Design é, por vezes, usado como sinônimo de novidade, de criatividade, de inovação, de vanguarda. Porém, quão capaz é o design de trazer o novo? A sociedade teme e rejeita movimentos que propõem mudanças radicais, como o Movimento dos Sem-Terra, o Hackerismo e o Punk, enquanto endeusa as mudanças propostas pelo Design, mudanças que não ameaçam o status quo, senão que o reforçam. É por isso que o Design segue tendências e não escapa dos clichês.
Mas, nem tudo é reprodução cultural no Design. Por mais que rejeitem o papel de artistas, designers não abdicam da marca autoral. Para competir no mercado, designers precisam chamar a atenção para si, mesmo que seja apenas em seu portifólio. Reivindicam o reconhecimento de um estilo pessoal, uma linha particular que distinga seus trabalhos dos demais. Ao invés de suprimir, empresas astutas capitalizam em cima do estilo, agregando o mesmo à sua marca. Por essa brecha, as organizações encontram espaço para propor mudanças e se atualizar perante à sociedade.
As organizações são conservadoras porque sua função é precisamente manter o status quo. Podem ter como objetivo a mudança de entidades externas, mas nunca a sua própria mudança. Por isso, a mudança parte do indivíduo, mas depende da incorporação pelas organizações para que se estabeleça como novo status quo.
No Design, não são apenas designers capazes de propor mudanças. Na verdade, quem tem maior liberdade são os consumidores. Eles podem criar e recriar produtos independente do parecer das organizações. As Havaianas são um caso clássico. Chinelo de baixo custo, era associado à classe de baixa renda, que não teria condições de comprar calçados melhores. Como tática de diferenciação, algumas pessoas viravam ao contrário os solados, deixando a superfície branca característica para baixo. Essa prática se reproduziu por muitos anos, até que o designer José Marcos da Silva propôs a Havaianas Top, em diversas cores e sem a superfície branca. Resultado: sucesso absoluto de vendas e magnífica revalorização da marca.
Hoje, as Havaianas são exportadas para 80 países do mundo e vestidas em desfiles da mais alta moda. O que era clichê, virou tendência graças ao Design. A criatividade e inovação do consumidor foi incorporada numa estratégia de branding brilhante e óbvia ao mesmo tempo: é óbvio que o consumidor queria sandálias diferentes, mas é brilhante a forma como o desejo foi atentido. Os comerciais de TV, os pontos-de-venda e a forma do produto estavam todos muito bem alinhados.
Apesar da magnitude, a mudança não foi assim tão radical. A classe de baixa renda continua usando o chinelo azul e branco, enquanto os mais abastados usam chinelos diferentes. Se o Design tivesse proposto o contrário ou algo radicalmente diferente, nem a organização, nem os consumidores iriam aceitar. A "Avaiana de Pau", animação que circula na Internet há alguns anos, foi criada pelos irmãos Piologo com o objetivo de satirizar a violência doméstica contra crianças, mas foi percebida por algumas pessoas como uma apologia à violência.
O que se espera do Design, em nossa sociedade, é justamente a reprodução cultural, ou seja, a adaptação de produtos às necessidades das organizações e dos consumidores. Conscientes disso, designers propõem mudanças graduais. Raymond Loewy, um dos primeiros designers assumidos, almejava o paradigma Most Advanced Yet Acceptable (o mais avançado ainda aceitável). Ao invés de reproduzir, designers – e também consumidores – podem refratar: transformar o velho em novo através de pequenas mudanças.
Artigo a ser publicado na Revista Design do website da Tramontina Design Collection.Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 07.12.2007
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