Processos de design costumam ser descritos através da lógica linear, como se fossem a realização de um método ou metodologia. Método e processo não são a mesma coisa, pois nem sempre o processo segue o método. O processo é o que de fato ocorre durante o projeto, independente do que era pra ocorrer. É possível que o processo seja guiado por um método, mas é possível também que não haja método algum.
Um dos objetivos de criar métodos é padronizar os procesos de design para que uma prática específica seja reconhecida no mercado, porém, implica no risco de diminuir a diversidade metodológica. Os métodos de design costumam rejeitar a variação porque são baseados naquela lógica linear do passo-a-passo.
Eu acho importante a criação de métodos, mas acho também importante o desenvolvimento de metodologias próprias. Para isso, é importante que haja variação no processo de design. Com o objetivo de apoiar a variação em processos de design e, ao mesmo tempo, permitir o desenvolvimento de métodos, eu proponho uma descrição dialética de processos de design.
A dialética é a alternativa filosófica à lógica. Ao invés de um pensamento linear baseado em binômios do tipo verdadeiro/falso, a dialética trabalha com o pensamento circular baseado em tríades. A tríade mais famosa é tese/antítese/síntese, proposta por Fichte e popularizada por Marx. Uma tese é colocada e, logo em seguida, confrontada com seu oposto, a antítese. Pelo embate das duas surge uma síntese, que contém elementos da tese e da antítese.
Baseada nessa tríade, eu proponho o seguinte para processos de design: criação/análise/síntese. A criação surge à partir de uma força externa, seja ela uma inspiração, demanda ou necessidade extrínsica ao processo de design. Essa criação é analisada em seus diferentes aspectos ou partes para verificar se atende ao que foi demandado. Por fim, as partes são reunidas na síntese, que aproveita o conhecimento gerado na análise para aperfeiçoar o projeto.
Criação, análise e síntese são momentos do processo de design, porém, eles não acontecem necessariamente na ordem posta. É possível que o projeto comece à partir da análise de similares ou da síntese de lições aprendidas com um projeto anterior. Com esse modelo é possível descrever diversos tipos de processos de design e até mesmo processos de uso.
Esse modelo linear dificulta, entretanto, perceber que a cada vez que um momento é revisitado, o projeto já está num nível mais avançado de desenvolvimento. Mesmo que pareça um retrocesso fazer uma nova análise, a compreensão sobre o projeto já é maior do que na primeira vez e, portanto, a perspectiva de obter resultados na análise é maior. Por isso, prefiro utilizar um modelo espiralado para explicar o movimento dialético.
O modelo espiralado oferece uma grande vantagem; ele demonstra que a síntese é também uma criação que será submetida a análise, que gerará uma nova síntese e assim por diante. O processo de design se torna contínuo, conectando diretamente com processos de uso.
Colocando o modelo espiralado numa escala de tempo, é possível demonstrar as forças externas que incidem sobre o processo de design e tornam os momentos de criação, análise e síntese mais rápidos ou demorados. Na dialética, as forças externas não são determinantes, pois elas sempre são contrabalanceadas por forças opostas. Essa disputa de forças é chamada de contradição, por exemplo, entre a intenção de dar autonomia e controlar o usuário.
O processo de design é impulsionado pelas contradições, modificando seu curso de acordo com a disputa de forças. É possível até que o projeto mude sua base, seus princípios fundamentais, premissas ou pontos de vista. Isso é melhor visualizado ao longo do espaço do que ao longo do tempo. O turbilhão acima visto de cima seria o equivalente a uma série de círculos concêntricos com diferentes centros, formando uma trajetória de exploração do espaço de possibilidades do projeto.
Esse espaço de possibilidades pode ser expandido caso novas possibilidades sejam criadas. Em geral isso acontece quando um projeto busca por alternativas radicais, um momento demorado e arriscado por se distanciar do que se fez antes. Essas novas possibilidades são questionadas (analisadas) pelas pessoas que participam do processo de design até que se consolidem como alternativas viáveis. Nesse momento, o espaço de possibilidades se estabiliza.
É possível também o inverso: uma exploração analítica que marca alternativas como inviáveis, deixando-as fora do espaço de possibilidades. Nesse caso, o espaço de possibilidades consideradas diminui. O processo de design tende à materialização do espaço de possibilidades.
Essa minha operacionalização da dialética foi baseada em Marx e Lefebvre. Minha tese de doutorado explica o trabalho acadêmico por trás. Este post é uma tentativa de tornar mais acessível alguns conceitos fundamentais da tese para falantes do português. Espero que a difusão do pensamento dialético no design contribua para uma maior diversidade metodológica e também para estudos descritivos de processo.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 19.01.2016
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