Dos jogos e dinâmicas do Teatro do Oprimido que estou pesquisando, o que mais gostei foi o teatro-imagem. É simples, fácil de ser utilizado por quem não tem experiência de ator e gera uma síntese poderosa.
Os participantes discutem sobre uma opressão que alguns dele tenha vivenciado e então montam uma cena congelada que expressa a opressão. A platéia interpreta a cena e sugere possibilidades de movimentos para libertar o oprimido da opressão. Eventualmente, membros da platéia remodelam o corpo dos atores ou os substituem. O teatro-imagem só termina quando os participantes acreditam que a ação encenada pode libertar o sujeito da opressão.
A proposta do Teatro do Oprimido é ajuda o oprimido a lidar com a opressão, estar preparado para dar uma resposta libertadora da próxima vez que acontecer, ao invés de manter o status quo dominante.
Seguem alguns exemplos de aplicação desta técnica para a mudança organizacional em favor da experiência do usuário, criadas pelos alunos do curso de mesmo nome.
Quem trabalha com design gráfico já passou por essa situação: um sujeito fica atrás de você, pedindo pra mudar um elemento na tela do computador mais pra cá, mais pra lá... que nem um flanelinha. Pegar o mouse e fazer que é bom, necas! O designer fica numa situação bastante complicada, pois perde a sua autonomia criativa.
O interessante da solução proposta no vídeo acima é que o designer fica numa posição de igualdade com relação ao opressor. A diferença entre estar em pé e estar sentado marca nitidamente a diferença de poder entre os papéis, seja cliente ou diretor de arte.
O problema é que essa diferença não é interessante para resolver a criação, pois não se trata de uma questão de disciplina, e sim de co-autoria.
A forma como essa solicitação de co-autoria é feita muitas vezes acaba provocando a saída do designer da autoria. Como ele não está numa posição favorável para contrargumentar, desiste da autoria e passa a fazer tudo o que o outro sugere, enfim, a operar o mouse.
Quando eu trabalhava com design de páginas web, 10 anos atrás, tive um projeto em que tive que fazer 8 layouts diferentes para um cliente exigente. O atendimento da agência só trazia as solicitações do cliente e nunca levava minha defesa. Eu fiquei tão irritado com a situação que publiquei uma página web contando o causo.
Dois anos depois, quando eu já nem trabalhava mais na agência, recebo uma ligação do cliente solicitando que a página seja tirada no ar, pois estava aparecendo no Google antes da página oficial deles. Claro, eu tinha falado pra não fazer tudo em Flash, mas o atendimento não soube explicar a diferença. Eu tirei a página do ar, mas resolvi republicar a história a título de recordação, sem o nome da empresa, é claro.
Se eu tivesse visto o teatro-imagem acima, certamente teria agido diferente. Eu reagi à opressão com a mesma violência simbólica. Só pedindo demissão da agência, um ano depois, que consegui me libertar dela. Porém, minha atitude prejudicou o cliente ao invés de ajudá-lo, que era o objetivo de meu trabalho.
Um designer (esquerda) tenta entrar em contato com os futuros usuários (direita) de um novo produto e é barrado pela estrutura organizacional (os guardas no centro). Essa imagem mostra uma das maiores dificuldades que os profissionais que trabalham com experiência do usuário enfrentam: obter carta-branca para fazer pesquisas com os usuários.
O designer diz uma coisa muito interessante: às vezes a opressão é mais sutil do que uma pessoa dizendo não. Embora a empresa diga que você pode fazer as tais pesquisas, na prática não há tempo nem dinheiro para fazer isso na maioria dos projetos. Chega uma hora que ou o designer sai da empresa ou internaliza a dificuldade, aceitando a opressão como natural.
O movimento libertador achei genial. Entrar em contato com os usuários pela via informal, encontrando pessoas próximas na rede de amigos que se encaixam no perfil. Já que eu fazia o papel de curinga no teatro, não falei a minha interpretação do movimento, mas eu vi a possibilidade subversiva do designer ajudar os usuários a se organizarem melhor contra a baixa qualidade do produto.
A terceira imagem é a mais didática de todas. Nessa ocasião, pudemos ensaiar vários movimentos libertadores diferentes. A libertação aconteceu de forma gradual, o que permitiu uma análise minuciosa de um problema que é considerado insolúvel: a limitação de tempo e de dinheiro.
O cliente no lado esquerdo é o portador do dinheiro e do tempo, que são fixos. À primeira vista, estes dois elementos parecem ser as fontes da opressão, porém, conforme o teatro avança, a platéia percebe que na verdade a opressão acontece pela gestão e não pela limitação de recursos.
Acho bem importante desconstruir a limitação do tempo e do dinheiro pois volta e meia qualquer discussão que tenta mudar o status quo acaba empacando em "Nós não temos tempo e nem dinheiro sobrando. Não dá pra fazer diferente..." É claro que dá! Sempre dá pra fazer diferente, só que é preciso mudar as estruturas de poder e de gestão e nem sempre as pessoas estão dispostas a isso.
O curso mencionado foi a primeira vez que usei o teatro-imagem. Fiquei impressionado com o poder de fazer vir à tona questões difíceis de explicar. A forma como essas questões são trabalhadas, permitindo múltiplas interpretações, sem ter um certo ou errado, abre caminho para trabalhar conflitos sem polarizar discussões.
O próximo passo é aplicar a técnica dentro de uma organização específica. Acredito que os resultados devem ser ainda mais interessantes, pois a cena terá maior riqueza de detalhes e contextualização. Isso sem falar na possibilidade de gerar o compromisso de mudança durante o teatro.
Se você quiser levar o teatro-imagem para a sua organização, veja especialmente o último vídeo. Se precisar da minha ajuda, entre em contato.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 11.08.2013
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