Há alguns anos atrás, a Microsoft disponibilizou no Windows a possibilidade de aceitar diretamente dos teclados os comandos "desligar", "dormir" (entrar em modo de espera) e "acordar" (voltar do modo de espera).
Os fabricantes de teclado, afoitos por aumentar a lista de funcionalidades de seus produtos, notaram que havia um espaço vazio entre o teclado direcional e as teclas del, end e page down. A idéia foi implementada a custo mínimo, pois não era preciso reorganizar nada no teclado. Do ponto de vista das vendas a curto e médio prazo, foi um sucesso, pois há alguns anos a maioria dos teclados que vejo estão saindo com essas opções embutidas.
Por estarem muito próximas do teclado direcional, as pessoas esbarram nas teclas sem querer e, às vezes, acabam perdendo seu trabalho. Algumas pessoas nem percebem que o esbarrão é a causa do desligamento do computador ou da entrada em modo de espera (que, para um leigo, parece a mesma coisa). Essas pessoas só se dão conta disso quando alguém avisa, pois encaram o computador como uma máquina imprevisível, assustadora e cheia de vírus que podem desligar tudo a hora que quiserem. Quando descobrem a causa, passam a se culpar pelos esbarrões e tratam de evitar o "erro". As raras pessoas que costumam personalizar seus sistemas operacionais procuram um jeito de desabilitar os botões. Somente os mais críticos é que vão deixar de comprar o teclado com essa configuração.
Em função das reclamações ou do próprio incômodo dos designers (que também são usuários desses teclados), alguns modelos já estão vindo com estes botões no topo do teclado, longe do direcional.
Essa decisão de projeto não é fruto de um momento de inspiração místico, mas sim do contato com uma realidade outra: a situação de uso. Entretanto, como "a solução para o problema" não teve contato com essa realidade antes de ir para o mercado, outro incômodo surgiu: não há espaço para repousar os dedos acima da tecla para cima enquanto não se está usando o teclado direcional e o esbarrão ainda acontece, agora na menos perigosa tecla end.
Já neste teclado ergonômico, esse espaço foi respeitado, mas o botão power (o botão maior no canto superior direito) continua sendo apertado por esbarrão, segundo alguns usuários da Amazon.
A insatisfação dos consumidores é tão grande que a Logitech lançou um modelo ergonômico de baixo custo, cujo destaque é o fato de não ter os incômodos botões de desligar, dormir e acordar!
Essa despadronização acontece porque a indústria do PC não é centralizada. Existe algum grau de concordância entre as diversas empresas que fabricam componentes para PCs, mas a experimentação de novos padrões não é proibida. O problema é que a pressão por estar lançando novos produtos com novas funcionalidades obriga as empresas a experimentar diretamente no mercado. Os fracassos são frequentes e as empresas perdem muito dinheiro, mas é assim que o mercado funciona.
Na Apple, o controle sobre a padronização é maior, mas a decisão não é menos problemática. Donald Norman conta que, no início dos anos 90, teve que organizar diversas reuniões com vários departamentos da Apple para padronizar os botões de força em toda a linha de produtos da empresa porque cada detalhe padronizado priorizava um produto e prejudicava outro. Servidores não podem ser desligados facilmente, enquanto computadores caseiros costumam travar e precisam ser desligados frequentemente.
A solução que chegaram foi essa mesma: botão de desligar no teclado, mas a diferença é que haveria um diálogo de confirmação e você não perderia o trabalho se esbarrasse nele.
Imagino que não foram feitas pesquisas com usuários antes de lançar os produtos em nenhum dos casos. A justificativa deve ser que o valor unitário do teclado é baixo demais para se preocupar com issso e as vantagens de um design mais adequado não convenceriam o consumidor a pagar a mais pelo conforto.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 12.09.2006
Veja os coment?rios neste endere?o:
http://www.usabilidoido.com.br/teclando_perigosamente.html