Tipos de experiências projetadas

É seguro afirmar que existem infinitos tipos de experiências do usuário, uma vez que se trata de uma performance emergente com alto grau de variação em suas condições. A maneira mais interessante que encontrei para lidar calmamente com o espaço de possibilidades é possuir um repertório de experiências diversas em sua vida. Novas experiências são sempre interpretadas em relação a experiências anteriores, mesmo que elas sejam experiência indiretas, adquiridas através de conversas ou livros. Assim, quanto mais experiências diversas uma pessoa tem, maior é a chance de ela compreender, interpretar e obter insights a partir de novas experiências.

Quando se projeta uma experiência, entretanto, o designer também cria experiências, o que vou chamar aqui de experiências projetadas. Estas experiências não são tão variadas quanto a experiência do próprio usuário, pois são regidas pelo repertório do designer, pela disciplina profissional e pelos padrões de mercado. Na maior parte das vezes, a experiência projetada será qualitativamente diferente da experiência do usuário. Porém, a experiência projetada poderá ter estruturas de interação em comum com a experiência do usuário que são melhor compreendidas enquanto se passa pela experiência.

A experiência projetada é, portanto, um recurso de design para imaginar cenários, perceber como emerge a experiência e ampliar as considerações sobre o usuário durante o projeto. Refletindo sobre a prática de design em que estive envolvido, consigo identificar sete tipos de experiências projetadas: a vicária, a observada, a retrospectiva, a prospectiva, a encenada, a cocriada e a criticada. Irei descrever cada tipo de experiência projetada e apresentarei exemplos de casos que experimentei diretamente. 

Experiência vicária: uma pessoa se coloca no lugar de outra e experimenta o mundo como se fosse ela. Isso acontece quando assistimos filmes e nos pegamos sorrindo ou com os ombros duros de medo. Porém, na prática de projeto, ela pode ser ainda mais intensa. Certa vez, quando estava no começo da minha carreira, em 2002, eu tive que projetar um website para uma ótica, porém, eu nunca havia precisado usar óculos na minha vida. Eu não tinha noção do que era usar óculos, então, pedi emprestado os óculos de uma colega e fiquei usando por alguns minutos para sentir como era. Tentei navegar em alguns websites e ver o impacto. É claro que eu enxergava pior com os óculos porque não era o grau apropriado, porém, através dessa experiência vicária percebi duas coisas: 1) não enxergar direito é um incômodo constante e 2) os óculos alteram sua identidade social. A partir disso, projetei uma interface com textos grandes e bons contrastes para que uma pessoa que esteja com óculos quebrado ou desajustado possa ler. Também enfatizei o potencial de identificação dos modelos. Um método bastante utilizado que aproveita a experiência vicária é o Usuário Disfarçado, que consiste no pesquisador passar por uma experiência como se fosse um usuário qualquer.

Experiência observada: uma pessoa observa de maneira distanciada a experiência de outra pessoa. Como exemplo, cito o projeto de pesquisa que o Instituto Faber-Ludens conduziu em 2010 sobre como os leitores de um jornal de grande circulação liam sua versão digital no iPad. A equipe de pesquisadores foi na casa dos leitores e pediu para mostrar onde e quando eles liam jornal daquele jeito. Tiramos fotos e gravamos uma entrevista em vídeo. Descobrimos que, diferente do jornal impresso, os leitores do iPad faziam outras coisas ao mesmo tempo em que liam jornal. Alguns assistiam televisão enquanto liam jornal. Esse fenômeno, que depois ficou conhecido como segunda tela, motivou a integração entre aplicativos mobile e aplicativos em Smart TVs. Para o jornal, essa evidência provocou a pensar além da adaptação da versão impressa ao digital, incluindo mais interação.

Experiência retrospectiva: uma pessoa relembra e conta como foi uma experiência que ela teve. Em 2009, o Instituto Faber-Ludens realizou testes de usabilidade em um refrigerador inovador, com tela touch screen. Ao conhecer o produto, percebi que ele poderia ser mais relevante pela afetividade do que pela usabilidade, por isso, tratei de incluir uma etapa extra no final do teste de usabilidade chamada Modelagem de Emoções. A gente pedia para as usuárias modelarem como foi a experiência delas usando massa de modelar em silêncio. Depois, elas contavam o que o modelo significava. Cada usuária teve uma experiência diferente, porém, todas ficaram bastante atraídas pelo afeto gerado pelo produto. A tela interativa permitia colocar fotos da família, deixar recados e consultar receitas.

Experiência prospectiva: uma pessoa imagina como seria uma experiência futura enquanto a outra facilita o processo de imaginação. Meu estudante no Instituto Faber-Ludens, Alexandre Ribeiro, estava desenvolvendo um projeto de painel de carro digital em 2008, porém, não existiam referências na época. Sugeri que utilizasse o método Fantasia Guiada, desenvolvido por Tim Mott para criar a primeira interface gráfica de processador de texto junto com uma secretária. Alexandre utilizou o método com um motorista amigo seu, que foi convidado a sentar em um carro normal e imaginar como seriam as interfaces de um carro digital. Alexandre propunha um cenário típico de direção, como por exemplo, ir buscar as crianças na escola enquanto chove. As ideias do usuário eram escritas em post-its e coladas no painel do carro. Após criar as principais funções da interface, foi possível imaginar interações mais elaboradas que envolviam inclusive outros carros e motoristas.

Experiência encenada: um grupo de pessoas atua em um espaço metafórico como se estivessem passando por uma experiência em conjunto. Isso também é conhecido como Prototipação de Experiências. As pessoas incorporam papéis e, diferentemente da experiência prospectiva, elas não falam distanciadamente como seria a experiência; elas agem pela perspectiva de seus personagens como se estivessem passando naquele momento pela experiência. A imersão serve para criar qualidades da experiência do usuário que só podem ser percebidas de dentro do contexto. Certa vez, numa aula estudantes de Engenharia de Software da PUCPR em 2018, eu propus que eles projetassem e encenassem a experiência de interagir com um sistema de atendimento telefônico automático. O espaço metafórico foi construído com duas mesas e um quadro branco móvel no meio, que bloqueava a visão entre as mesas. De um lado sentou os designers do sistema com a árvore de decisões escrita no computador e, do outro, sentou-se o usuário. O usuário poderia falar o que estava pensando e escolher qualquer um dos números oferecidos pelo sistema, porém, os designers do sistema só podiam falar o que estava escrito na árvore de decisões. Sempre que o usuário ficava perdido e não encontrava o que buscava, os designers voltavam para a prancheta e aperfeiçoavam o projeto. Após repetir essa encenação algumas vezes, os estudantes reconheceram que o projeto de interfaces não é nada simples, devido à incerteza sobre o comportamento do usuário.

Experiencia encenada

Experiência simulada: um sistema simula alguns aspectos da experiência do usuário. No projeto do centro de diagnóstico médico da Universidade de Twente utilizamos um software chamado FlexSim para simular o fluxo de pacientes em 2012. Conseguimos simular o ritmo de entrada de pacientes no centro, seus caminhos pelo prédio, os tempos de atendimento e os tempos de espera, tudo em relação à capacidade limitada das máquinas de diagnóstico. Depois que simulamos o cenário padrão, aumentamos algumas variáveis para ver o que acontecia. Percebemos que haviam momentos em que as máquinas ficavam sobrecarregadas e momentos em que elas ficavam ociosas, dependendo do procedimento adotado. Isso nos levou a propor mudanças na planta baixa do prédio para evitar gargalos operacionais e desconfortos para o paciente. Essa simulação, entretanto, não incluiu qualidades importantes da experiência do usuário, como a segurança dos pacientes. Experiências simuladas permitem explorar vários cenários, porém, dão bastante trabalho para produzir e não conseguem simular a maior parte das qualidades relevantes à experiência do usuário.

Experiência criticada: uma pessoa imagina a experiência do usuário e critica o projeto com base nessa experiência imaginada. Esse tipo de experiência é muito útil para avaliar e aperfeiçoar um projeto em desenvolvimento. Eu produzo esse tipo de experiência durante as sessões de design crit (também conhecida como sabatina) com meus estudantes de design. Numa disciplina que dei junto com o professor Rodrigo Gonzatto em 2016, pedíamos que os estudantes colocassem todos os materiais produzidos no projeto sobre uma mesa, incluindo esboços, diagramas e protótipos. Nós utilizávamos chapéus com perspectivas diferentes para produzir a experiência, por exemplo, o chapéu de bobo para representar uma pessoa ingênua, ou o chapéu de Tio Sam para representar um homem de negócios. As críticas eram tecidas pela perspectiva do chapéu, sempre imaginando como seria a experiência daquele tipo de pessoa. Nem sempre a crítica era pertinente, porém, ajudava a perceber as qualidades da experiência do usuário que não estão ainda visualizadas nos materiais.

Sabatina pucpr

Essa tipologia não acaba aqui. É possível que novos tipos de experiências projetadas sejam criados no futuro. Acredito que vídeo continuará sendo o material mais adequado para registrar, documentar e apoiar mesmo a criação de experiências projetadas.

Uma recomendação importante para evitar que o design se torne uma espécie de Conscienciologia do usuário, experiências projetadas devem ser criadas coletivamente. Quando a experiência é produzida por vários sujeitos, ela se torna intersubjetiva e também mais objetiva. Quando alguém fala algo a alguém, isso é tão objetivo que é possível gravar, transcrever e analisar o que foi dito. Sendo assim, quanto mais pessoas, perspectivas e métodos são incluídos na experiência projetada, melhor. Isso não significa que ela se torne mais parecida com a experiência do usuário, porém, assim ela cobre mais possibilidades. A objetividade da experiência projetada não se manifesta em sua totalidade, mas nas qualidades percebidas, que podem se manifestar em várias outras experiências.

Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 26.02.2019

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