Quatro maneiras de integrar design em empresas

As empresas de tecnologia começaram a investir em design há alguns anos, porém ainda menos do que empresas de outros setores. Isso porque ainda existe nesse setor uma dúvida se design seria realmente necessário.

Minha opinião é de que mesmo que a empresa não invista em design, ela já está fazendo design. Design é inerente a qualquer produto ou serviço, porém, design pode ser de alta ou baixa qualidade.

Nem toda empresa precisa de design de alta qualidade, por isso, costumo explicar para empresas de tecnologia da informação que existem quatro maneiras de integrar design.

Para simplificar minha explicação, vou utilizar o modelo banqueta do Donald Norman sobre os pilares fundamentais de um produto: marketing, engenharia e design. Essas áreas costumam ter nomes diferentes e, por vezes, são atribuições de uma única pessoa. A distinção é necessária para mostrar os desequilíbrios na banqueta que poderiam fazer o produto cair no chão.

Design implícito

Não existe um profissional dedicado a fazer design nem tampouco uma fase de projeto. O produto é desenvolvido por ciclos consecutivos de engenharia e marketing. A engenharia inventa uma tecnologia e o marketing dá um jeito de encontrar um mercado para vendê-la. Se o marketing falhar, ainda é possível adaptar ou criar outra tecnologia até que a grana acabe. Tentativa e erro.

Integracao design0

O grande risco aqui é criar uma tecnologia que ninguém precisa ou deseja ter. A maioria das empresas de tecnologia da informação (e startups) começam assim e algumas tantas acabam fechando antes de criar uma base de clientes. Assim que a tecnologia fica disponível para comercialização, outras empresas entram no mercado com cópias melhoradas, principalmente, no design. As poucas empresas que sobrevivem são aquelas que integram design de maneira explícita.

Design como embelezamento

Design bonito vende, chama a atenção e faz o cliente escolher um produto apenas pela sua aparência. Só depois de usar é que o cliente percebe que a usabilidade é ruim, porém, ainda assim é possível que a usabilidade percebida seja maior do que a usabilidade real.

O design aparece na última etapa de desenvolvimento, sem liberdade alguma para mudar o produto. Geralmente o design é feito por um designer profissional, o "artista da empresa" ou por uma agência terceirizada, em ambos os casos, comandados pelo marketing. Cabe ao designer "pintar a caixa do produto" e, se tiver alguma sugestão de mudança do produto, talvez esta seja colocada no backlog para uma próxima versão do produto.

Integracao design1

Essa maneira de integrar design é a mais comum hoje nas empresas de tecnologia da informação e, por mais que os designers reclamem, ela funciona. Design tem esse poder de fazer as pessoas desejarem coisas que elas não precisam. Porém, são perdidas as oportunidades de inovar pelo design.

Design como inovação

Quando a empresa reconhece que design pode ser um diferencial de mercado, ela contrata designers para trabalhar no projeto desde o começo ou até mesmo antes de haver um projeto. Isso significa que o designer é responsável por identificar oportunidades de inovação e criar produtos e serviços. Só depois é que o marketing e a engenharia entram em peso.

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Essa é novidade do momento no setor de tecnologia da informação. Algumas pessoas defendem que startups precisam ser lideradas por designers para que isso aconteça. Outras acreditam que o modelo de agência de inovação externa ou interna é mais interessante, devido à sua independência. O fato é que o design como inovação termina no momento em que o produto é concebido e raramente acompanha seu desenvolvimento e uso.

Design como estratégia

Esse é o grau de integração mais difícil de atingir. É quando todas as pessoas da empresa valorizam o design e estão conscientes do impacto de seu trabalho no design dos produtos e serviços. Em outras palavras, a empresa cultiva design como um dos valores essenciais de sua cultura coorporativa e branding.

Integracao design3

O investimento necessário para atingir tal nível é enorme. A empresa precisa ser muito criteriosa na seleção de seus empregados, na contratação de terceiros e na compra de produtos e serviços, sempre selecionando aqueles que valorizam design. O retorno vem a longo prazo, mas em grandes somas.

O caso da Microsoft

Ao contrário da concorrente Apple, a Microsoft não nasceu com uma cultura orientada ao design. Porém, a empresa está fazendo um esforço magnífico para valorizar o design internamente. Utilizarei como exemplo a história de alguns dos produtos mais conhecidos da empresa.

Até a versão XP, a interface do Microsoft Word era desenvolvida à partir da capacidade técnica dos times de engenharia. Cada vez que alguém criava uma nova funcionalidade, havia uma disputa para colocar um botão visível na tela. A solução encontrada pelos designers para  não colocar coisa demais na tela e ao mesmo tempo permitir que o trabalho do engenheiro seja encontrado foi estender as barras de ferramentas. Chegou ao ponto de que se você abrisse todas as barras de ferramentas, praticamente não sobrava espaço para o texto, que é a finalidade principal do software!

Office xp

Os designers da empresa sabiam do problema e reclamavam, mas não tinham poder para projetar essa parte macro do software, apenas desenhavam os ícones. No design implícito, o produto costuma evoluir como um frankestein de funcionalidades, sem uma visão clara de propósito.

Na mesma época, a Microsoft estava também desenvolvendo o Windows Vista, que sucederia o Windows XP. O Windows XP foi uma das versões mais estáveis e bem aceitas pelos usuários e seria difícil convencer os usuários a fazerem upgrade do sistema operacional. Sabendo disso, a Microsoft montou um time de designers para tornar o Windows Vista bonito depois que estava quase pronto. O máximo que os designers conseguiram foi criar efeitos especiais e animações que colocavam o Windows em pé de igualdade com o OSX da Apple. Isso no quesito visual, porque no quesito usabilidade, o Vista conseguia ser pior do que o XP. Devido à essa desvantagem, muitos usuários preferiram fazer downgrade depois de tentar o Vista.

Windows vista 3

Insatisfeitos com esse resultado, um grupo de designers que trabalharam no Vista e no Internet Explorer se uniram para demandar maior participação no início do projeto. Nessa época, a empresa já havia nomeado Bill Buxton como Vice Presidente de Design da empresa e a demanda foi acolhida. O primeiro projeto liderado por designers seria o Microsoft Office 2007.

A primeira decisão feita em conjunto com o time de desenvolvimento é que o Office seria repensado do zero à partir dos hábitos dos usuários. Os designers fizeram diversos estudos em laboratório e em postos de trabalho para ver como as pessoas utilizavam o Office. As propostas de novas interações foram se desenvolvendo de maneira colaborativa entre usuários, designers e engenheiros. O processo de design está todo documentado no blog de Jensen Harris.

Microsoft office 2007

A ribbon, elemento de interface que substitui as barras de ferramentas, pode ser considerada a maior inovação desse projeto. Depois de implementada no Office 2007, diversos softwares copiaram o elemento e hoje ele é um padrão de interação no ambiente Windows. Apesar de ter enfrentado grande resistência por parte dos usuários no começo, o Office 2007 pode ser considerado um grande sucesso de design como inovação.

Ao perceber o resultado, a Microsoft começou a investir mais e mais em design. Lançou um versão do seu sistema operacional para dispositivos móveis completamente diferente da desktop e dos sistemas concorrentes. Eu particularmente acho que é o primeiro sistema operacional realmente focado no uso móvel, apesar de ainda não ser muito popular. Ele foi também pioneiro do flat design (visual sem firulas) que iria se espalhar alguns anos depois pelo Android e pelo iOS.

Microsoft Surface 2

A Microsoft arriscou em tentar essa mesma interface móvel em computadores desktop no Windows 8, o que acabou se mostrando um passo maior do que a perna. Entretanto, a tablet criada para rodar esse sistema entrou para a lista dos gadgets mais desejados. A tecnologia de escrita com stylus que a Microsoft estava desenvolvendo desde o começo dos anos 2000 finalmente se tornou sexy com a Microsoft Surface. O risco de perder mercado fez a Apple comer o próprio chapéu e lançar uma tablet com caneta stylus, mesmo após Steve Jobs dizer que isso seria uma ideia muito estúpida no lançamento do primeiro iPhone.

Essa liderança relativa da Microsoft é sinal de que a empresa está finalmente chegando ao patamar de design como estratégia. Apesar da Apple manter o culto do design de tirar o fôlego, eu não vejo mais as inovações em interações que caracterizaram a empresa na época de Jobs. Por isso, hoje eu fico bem mais empolgado em ver o que a Microsoft está fazendo do que o que a Apple está fazendo.

E você? Concorda com minha análise? Como o design está integrado na sua empresa e como você acha que deveria estar? Compartilhe nos comentários.

Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 28.12.2015

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