O que é uma cadeira? Um objeto que serve para sentar, ou melhor, que foi feito para sentar. Uma cadeira também serve para ficar em pé e alcançar coisas no alto do armário, apoiar temporariamene mochilas e bolsas ou brincar de nave espacial, mas certamente ela não é tão adequada para estes usos desviados. O design dita como as coisas devem ser usadas e, se nós precisamos das coisas para agir, ele também dita nossas próprias ações, indiretamente.
Então eu olho ao meu redor, vejo dezenas de objetos, cada um propiciando fazer algo que um dia eu quiz fazer. Queria ir de um lugar para o outro rapidamente, comprei um carro; queria comer pão torrado, comprei uma torradeira; queria minha roupa lavada automaticamente, comprei uma máquina de lavar roupas. Estes objetos realizaram meus desejos, mas será que também não foram responsáveis pelo surgimento de tais desejos? Antes de conhecer a torradeira, até que me satisfazia com pão frio...
Então quer dizer que o design, além de influenciar nossas ações, também influencia nossos desejos, sem que nos demos conta disso? Peter-Paul Verbeek escreve em What Things Do que “as coisas se escondem no meio das relações entre os seres humanos e o mundo e, dessa posição recuada, elas ativamente delineiam tais relações, transformando tanto a experiência quanto a ação.”
Por outro lado, na mesma medida e em sentido reverso, nossas ações e nossos desejos também influenciam o design das coisas.
A cadeira não é feita pra ficar em pé porque temos o costume de sentar nelas. Se insistimos em deitar, seu design poderá ser atualizado para dificultar ou facilitar tal ação. As cadeiras das salas de espera nos aeroportos brasileiros tem braços compridos em ambos lados, não para maior conforto do usuário, mas para impedir que ele durma sobre elas.
Aproveitando a oportunidade, um companhia norueguesa criou a Nemorelax, uma cabine futurística com poltrona reclinável. Pode ser que os usuários percam a vergonha de deitar em público em poltronas desse tipo e talvez até aceitem melhor a prática de deitar sobre bancos em outros locais, como praças públicas.
A interação entre design e comportamento promove a mudança, não necessariamente em sentido positivo. Muitas vezes, a intenção do design é justamente impedir mudanças no comportamento, como no caso dos cockpits de avião, constituídos de inúmeros comandos que só funcionam se acionados numa sequência padronizada. Entretanto, por mais que se esforçe para controlar o comportamento do usuário, este pode sempre encontrar um meio de escapar ao controle, seja com a intenção de salvar o avião de uma pane ou sem intenção alguma, como na queda do vôo Tam 3054.
Trata-se de uma relação dialética entre as práticas de produção e recepção, cuja influência mútua é a base de ambas existências, ou em outras palavras, produção existe para recepção e recepção existe para produção. Se tomamos qualquer um dos dois em separado, perdemos a dinâmica do movimento que os constituem.
Artigo a ser publicado na Revista Design da Tramontina Design CollectionFred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 06.03.2008
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