Uma das contradições mais tensas no design da contemporaneidade é a oposição entre planejamento e emergência. Por um lado é preciso planejar de ante-mão o que vai acontecer em um projeto, por outro lado é preciso desviar do planejamento para atender emergências inesperadas.
Essa contradição se manifesta tanto entre designers quanto entre usuários. Designers lidam bem com a impossibilidade de dizer exatamente o que estão projetando antes de terminar o projeto, pois querem explorar o potencial de inovação de acontecimentos inesperados. Porém, designers sentem dificuldade em aceitar que usuários façam o mesmo com seus produtos ou serviços.
Usuários não sabem exatamente o que estão fazendo quando usam um produto ou serviço pela primeira vez. A explicação para isso não é a preguiça de pensar que Steve Krug identifica, mas sim a impossibilidade de saber se o produto ou serviço irá satisfazer os desejos prementes. O usuário sabe, assim como o designer, que todo projeto oferece possibilidades e não certezas. Por isso, ele fuça, mexe, tenta e vê o que acontece. Se acontece algo inesperado, como por exemplo um erro do sistema, o usuário está mais bem preparado para lidar com a emergência do que se tivesse lido o manual de instruções inteiro.
Por mais bem planejado que seja o manual de instruções, ele não vai dar conta das emergências. Quando o produto estiver pegando fogo, o usuário não vai ter tempo de ler o manual para ver como apagar. O usuário vai improvisar de acordo com sua experiência prévia e propiciações do produto. Mesmo que ele tenha lido o manual antes, a situação específica é que vai ditar a reação.
O avanço da automação permite hoje aos designers oferecerem propiciações de emergência, ou seja, detectar situações de risco e tomar providências com ou sem o consentimento do usuário. Na aviação, além do treinamento repetitivo dos pilotos para lidar com emergências, existem funções de emergência automáticas nos aviões.
Por melhor que tenham sido as intenções da Airbus e da TAM em automatizar o comportamento dos pilotos e do avião, um descompasso entre os dois planos causou um terrível acidente em Congonhas, no ano de 2007. A partir deste acidente, especialistas cogitaram se não seria melhor a abordagem da Boeing de evitar ao máximo a automação do controle da aeronave.
Existem outras abordagens além da automação para lidar com a contradição entre planejamento e emergência. Apresentarei duas que identifiquei em projetos na área de Saúde.
No projeto de um centro de diagnóstico por imagem, os participantes discutiam se o número de vestiários eram suficientes para a quantidade de pacientes que iriam fazer ressonância magnética. O layout inicial tinha dois vestiários por cada máquina de ressonância, porém, com a intervenção dos participantes, o layout ganhou um corredor conectando todos os vestiários. Essa estrutura flexível permitia que os vestiários fossem usados sob demanda por qualquer máquina.
Veja na animação abaixo a evolução da planta baixa do projeto, rumo à abertura do corredor na parte inferior.
Esse tipo de abordagem é bem comum na área da Saúde, porém, incomoda arquitetos e engenheiros acostumados ao pensamento projetual sistemático.
No Hospital de Clínicas do Paraná, identificamos a contradição entre planejamento e emergência ao jogar o jogo O Hospital Expansivo. Os participantes tinham a impressão de que o planejamento de longo prazo era independente do planejamento de curto prazo, ou seja, que cada um fazia o que bem entendia sem ligar muito para a orientação da direção. Eles acreditavam que esse planejamento de longo prazo não levava em conta as emergências e por isso era ignorado.
O Jogo da Lula aplicado à questão do planejamento ajudou os participantes a perceberem que eles solicitavam a participação de membros de baixa hierarquia no planejamento sem especificar o propósito, o que causava confusão nas reuniões. Investigando o motivo disso, eles perceberam que havia uma outra contradição implicada entre a autonomia do funcionário e a gestão democrática. Os funcionários reclamavam que a direção deixava o planejamento vago, porém, também reclamavam que a direção impunha mudanças por determinações legais sem consultá-los.
Os participantes chegaram à conclusão de que precisavam de um planejamento dinâmico para lidar com a situação. Ao invés de brigar com os médicos cirurgiões para definir kits de instrumentos padronizados, a central de materiais resolveu adotar a tática de controlar o conteúdo do kit na entrega. Para isso, criaram um formulário extra que vinha junto com o kit e permitia escrever o que estava faltando no kit. Com o tempo, os kits foram sendo adaptados às necessidades dos cirurgiões.
Depois do processo de reflexão por jogos, a reclamação de que a direção perdia tempo demais "apagando incêndio" e pouco tempo planejando diminuiu e todos perceberam que era necessário planejar enquanto se apagavam os incêndios, ou seja, desenvolver o tal do planejamento dinâmico. Isso não é nenhuma novidade na área da Saúde, mas foi um aprendizado importante ver como os profissionais dessa área lidam com essa contradição em seus projetos.
Não adianta planejar demais se a emergência é esperada. Mesmo que não se saiba o que vai emergir, é possível deixar estruturas flexíveis para reagir à situação. Isso é muito diferente de antecipar a situação e automatizar respostas para tentar controlar a experiência do usuário. O planejamento dinâmico implica em fortalecer a capacidade dos usuários de improvisar em situações adversas. Em uma palavra, significa mais resiliência e menos resistência.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 29.05.2016
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