Usabilidade sem dogmas

A Revista de Web Design do mês passado traz na reportagem de capa o tema Usabilidade em Tempos de Colaboração. O objetivo da reportagem é discutir como mudou a relação dos designers e desenvolvedores com esse tema. Segue abaixo minha entrevista com o jornalista Luis Rocha, onde reconheço que houve um amadurecimento conceitual muito importante: perceber que usabilidade é só mais um dos fatores de design e não algo externo ou contrário a ele.

Wd :: Dos conceitos tradicionais formulados nos primórdios da internet comercial por especialistas como Steve Krug, “nada importante deve estar a mais de dois cliques de distância”, e Jakob Nielsen, “o conteúdo é o rei”, o que ainda podemos considerar válido, o que foi transformado e o que caiu em desuso, em sua opinião?

Fred ::
Jakob Nielsen e Steve Krug ficaram famosos na época em que a bolha econômica da internet estava estourando. Ninguém sabia bem porque os negócios não estavam dando certo.

Nielsen e Krug argumentaram que o problema era na interface com o usuário. Apresentaram uma série de critérios e regras de usabilidade que substituíam qualquer reflexão mais complexa acerca do design destas interfaces. Bastava seguir suas recomendações e tudo estava resolvido.

Muitos desenvolvedores foram seduzidos pelo messianismo da usabilidade e tomaram as recomendações como dogmas. Era mais fácil acreditar no discurso simplista da usabilidade do que encarar a complexidade do design. Hoje, podemos notar um retorno ao interesse pelo design, não como um mero aspecto visual, mas como o balanceamento dos múltiplos aspectos de um produto, incluindo a própria usabilidade.

Wd :: No artigo “Keys to E-Commerce Success”, ficamos sabendo que “não encontrar o que procura” (34%) e “problemas de navegação/usabilidade” (13%) ainda são alguns dos principais obstáculos que dificultam a realização de compras em sites de comércio eletrônico, segundo pesquisa realizada entre abril e junho de 2009, com usuários pelo mundo. Pensando nisso, quais são os desafios para incluir a usabilidade como diretriz de negócios e estratégias em projetos digitais?

Fred :: O problema principal das lojas de comércio eletrônico hoje é que elas são projetadas mais pelos princípios da informática do que pelos princípios de vendas. A experiência de compra das lojas virtuais parece-se mais com a de softwares de automação comercial do que com a de lojas físicas. Não se trata de imitar o espaço físico, mas de aproveitar as estratégias de interação que funcionam. O velho bordão do “cliente sempre tem razão” foi esquecido.

Nas lojas virtuais, se você digita o nome de um produto diferente do que foi cadastrado, a loja geralmente não mostra nada. Se você pedir numa loja física, o vendedor não só dá um jeito de descobrir o que você busca, como passa a usar o seu linguajar para se referir ao produto.

Isso não é difícil de fazer num sistema de loja virtual, porém, é preciso conhecer estes princípios. Sonho com o dia em que o comércio eletrônico não será mais considerado como uma opção de menor custo, mas sim como uma opção de maior comodidade e prazer.

Wd :: Ainda é muito comum alguns profissionais confundirem o significado, ou até mesmo usarem como sinônimo, usabilidade e funcionalidade. Pela sua experiência, como podemos definir estes conceitos e quais são as principais diferenças entre eles?

Fred :: Funcionalidade é o que pode acontecer. Usabilidade é o que de fato acontece. Um determinado produto pode ter milhares de funcionalidades que ninguém usa, ou porque são inúteis ou porque estão escondidas. Essa estratégia de colocar todas as funcionalidades possíveis num produto é tão comum em tecnologia da informação quanto sua própria ineficiência. O produto perde personalidade e se torna mais um genérico multifuncional. Falta design, que serve justamente para priorizar o que de fato é importante para o usuário.

Wd :: Segundo o professor Robson Santos, no artigo “Alguns conceitos para avaliar usabilidade”, “efetividade, eficiência e satisfação são as medidas de usabilidade mais freqüentemente consideradas em relação à websites”. Como estes conceitos devem ser aplicados no processo de produção do designer de interfaces?

Fred :: É importante que os critérios tradicionais de usabilidade (eficiência, eficácia e satisfação) não sejam os únicos. A usabilidade deve estar alinhada à proposta de experiência como um todo. Isso significa que, em alguns casos, os critérios tradicionais podem ser relativizados ou mesmo ignorados. Que relevância tem a eficiência de uma interface voltada ao entretenimento? Na outra ponta, como a satisfação do usuário pode ser mais importante do que sua segurança num Internet Banking?

Wd :: Na edição de abril de 2009, apresentamos uma entrevista com Yasodara Córdova, pesquisadora de IHC e web design ágil, que analisava os efeitos da aplicação das metodologias ágeis no design de interfaces. Segundo ela, “o designer precisa pensar cada vez mais em construir respostas para os problemas dos usuários (sejam usuários de geladeiras, carros, computadores, celulares etc.) da maneira mais ágil e barata, com a melhor qualidade”. Diante disso, quais transformações que estas metodologias podem trazer para a aplicação dos conceitos de usabilidade em projetos digitais e interativos?

Fred ::
As metodologias ágeis ressaltam um aspecto importante para a usabilidade: a avaliação continuada. O problema é que nem sempre os critérios de usabilidade são levados em consideração nos testes. É preciso validar com usuários para garantir que o projeto vai atender às suas expectativas. Existem diversos métodos de pesquisas com usuários que são rápidos e baratos o suficiente para serem encaixados em metodologias ágeis.

Wd :: Em chat realizado no curso “Web para designers”, você levantou uma questão interessante durante o bate-papo: “se o cliente pede algo que você sabe que vai prejudicar a usabilidade, o que você faz?”. Nestes momentos, o que o profissional deve fazer e como ele deve se posicionar para não prejudicar a usabilidade do projeto?

Fred :: Esta é uma excelente oportunidade para o designer mostrar que seu trabalho é baseado em algo mais do que na inspiração pessoal. O cliente precisa perceber que a visão do designer vai além do senso-comum para respeitar seu trabalho.

Nesta situação, o profissional pode apresentar todas as pesquisas e dados que sustentaram suas decisões: livros, websites e artigos que serviram de fontes de referência. Porém, as provas mais contundentes aparecem em testes de usabilidade. Numa situação crítica, vale à pena rodar um teste de usabilidade experimental só para verificar a questão.

Wd :: Outro assunto pertinente discutido neste chat envolveu a questão cultural na aplicação dos conceitos de usabilidade. A dúvida é: ela deve ser trabalhada de outra forma em culturas diferentes ou existe um conceito universal?

Fred :: Assim como varia a forma como pessoas de diferentes países usam alimentos e roupas, varia também a forma como as pessoas usam softwares e websites. Porém, como estas ferramentas são frequentemente criadas com o intuito de padronizar determinadas atividades, existe certa universalidade de princípios básicos.

Por mais que um website seja independente de sistemas operacionais, as experiências que os usuários tiverem com seus sistemas operacionais (SOs) irá influenciar como interagem com o website. Por isso, os padrões das interfaces de SOs não devem ser ignorados. É preciso estar atento, entretanto, às mudanças nos SOs e em outras experiências interativas dos usuários.

Alguns websites já estão incorporando linguagens de interação advindas do iPhone, por exemplo. Quando se fala da usabilidade de um produto, é preciso avaliá-la frente ao contexto real de uso, porém, quando falamos de usabilidade de um modo geral, estamos nos referindo a padrões que atravessam diferentes dispositivos e contextos, ou seja, universais.

Wd :: Diante do caráter dinâmico e veloz que a internet apresenta, os projetos precisam ser revistos de tempos em tempos para se adaptarem as “novas” exigências de usuários e da atualização de tecnologias que possam aperfeiçoar o funcionamento dos sistemas. Recentemente, a Google lançou uma nova interface do Orkut, porém muitos criticaram a ação, classificando-a mais como uma ação de marketing do que uma contribuição efetiva na melhoria do período de experiência. Pensando nisso, quais são os cuidados na hora de se efetuar o redesenho de projetos web, de maneira que não prejudique a usabilidade do ambiente?

Fred :: É muito difícil ter certeza de que um produto inovador será um sucesso do ponto de vista da experiência do usuário. Em primeiro lugar, existem barreiras competitivas: a novidade não pode vazar antes do lançamento. Em segundo, se o produto é realmente inovador, não existem referências equivalentes para comparação.

Na maioria dos casos, as empresas optam por colocar o produto logo no mercado e ver o que acontece. Esse tipo de teste é muito oneroso, mas gera um aprendizado organizacional valioso.

Para superar essa prática corrente no mercado, sugiro que as empresas parem de olhar somente para seu umbigo e aprendam melhor com a experiência de outros. Para que tentar reinventar a roda se alguém já está fazendo isso? Pensemos em turbinas!

Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 03.02.2010

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