Desde que designers passaram a projetar com o auxílio de computadores, perdeu-se um recurso fundamental para o projeto: o corpo inteiro. Na frente do computador, o designer faz apenas breves movimentos com as mãos e tenta concentrar sua mente o máximo possível nos símbolos exibidos pela tela. Fazendo isso, o designer desperdiça a capacidade que o corpo inteiro tem de pensar.
O corpo inteiro pensar? Não é apenas o cérebro que pensa? O cérebro é fundamental ao pensamento, mas ele não funciona sozinho. Isso se verifica quando estamos com os músculos cansados ou com um resfriado; o cérebro já não funciona tão bem.
Na teoria da cognição incorporada, a mente é um produto do corpo inteiro e, portanto, é diretamente afetada pelas emoções, pela postura do corpo e por seus movimentos.
O computador não é a melhor ferramenta para pensar um projeto. A ergonomia insólita do computador deixa o corpo num estado de tensão constante e as interfaces só pioram a situação, exigindo atenção para um monte de elementos ao mesmo tempo. Por isso que Donald Norman me recomendou sair da frente do computador quando quisesse ter inspiração para projetar interações.
Na tese de Caio Vassão encontrei uma proposta ainda mais radical: tomar o corpo como fulcro do projeto. Fulcro é o ponto de apoio de uma alavanca que permite a transferência de força de um lado para o outro. Se o corpo é o fulcro do projeto, então o projeto surge como um balanço de forças físicas que podem ser sentidas e tocadas diretamente pelo corpo.
Isso pode parecer abstrato considerando que o projeto de interações costuma envolver tecnologias digitais. Como é que você toca uma tecnologia digital senão pelo uso de um computador? Talvez a maneira mais fácil de perceber o quanto isso é concreto seja mudar a perspectiva de designer para de usuário. Quando os usuários interagem por meio de tecnologias digitais, fazem isso à partir de seu corpo.
O corpo não é apenas a referência e a origem das informações, mas também é quem coloca as informações na tecnologia digital. O objetivo da interação é afetar o próprio corpo (guardando informações para serem utilizadas depois, por exemplo) ou afetar outros corpos (informar uma outra pessoa). Não basta que a informação seja transferida para a tecnologia digital, é preciso que ela seja apropriada por um corpo para que se realize a interação.
Então como se projeta assim, com o corpo inteiro?
Essa é uma questão que tem orientado minha prática de projeto há alguns anos, em especial, devido ao meu interesse por interfaces tangíveis. Quando eu dava aula no Faber-Ludens, eu partia do princípio lógico de que se a interface levava em consideração o corpo todo, então o processo de design deveria também levar em consideração o corpo todo. Logo nas primeiras aulas, pedia aos meus alunos que projetassem um jogo para Nintendo Wii utilizando o método de bodystorming.
Bodystorming é uma alternativa ao brainstorming que, ao invés de utilizar apenas o cérebro para criar, utiliza o corpo inteiro. Costumo dizer aos alunos que enquanto eles estiverem sentados numa mesa planejando as interações que irão fazer depois com o corpo, eles não estão fazendo bodystorming. Isso é brainstorming. Bodystorming é criar direto com o corpo, criar as cenas na hora do ensaio, enfim, improvisar. Muitos movimentos do corpo e relações com outros corpos são melhores compartilhados através do próprio movimento do que através de palavras. Assim o processo de criação fica muito mais dinâmico.
Uma descoberta que fiz recentemente é que o bodystorming pode ser utilizado para projetar qualquer tipo de interação, independente se a interface é tangível ou não. Basta que as pessoas atuem como objetos e tecnologias. Com isso, é possível prototipar qualquer tipo de interação. No exemplo abaixo, as pessoas fazem o papel de computadores servidores, informações e prêmios.
No passado, eu havia experimentado trabalhar com materiais tangíveis para estimular o uso do corpo inteiro, tais como massa de modelar, Lego, kit de robótica Mindstorms, brinquedos e outros materiais. Hoje percebo que eles só devem ser empregados depois que a interação tiver sido ensaida com o corpo. Isso porque o processo de prototipação com materiais leva muito mais tempo e distrai o foco de atenção para a tecnologia do material.
É possível avançar o projeto à partir de um bodystorming sem necessariamente passar direto a um material de prototipação. Após fazer o bodystorming livre, é possível utilizar a técnica do teatro imagem para explorar alternativas.
Eu e Rodrigo Gonzatto estamos utilizando essa técnica na disciplina de Design de Interação do curso de Design Digital da PUCPR e o resultado tem sido promissor. O fluxograma abaixo demonstra as alternativas exploradas para contornar um sistema de vigilância do futuro. Esse fluxograma foi feito depois da encenação, ou seja, as alternativas foram geradas durante o teatro imagem através do emprego do corpo inteiro.
Acredito que ainda existem muitas outras possibilidades a explorar para projetar com o corpo inteiro. Quem estiver interessado, sugiro dar uma olhada na lista de vídeos com cenas de bodystorming que compilei.
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