A minha definição atualizada de design de interação implica num projeto em rede. Ao invés de projetar uma tecnologia para uma interação específica (por ex: enviar um email), o projeto em rede abrange diversas tecnologias, sejam elas digitais ou analógicas (ex: comunicação por vários canais). O projeto em rede demanda um novo tipo de pensamento projetual, ainda muito incipiente.
No mercado isso é discutido em partes dentro do termo experiência do usuário. A diferença entre o design da experiência e o design de interação é que o primeiro leva em consideração a integração entre todos os pontos de contato com o usuário, enquanto o segundo é mais focado nos pontos de contato digitais. Na minha definição atualizada, entretanto, o design de interação abrange também os pontos de contato analógicos. Minha intenção com essa definição é ir além da exploração comercial da experiência do usuário como ferramenta de branding e de marketing.
Isso porque essa exploração comercial é um dos grandes responsáveis pelo empobrecimento da vida social e da destruição do meio ambiente. As pessoas compram o que não precisam e antes mesmo que percebam isso, já descartaram o produto. O mesmo pode ser dito para a maneira como as pessoas estão sendo incentivadas a se relacionar com outras nas redes sociais. No Facebook, se você não gosta do que uma pessoa publica, você não é incentivado a dizer pra ela, você é incentivado a bloquear a pessoa, ou seja, jogar no lixo as suas atualizações.
Eu acredito que é possível desenvolver negócios lucrativos sem depender do comportamento consumista. Para isso, é preciso projetar ecossistemas ao invés de projetar produtos e serviços isolados. O mercado brasileiro ainda não está buscando essa transição, portanto, o lugar que eu encontrei para desenvolver projetos assim foi no ensino de design.
Desde agosto de 2015, me tornei professor da Escola de Arquitetura e Design da PUCPR. Lá ministro junto com Rodrigo Gonzatto uma disciplina sobre design de interação para a graduação em Design Digital. Nossa última aula foi exatamente sobre esse tema: design de interação ecológico. Abaixo seguem os slides e a gravação da aula.
Design de interação ecológico [MP3] 56 MB 1'02"
Sumarizando a aula, o pensamento ecológico que propomos consiste em quatro pontos:
Esse pensamento pode ser aplicado para projetar ecossistemas que envolvem não só animais, plantas e recursos naturais, mas também seres humanos e suas tecnologias digitais e analógicas. Uma referência para esse tipo de projeto é o livro Metadesign do Caio Vassão. Eu já havia chamado a atenção para o trabalho dele aqui neste blog em 2006. Metadesign significa quatro coisas:
Projetando dessa maneira, é possível tornar projetos sustentáveis não só do ponto de vista econômico mas também do ponto de vista sócio-ambiental e afetivo.
Para finalizar a aula, pedimos aos alunos que mapeassem o ecossistema da ficção projetual em que eles estão trabalhando. Uma ficção me chamou a atenção por levantar a questão ambiental de uma maneira interessante. Num futuro próximo, a água e o alimento seriam tão escassos que as pessoas poderiam apenas comer uma ração artificial contendo os nutrientes mínimos para a sobrevivência. A ficção se inspira no filme de ficção científica Soylent Green, porém, como é uma ficção projetual, desenvolve uma proposta mais factível. Para que as pessoas sejam seduzidas a comer, a ração seria impressa em 3D nos formatos dos pratos antigos.
Na figura acima, os alunos e alunas mapeam os insumos e dejetos relacionados com a ração 3D. Embora a ficção projetual não seja um projeto passível de implementação hoje, ela levanta questionamentos relevantes para os tempos atuais. Ao invés de focalizar na falta de água como um problema a ser resolvido, a ficção projetual coloca a crise hídrica como um fenômeno emergente. A natureza é vista como um produto da ação do ser humano, passível de projetação. Pensar ecologicamente não significa preservar a natureza intocada pelo homem, mas sim pensar no equilíbrio entre as atividades dos homens com de outros seres vivos.
O pensamento projetual que eu e Gonzatto estamos cultivando na PUCPR é para transformar as rotinas produtivas da sociedade, numa linha parecida ao que se está fazendo na Carnegie Mellon University. Quando esses alunos estiverem desenvolvendo projetos fora da faculdade, acreditamos que eles terão pelo menos a capacidade de imaginar rotinas diferentes e, aos poucos, introduzir mudanças através da reprodução cultural.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 29.09.2015
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