A vantagem de traduzir o termo design thinking como pensamento projetual é que permite falar das diferentes correntes que existem dentro do assunto. Não existe um único design thinking, mas diversos. Ao invés de utilizar o termo para celebrar a maneira específica como designers pensam, prefiro utilizar para discutir e comparar como outros profissionais pensam projetos.
Afinal de contas, a grande novidade que o design thinking trouxe é que outros profissionais podem se apropriar dos conhecimentos do design para incrementar suas atividades. Nesse processo de aprendizagem e troca, os profissionais de outras áreas não partem do zero; eles já possuem um pensamento projetual. Pensar projetos não é uma exclusividade do design, basta ver as discussões na Gestão de Projetos, na Arquitetura, na Engenharia, na Ciência Política, Arte e outras áreas.
Eu acredito que exista uma diferença na maneira como (alguns) designers pensam projetos e isso fica melhor expresso na tradução para o português. O que hoje é alardado como design thinking trata-se de um tipo específico de pensamento projetual, o pensamento projetual expansivo. Para ficar claro a diferença, irei comparar esse tipo de pensamento com dois outros: o sistemático e o intuitivo. É provável que existam outros tipos de pensamento projetual, mas eu ainda não consigo distinguí-los tão claramente. Quem conseguir distinguir outros ou discordar das minhas categorias, por favor, manifeste-se nos comentários.
Esse tipo de pensamento deriva da filosofia analítica e se baseia na técnica da redução da complexidade. O todo complexo é dividido em partes através da análise. A análise é sistemática porque durante o processo de análise é feita também uma consideração sobre como as partes se conectam no todo. Tais conexões funcionam como um sistema em que cada parte cumpre uma função. As conexões que não contribuem para ver o todo como um sistema funcional são descartadas ou marcadas como risco (por exemplo, uma relação subjetiva).
Devido à sua preocupação com a função, o pensamento projetual sistemático começa pela definição de requisitos. O sistema tem que ter isso e fazer aquilo. Qualquer divergência que surja no desenvolvimento costuma ser atribuída à ausência de requisitos. A definição de requisitos visa prevenir incertezas, que são consideradas falhas ou erros de desenvolvimento.
Alguns requisitos especiais adquirem o status de restrição caso seja uma demanda do cliente, uma demanda da legislação ou uma demanda técnica. Estes requerimentos raramente são questionados, pois o problema a ser resolvido é justamente tornar o projeto viável dentro das restrições impostas.
O sistema é projetado, portanto, à partir de requisitos que dão origem à módulos e componentes capazes de suprir os requisitos individualmente. Para evitar que o sistema fique fragmentado, são adotadas medidas de padronização superficiais, como padrões de transferência de dados e de interação com o usuário.
O pensamento projetual sistemático aparece com frequência na prática de projeto das Engenharias, da Administração, da Química e da Computação. Na minha tese de doutorado, eu analiso como o pensamento projetual sistemático dá origem ao design redutivo.
Existem outras maneiras de projetar menos explícitas e organizadas do que o pensamento projetual sistemático. Nem todos os projetos precisam surgir de demandas existentes ou provocar demandas. Existem projetos que tem o objetivo de mostrar algo novo, não necessariamente algo funcional. A expressividade e inovação pode ser mais importante do que a utilidade imediata.
O pensamento projetual intuitivo surge da inspiração de uma pessoa no encontro ou na fuga da realidade. O criador tem uma ideia que se desenvolve num conceito. Esse conceito é visualizado através de esboços e desenhos, que se transformam em alternativas e modelos. O criador cria, analisa e sintetiza em ciclos consecutivos. O projeto é refinado até atingir alto grau de coerência interna, ou seja, até que todas as partes expressem o conceito. Então, o projeto é apresentado a alguma outra pessoa capaz de implementá-lo.
Quem pratica esse tipo de pensamento projetual costuma acreditar que tem um dom ou uma habilidade especial que não é reconhecida o suficiente pela sociedade. A situação ideal é aquela em que o sujeito pode se dedicar apenas ao ato da criação, deixando a produção e implementação nas mãos de outra pessoa. Embora isso não seja possível o tempo todo, os virtuosos recebem de vez em quando solicitações de projetos com liberdade para inovar.
O pensamento projetual intuitivo é comum na Arte, Arquitetura, Design Gráfico, Urbanismo e também na Computação.
Projetos podem também ser vistos como parte das dinâmicas da sociedade, ao invés de acontecimentos isolados. Nessa perspectiva, o desafio do projeto não é solucionar um problema técnico ou expressar uma proposta conceitual. O projeto se propõe a discutir a sociedade sem no entanto se comprometer a solucionar problemas.
Os problemas do pensamento projetual expansivo são conhecidos como capciosos (wicked problems). Tais problemas estão em constante expansão (daí o nome desse pensamento). Quando você pensa ou fala sobre ele, ele já se transforma e se torna mais difícil de resolver. Por isso, ao invés de começar pela definição do problema, o pensamento projetual expansivo começa pela empatia para com as pessoas envolvidas com o problema. Isso pode ser desenvolvido de maneira distanciada pela observação ou pela participação em atividades comunitárias.
Ao invés de buscar requisitos, os projetistas buscam entender a moral do contexto. Já que não é possível resolver o problema, o que seria ético fazer a respeito? A resposta a um problema capcioso não é uma solução tecnicamente correta, mas uma ação para transformar o mundo de maneira ética, mesmo que não se tenha certeza sobre a solução do problema. Devido a essa falta de critérios objetivos, o pensamento projetual expansivo corre o risco de reproduzir o elitismo, o fechamento e a centralização que diz combater.
É comum projetos guiados por esse tipo de pensamento terem a participação ampla da comunidade de stakeholders, usuários ou cidadãos. Acredita-se que incluir mais pessoas contribui para uma visão holística do projeto, pois cada um traz o seu ponto de vista e experiência. Trata-se do movimento inverso da análise utilizado no pensamento projetual sistemático. O todo fica cada vez mais complexo a cada nova pessoa incluída.
Para facilitar a participação, as ferramentas de projeto adotadas são simplificadas e acessíveis para quem não sabe desenhar como, por exemplo, post-its, massa de modelar e papelão recortado. Assim que possível, busca-se construir protótipos funcionais para testar as ideias criadas coletivamente. O protótipo é posto à prova numa situação real e se não funcionar, isso não é considerado um problema. O lema do pensamento projetual expansivo é "falhar cedo para acertar logo".
O pensamento projetual expansivo é comum no Design de Interação, Design de Produtos, Urbanismo, Arte e Sociologia. Na minha tese de doutorado, eu analiso como o pensamento projetual expansivo dá origem ao design expansivo.
Veja o material da oficina sobre pensamento projetual expansivo que eu e o professor Rodrigo Gonzatto demos na PUCPR. Nos slides há referências bibliográficas para cada tipo de pensamento projetual.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 12.02.2016
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