadãos na elaboração de políticas públicas. Se você tiver interesse em acompanhar e participar, entre em contato.
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