No início deste mês tive a oportunidade de participar da WWDC, a conferência dos desenvolvedores da Apple, a convite do BEPiD. O BEPiD da PUCPR foi o que mais teve estudantes agraciados com bolsa para participar do evento, em partes acredito, pelo foco estratégico em codificação criativa que adotamos para encarar o desafio da Apple que concedia bolsas.
Foi uma experiência muito intensa, que me ajudou primeiramente a compreender melhor o lugar e as pessoas que cultivam os valores por trás da Apple. Embora eu não goste muito da política de responsabilidade social da empresa, sou um usuário fiel das tecnologias Apple há muitos anos e, desde o início do ano, professor de design num curso voltado para estas tecnologias.
Observar como a Apple trata seus desenvolvedores foi revelador. Do momento do registro até a partida da conferência, tudo é fluido e organizado, tal como os aplicativos desenvolvidos pela própria Apple. Eu duvidei que o wi-fi fosse funcionar para os mais de 5.000 participantes, mas lá estava eu conectado na keynote de abertura com o CEO Tim Cook.
O tema visual da conferência enfatizava o encontro de pessoas de todos os tipos, cores de pele e condições físicas. Isso me surpreendeu, uma vez que a Apple é conhecida no Brasil como uma marca voltada para as elites. Os produtos Apple são utilizados muitas vezes justamente para marcar a distinção entre a elite que pode comprar tais produtos e o resto da população que não pode.
Diversas ações durante a conferência demonstraram uma intenção da Apple em dissociar-se do elitismo. Um dos temas mais discutidos nas apresentações, por exemplo, foi acessibilidade. Apesar da tela touchscreen ser menos acessível do que um teclado físico, o iPhone tem sido a escolha preferida de deficientes visuais devido ao excelente ledor de tela embutido no sistema operacional (VoiceOver). Este oferece também a possibilidade de controle através de botões físicos externos, habilitando o uso para deficientes motores. Apesar de ainda limitada, a Siri também ajuda os deficientes motores e visuais com a opção de comando por voz.
A visão da Apple é que o investimento em acessibilidade beneficia a todos os usuários, pois as opções de acessibilidade conferem maior flexibilidade para todos os usuários. A API de acessibilidade do iOS oferece diversas opções para adaptar o conteúdo de um aplicativo de acordo com as opções de acessibilidade globais do usuário, tais como texto maior, alto contraste, zoom e legendas.
A entrevista com Michelle Obama também foi um momento de refletir sobre o desafio cultural de inclusão de mulheres no setor de Tecnologia da Informação. Michelle afirmou que não adianta criar programa de cotas e incentivos para mulheres adultas; o que vai fazer a diferença é estimular as crianças desde cedo a se interessar pela tecnologia. Além deste problema, Michelle convocou os desenvolvedores da Apple a utilizar seus recursos para encarar outros grandes problemas sociais.
O programa BEPiD em si já é uma ação nesse sentido. A Apple estimula os estudantes a criar aplicativos que façam a diferença numa comunidade. No primeiro projeto em grupo este ano, nossos estudantes desenvolveram diversos aplicativos com viés social e ambiental. Esse viés não é obrigatório, mas uma escolha que muitos estudantes fazem.
Apesar de eu ser um homem branco privilegiado, eu costumo me sentir excluído em conferências devido à minha dieta vegetariana. Na WWDC, havia opções excelentes de almoço para vegetarianos, veganos e celíacos, com a descrição de todos os ingredientes para verificação.
Apesar do esforço da Apple para incluir pessoas diferentes, haviam poucos negros, mulheres e latinos na conferência. Um dos motivos para isso é que essas pessoas costumam também ser excluídas economicamente da sociedade, a tal ponto que elas não conseguem bancar os custos elevados para se tornar desenvolvedores da Apple. Além de ser necessário acesso ao hardware caro da Apple, é necessário também pagar uma taxa anual de U$ 99 para publicar aplicativos na App Store. O ingresso da própria WWDC custou U$ 1599. Para quem pode pagar, vale o preço, mas é mais um fator de exclusão.
Uma das ações da Apple para reverter este cenário foi o lançamento do aplicativo gratuito Swift Playgrounds para iPad. Com ele, estudantes podem aprender a programar com um hardware mais em conta. Alguns dos projetos selecionados pelos nossos estudantes utilizaram justamente esta plataforma. A novidade da WWDC é que esse aplicativo agora pode ser utilizado para controlar dispositivos externos, como o kit de robótica Lego Mindstorms.
Essa conexão com dispositivos externos está ligada à abertura oficial do HomeKit para conexão com dispositivos sem certificação Apple. Isso significa que qualquer desenvolvedor agora pode prototipar Internet das Coisas com Arduino, Raspberry Pi ou qualquer plataforma que implemente os protocolos do HomeKit.
O preview do HomePod (um alto-falante) mostrado durante a conferência é indício de que os smart appliances seriam a nova fronteira de competição para a Apple. Com ele, a Apple mostra que para fazer Internet das Coisas bem feita não é suficiente acrescentar um chip no dispositivo. É preciso oferecer uma experiência realmente valiosa. Na minha opinião, umas das intenções da Apple com o HomePod é estimular o desenvolvimento de smart appliances bem projetados.
Ao entrar no ecossistema de desenvolvimento da Apple, os desenvolvedores tem acesso à novíssima API de machine learning da Apple, o CoreML. Com ela, é possível criar aplicativos que identificam padrões em dados desestruturados, tais como a imagem da câmera, textos e sensores sem gastar muitos recursos. Isso permite criar smart appliances com funções básicas de inteligência artificial.
Por fim, não poderia deixar de mencionar o kit de realidade aumentada, que deve criar uma coqueluche de jogos e aplicativos que acrescentam objetos virtuais no visor da câmera. Eu vejo grande potencial para aplicativos que utilizem este recurso para questionar o que conta como realidade em nossa sociedade atual.
Participar do evento foi uma excelente chance para ver a amplitude dos diversos lançamentos da Apple em primeira mão, além de compreender mais a relação que cultiva com sua rede de desenvolvedores. De volta ao Brasil, o desafio agora é experimentar os novos recursos com nossos estudantes do BEPiD.
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Assistindo o WWDC daqui, eu percebi que a expressão "machine learning" foi a mais usada em toda a apresentação. Mais até que o habitual "it's amazing" que eles adoram usar.
Essa pra mim é a nova fronteira para quem pensa em interação humano-máquina. Como usar essa inteligência para diminuir cada vez mais o atrito entre a intenção do usuário e o que o computador pode fazer.
Com a evolução da IA a tendência é que várias funções como uma das minhas, programar UI gráfica por exemplo, vão se tornar obsoletas..
O bacana desse movimento de revival da Inteligência Artificial é que as propostas que estão aparecendo são bem mais humildes e mais pé-no-chão. Machine learning nada mais é do que um vocabulário controlado automático que permite outros inputs além de texto.
O problema é que toda classificação humana serve para produzir sentidos conotados, porém a máquina é incapaz de diferenciar sentidos conotados de sentidos denotados.
Eu e Gonzatto abordamos a questão num paper antigo sobre a Web Semântica.
http://www.usabilidoido.com.br/integrando_e_fragmentando_dados_reflexoes_sobre_o_projeto_conectando_conteudos.html
Pensar que as aplicações de machine learning irão meramente substituir atividades existentes é falta de imaginação. A tendência é criar novas atividades.
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