Em 2013, Pedro Jatobá e colegas da Colabor@tiva.PE me procuraram para desenvolver uma ferramenta de moeda social para a Plataforma Corais. Foi meu primeiro contato mais intenso com a economia solidária, um conjunto de práticas comunitárias para produzir e comercializar com solidariedade.
Uma dessas práticas é a criação de um banco comunitário com uma moeda complementar, também chamada de moeda social. Pedro Jatobá queria que a Plataforma Corais permitisse criar moedas sociais digitais para empreendimentos que buscavam viabilidade sem depender tanto de dinheiro.
Nós co-criamos a ferramenta e aperfeiçoamos ao longo dos anos. Atualmente, há quatro bancos ativos na Plataforma Corais:
Esses bancos permitem que as pessoas criem compromissos com o desenvolvimento de sua comunidade, vendendo e trocando serviços ao invés de apenas trocando favores. A proposta é partir do sentimento de solidariedade para criar uma economia robusta, ao invés de partir do sentimento de ganância característico da economia capitalista.
Logo que comecei a lecionar na PUCPR, conheci por acaso a incubadora de empreendimentos solidários da instituição: a Trilhas, ligada à rede Marista de Solidariedade.A incubadora me convidou então a ministrar um curso de design para os empreendimentos, já que havia uma demanda grande para identidade visual. Eu propus que, ao invés de dar um curso, faríamos uma oficina de co-criação da identidade visual com os empreendedores mais os designers, micreiros e amigos interessados em ajudar.
Já existe uma tradição brasileira de design com empreendimentos solidários inspirada no Design Social da PUC-Rio. A prática consiste no designer compreender o contexto e projetar em parceria com os empreendedores. Como pesquisador, quiz aproveitar a oportunidade para fazer diferente e implementar alguns conceitos que discutimos no Design Livre. Segundo o Design Livre, o papel do designer não é projetar o produto/serviço, mas projetar ferramentas para designers amadores projetarem.
Não se tratava apenas de dar as ferramentas de design para a criação de identidades visuais. Essas ferramentas foram criadas para atender a economia capitalista e, como tal, já implicavam em reproduzir valores relacionados à ganância. A reprodução em larga escala, a globalização, a concisão e a desejabilidade são algumas das características almejadas por uma marca que não fazem sentido na economia solidária. A proposta da economia solidária é justamente ser enraizada no local.
Era preciso canibalizar ferramentas de design importadas de contextos globais e transformá-las em ferramentas coerentes com os princípios da economia solidária: coletividade, união, auto-gestão e sustentabilidade.
Download dos slides [PDF]
Identidade visual solidária e livre [MP3] 84 MB 1'37"
Farei um resumo das ferramentas desenvolvidas e transformadas.
A primeira foi o jogo da mente poluída, que ajudou os empreendedores a entender o que era design. A segunda foi o jogo produto pinóquio, que ao invés de ser jogado com flipcharts, foi jogado com pequenos quadro brancos compartilhados em grupo. Os empreendedores e amigos foram convidados a descrever o produto/serviço solidário como se fosse uma pessoa.
Uma vez estabelecida a importância de pensar conceitualmente sobre a identidade visual, tratei de dar a eles uma oportunidade para contar as histórias dos empreendimentos de uma maneira sintética e forte. Canibalizei o método Lego Serious Play e pedi que os participantes criassem um modelo físico para ajudar a contar a história do empreendimento solidário.
A proposta era pensar com os dedos em silêncio e depois contar a história utilizando o modelo. As histórias contadas foram muito comoventes, apesar de serem sintetizadas em menos de um minuto. Isso foi essencial para que todos falassem sem perder a atenção do grupo.
Uma história em particular me chamou a atenção. Uma senhora usou um boneco para falar do marido que a desencorajou no início do empreendimento, dizendo que o mesmo não iria dar certo. Ele estava segurando as rédeas do cavalo dela, mas mesmo assim ela decidiu cavalgar.
Depois, jogamos outro jogo do livro Gamestorming: o engarrafamento de imagens. Ao invés de colocar imagens atreladas a palavras, entretanto, preferi deixar as imagens e palavras soltas.
Para expressar emoções e sentimentos relacionados à identidade visual pedi que recortassem imagens de revistas e websites para compor um painel semântico.
Essa saturação conceitual deu lugar a uma discussão sobre o logotipo do empreendimento à partir da matriz gráfica, um template que eu criei especialmente para essa oficina. Ali estão sistematizadas as possibilidades visuais que eu conheço, mas é possível que existam outras que desconheço, até porque tenho pouca experiência com design gráfico. A discussão foi seguida de esboços feitos por todos os participantes.
O resultado final agradou muito os participantes. A proposta é refinar o logotipo e desenvolver a identidade visual como um todo à partir das parcerias firmadas durante a oficina. Recomendei que a identidade fosse desenvolvida com software livre Inkscape e compartilhada com todos.
Na avaliação dos empreendedores solidários, essa maneira de projetar com liberdade e, ao mesmo tempo, coletividade pareceu-lhes muito adequada ao contexto da economia solidária. Espero que as parcerias frutifiquem e que hajam novas oportunidades para apoiar esses empreendimentos! Assim vamos construindo juntos uma alternativa sustentável ao design que serve às grandes corporações.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 20.10.2015
Veja os coment?rios neste endere?o:
http://www.usabilidoido.com.br/por_um_design_livre_na_economia_solidaria.html