A maior parte das pessoas quando escuta a palavra design, pensa em coisas legais, bonitas, funcionais, e úteis que promovem uma inexplicável sensação de bem-estar. Design é, tanto no imaginário popular quanto na maior parte das pesquisas científicas, uma característica de coisas. Construir uma prática de pesquisa em design focada na relação entre coisas na Quarta Ordem de Design é um grande desafio, mas não é impossível.
As vantagens de uma perspectiva relacional no design são imensas! Poderemos, enfim, dialogar com várias outras disciplinas que não necessariamente têm um foco em criação de coisas, como o Direito. Esse diálogo é interessante, pois muitas vezes os projetos de transição dependem de mudanças na legislação e outros mecanismos reguladores da sociedade.
Ao invés de trabalhar com as coisas como se elas fossem objetos fechados, o Design Prospectivo trabalha com as coisas como se fossem objetos abertos, constituídos por relações em constante mudança. O objeto do projeto se torna um espaço de possibilidades que não se fecha quando o projeto termina.
Isso pode ser explicado da seguinte maneira: ao invés pensar uma coisa fora da caixa, pensa-se na caixa como a origem de diversas coisas. Em outras palavras, trata-se de uma atividade de pensar (dentro do) fora na caixa: identificar as caixas, abrir as caixas, pensar lá dentro, pensar lá fora e repensar as caixas em rede.
Entretanto, no Design Prospectivo nós queremos ir além de repensar a caixa. Prospecção é uma ação concreta e não apenas uma imaginação abstrata. No caso do petróleo, por exemplo, a prospecção coloca uma sonda no fundo do oceano para ver se realmente tem petróleo lá. Os planejamentos e planilhas preditivas são importantes para a prospecção, mas assim como os engenheiros do petróleo, designers gostam de colocar a mão na massa e ver se a nova relação é possível.
Quando uma relação ou uma qualidade relacional são descobertas, o Design Prospectivo revela o que chamamos de Novo Possível. Graças à prospecção eficaz, aquilo que era considerado impossível se transforma em possível. As pessoas passam a acreditar que é possível quando observam a novidade funcionando.
Podemos considerar essa mudança também como uma expansão da caixa que restringe o pensamento e a ação. A prospecção nada mais faz do que revelar os potenciais de mudança. A caixa do possível se expande um pouco mais ao trazer aquilo que está na caixa do provável para dentro do possível. Porém, ela pode expandir mais ainda se forem trazidas coisas do improvável para o possível.
A mudança mais extrema acontece quando algo do impossível é levado ao possível, transformando o Velho Possível no Novo Possível. Nessa caixa expandida, se encontram aquelas relações que já existiam no sistema sociotécnico, mas que eram consideradas impossíveis devido ao velamento, ignorância, tabus, preconceitos e outras reduções conceituais do espaço de possibilidades.
O projeto de transição busca traçar uma ponte entre o Velho Possível e o Novo Possível, experimentando na prática as relações em questão. Não se tratam apenas de relações visuais entre coisas recuperadas do passado, mas de relações amplas que envolvem ser humano e natureza, sociedade e meio ambiente, cidadão e Estado, consumidor e produtor, etc. Ao invés de recorrer ao conhecido estilo retrô, nós cultivamos o emergente estilo futrô.
A preocupação com estilo não é inconsequente. Em outras disciplinas, relações costumam ser estudadas em diversos tipos: relações de poder, relações ecológicas, relações internacionais ou relações de produção. O interesse do Design Prospectivo não é tanto distinguir e definir essas relações mas sim produzir um estilo baseado em qualidades relacionais. Por exemplo, produzir sustentabilidade a partir de relações ecológicas ou justiça social a partir de relações de opressão.
Muitas pessoas observam essas relações e pensam que elas são imutáveis ou muito difíceis de serem transformadas por serem estruturais para a nossa sociedade. Não acreditam na mudança porque não conseguem ir além do imediatismo. O Design Prospectivo tem como prioridade ampliar as perspectivas de prospecção.
Design Prospectivo pode ser caracterizado, portanto, como um design possibilista, pela sua tentativa constante de explorar o que é improvável, impossível e até mesmo o que é impensável. A intenção é viabilizar o que não seria possível anteriormente mas que agora já é possível devido à prospecção.
Vejamos um projeto de exemplo. Em um artigo publicado no periódico Human-Computer Interaction, eu e meu colega Rodrigo Gonzatto descrevemos um projeto desenvolvido por nossos estudantes quando a gente ainda dava aula juntos na PUCPR.
Os estudantes estavam prospectando relações de opressão em Curitiba, olhando principalmente para a opressão das pessoas com deficiência, também conhecida como capacitismo. Dentro da ficção projetual que eles criaram, havia uma empresa ficcional chamada Optimus Body, que teria sido fundada em Curitiba nos anos 1970. Dentro da ficção, essa empresa teria se tornado nos dias de hoje, a maior produtora de próteses de membros humanos do mundo. Essas próteses tinham todo o glamour e toda a beleza que um produto industrial da Apple, porém, o foco da ficção projetual foi nas qualidades relacionais que emergiram da relação entre as pessoas com prótese e as pessoas sem prótese.
Inicialmente, as pessoas com prótese sofriam preconceito, mas conforme elas foram se mostrando mais produtivas no trabalho, algumas empresas passaram a exigir que seus funcionários trocassem seus membros naturais por membros artificiais. A qualidade da produtividade confrontou-se com a qualidade da humanidade. Um grupo de pessoas conservadoras argumentou que as pessoas com próteses já não podiam mais ser tratadas como seres humanos, mas sim como aberrações. Grupos mais liberais rechaçaram o preconceito e afirmaram a humanidade das pessoas com prótese. A ficção projetual propositadamente não tem o desfecho típico da ficção científica com as pessoas de má índole sendo punidas, mas sim com um convite para um debate sobre o que queremos para o nosso futuro.
A ideia inicial para essa ficção surgiu em uma sessão de Teatro do Oprimido Tecnológico. Um estudante pegou uma mão biônica de brinquedo que tínhamos à disposição para o figurino e colocou em um casaco de manga longa, escondendo a sua mão original. Quando percebeu que o truque funcionava, começou a interagir com os demais personagens da história como se fosse uma pessoa que tivesse um membro amputado e tentava conseguir um emprego com a mão biônica, que era muito mais eficiente para trabalho braçal do que uma mão natural. Ele enfrentou vários preconceitos, mas acabou se tornando Presidente da República no final da improvisação.
O pretexto de especular sobre o futuro ajuda a expandir a caixa do possível com ideias consideradas improváveis, porém, quando colocadas em relação em um sistema sociotécnico complexo, as qualidades relacionais aparecem como muito possíveis. Pode ser que as coisas sejam diferentes no futuro, mas as qualidades relacionais serão parecidas pois o sistema sociotécnico já está tendendo a produzir tais qualidades.
No caso dos nossos estudantes, nós observamos que os estudantes perceberam o potencial de emergência das qualidades de produtividade e de humanidade e escolheram deliberadamente enfatizar o valor da humanidade acima da produtividade. A possibilidade de projetar contra relações de opressão e a favor de relações de humanização se tornou parte do Novo Possível que estava sendo ali construído.
Essa prospecção de relações no futuro é interessante para pensar sobre as relações que cultivamos no presente. Os estudantes acertaram em identificar que as sementes (ou melhor, os pinhões) necessárias para que Curitiba seja a capital mundial das próteses e, ao mesmo tempo, uma cidade dividida pelo preconceito já estavam plantadas ali.
A produção de qualidades relacionais expande a caixa de possibilidades e abre o horizonte para o Novo Possível. Idéias que eventualmente possam parecer malucas e improváveis, na medida em que são prospectadas na caixa do possível, surgem qualidades relacionais únicas que podem inclusive emergir a partir de outras relações. Design Prospectivo é uma maneira de transformar o futuro improvável no presente possível.
Este texto foi composto a partir da transcrição de duas palestras: uma palestra abrangente transcrita por Felipe Araujo de Miranda Gomes e uma palestra mais específica, transcrita por Luiz Arthur Nascimento. Meus sinceros agradecimentos! Quem quiser ajudar a transcrever outras palestras, favor ver o que estou precisando nesta página.
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