Design Crítico é uma abordagem de projeto definida por Anthony Dunne e Fiona Raby como uma maneira de questionar o status quo através de um projeto de design. Ao invés de refletir de maneira transparente os valores estabelecidos na sociedade, o projeto reproduz estes mesmos valores de maneira explícita ou estranha, com o objetivo de promover a reflexão e o debate sobre os mesmos.
No projeto Evidence Dolls, Dunne e Raby questionam as preocupações das mulheres com a genética de seus filhos. Trata-se de uma coleção de bonecos com uma pequena gaveta no lugar do pênis para que mulheres solteiras guardem cabelos de seus parceiros sexuais caso precisem verificar o material genético do homem futuramente. Para se lembrar do parceiro, a usuária pode customizar o boneco com desenhos e adesivos, sugerindo um possível ritual para o dia seguinte.
Porque parece estranho uma mulher ter uma atitude tão racional assim acerca da gestão genética de sua prole? E, por outro lado, porque ela não pode tratar o corpo do homem como objeto tal como muitos homens tratam o corpo de uma mulher? São questionamentos como esse que tornam o projeto interessante.
Na disciplina Design de Interação que ministro junto com professor Rodrigo Gonzatto na PUCPR, a gente apresenta Design Crítico como uma abordagem interessante para guiar ficções projetuais. Uma vez que o objetivo da ficção projetual é especular sobre futuros possíveis, faz todo sentido trazer uma visão crítica a respeito dos valores representados.
Introdução ao Design Crítico [MP3] 27 min
Ao observar projetos como esse, os estudantes costumam perguntar: 'mas isso não seria Arte, professor' Nós não negamos que possa ser Arte, porém, Dunne e Raby dizem que uma diferença do trabalho deles para as obras de arte exibidas em galerias de Arte (os deles também são) é que eles podem ser produzidos em larga escala.
Rotular um projeto de Design Crítico como Arte é uma maneira fácil de se esquivar do debate proposto. Se é Arte ou não é, para mim isso não é tão importante quanto a possibilidade de ter aquele produto como algo cotidiano. Uma característica marcante do Design Crítico é que ele é (ou parece ser) viável com as tecnologias atuais, além de contar com cenários de uso factíveis e propiciação efetiva para o contexto.
Um exemplo de projeto crítico que orientei no ano passado foi o TCC da Juliana Saito, um assistente digital para lidar com a procastinação.
Conforme ela conta na história do projeto, ao realizar a pesquisa de similares, ela encontrou vários aplicativos que criavam torturas psicológicas para o usuário procastinador. Inspirada na crítica de Bauman à vida moderna, ela resolveu criar um aplicativo que faz o usuário questionar porque ele procastina ao invés de tentar resolver o problema como todos os outros. Com o desenrolar do projeto, ela acabou decidindo fazer um dispositivo físico que se comunicasse com o usuário através da visão periférica.
O projeto acabou levantando a cumplicidade do computador nos hábitos de procastinação. Embora ele tenha sido inicialmente criado para ser uma ferramenta de produtividade, com o tempo ele acabou se tornando também uma ferramenta de entretenimento e interação social. Isso acabou contribuindo para misturar a separação das atividades de trabalho e de vida pessoal.
Conforme concluímos na aula gravada acima, o critério que eu e o professor Gonzatto utilizamos para avaliar projetos de Design Crítico não é sua funcionalidade ou estética, mas sim sua densidade cultural. Quanto mais fundo o projeto for numa questão, mais densa ela será representada e o projeto terá mais do que um sentido possível. Essa é uma característica crucial para um objeto criado para gerar debates interessantes na sociedade.
Para quem quiser saber mais sobre o assunto, recomendo a lista de dúvidas frequentes sobre o assunto traduzida pelo Gonzatto.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 05.07.2017
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