Etnocentrismo é a sobrevalorização dos valores de um determinado grupo social em detrimento dos valores de outro. Trata-se de uma estratégia de afirmação cultural que implica também em dominação cultural, direta ou indiretamente.
Na dominação direta, a cultura dominante é imposta explicitamente, como no caso da catequização dos índios no Brasil, da colonização britânica na Índia, do nazismo na Alemanha e do comunismo na China. Propaganda, repressão e rituais públicos são recorrentes.
Na dominação indireta, a cultura dominante é sugerida implicitamente, como no caso da recorrente volta aos clássicos Gregos, da descoberta do pacifismo indiano e da globalização do American Way of Life. A propaganda também é central, mas se imiscui em diferentes "produtos culturais": livros, jornais, revistas, filmes, programas de televisão, produtos de consumo e etc.
Em ambos os casos, o design é um meio importante para reproduzir (ou não) o etnocentrismo.
No livro The Authority of Everyday Objects, Paul Betts conta que o governo nazista estava muito preocupado em controlar como a cultura da nova Alemanha se espalhava. Todo mundo sabe que eles incendiaram em praça pública livros que não coadunavam com seus ideais de beleza e verdade, mas também o fizeram com objetos de mobília que simbolizavam a cultura degenerada de outrora.
Este cartaz da época diz que "Todos os Alemãos escutam o Fuhrer com o Receptor de Radio do Povo!" O rádio projetado por Walter Kersting serviu a domesticar a engenharia social da modernidade nazista. A casa e seus objetos foram apropriados pela ideologia nazista para dar ao povo a segurança de que aquele era finalmente um caminho de progresso estável.
O etnocentrismo radical do nazismo parece passado superado da sociedade em relação aos dias de hoje, mas se observamos criticamente as forças que promovem a globalização, veremos que elas partem de determinadas etnias que detém o poder econômico no mercado global. A cultural global não é a soma das culturas regionais, nem tampouco a consensualização dos elementos comuns entre as culturas, mas sim uma imposição massiva dos valores dessas etnias dominantes.
Essa foto creio que diz tudo:
Ao contrário do que você provavelmente deve estar pensando, essa africana da Tribo Mursi não usa o iPod que segura nas mãos. Ela está posando para a foto porque foi paga por algum fotógrafo sarcástico (veja a grana na mão embaixo do iPod). Segundo Gabriel Shaw, a Tribo Mursi vive relativamente isolada do resto mundo graças a estar localizada dentro de um parque nacional, mas a guerra com outras tribos é uma constante e é comum ver os mursis andando com armas nas mãos. A foto foi encontrada numa galeria de fotos mostrando o iPod ao redor do mundo.
O design, a propaganda e os rumores sobre o iPod fazem-no parecer um produto universal, adequado para todas as culturas, todos os gostos, todos os estilos, todas as pessoas. Usando o iPod você estaria em paz com todas as culturas, ao mesmo tempo que manteria a sua própria individualidade. Você escuta seu som sozinho e não incomoda ninguém. Essa mensagem é explícita nas propagandas oficiais do iPod:
Nós, brasileiros, aceitamos a universalidade do iPod só porque nossa cultura é dominada pela cultura que gerou o iPod, centralizada na figura dos Estados Unidos. Apoiamos o culto ao individualismo como se fosse consonante com a nossa própria cultura (que não é tão individualista quanto a deles).
Segundo uma interessante pesquisa sobre hábitos de consumo de música, em Hong Kong, o iPod vende muito menos que os mp3-players baratos de diversos fabricantes. O quente lá não é ouvir 5.000 músicas diferentes, mas sim escutar as "10 mais" diversas vezes. Os websites que listam os hits do momento tem papel fundamental na decisão sobre o que ouvir.
Nova Iorque | Hong Kong | |
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Descobrir | Internet, amigos, iTunes, lojas de música | Internet, amigos |
Adqurir | Lojas de música independentes, iTunes, downloads ilegais, amigos | Downloads ilegais, mensageiros instantâneos e email |
Administrar | iTunes | Administrador de arquivos do sistema operacional |
Consumir | iTunes, iPod | Windows Media Player, mp3-player portátil |
Será que a coletividade também é predominante no Brasil? A comparação das homepages do Mercado Livre e do Ebay sugerem que sim.
Enquanto um enfatiza os leilões que estão acabando e a variedade de produtos (Whatever it is.. you can get it on Ebay - Seja o que for... você pode conseguir no Ebay) o outro enfatiza a preferência do coletivo.
Os Mp4 e Mp3 players também são mais buscados e mais vendidos no Brasil do que o iPod. Na categoria Mp4, aparece o modelo Sansa e200 que tem um hotsite muito interessante descoberto no comentário do Luli Radfahrer sobre a doutrina do design. O hotsite do Lil´ Monsta (pequeno monstro) deixa claro que o player não é voltado para o mesmo público do iPod. Uma das funcionalidades ressaltadas é a capacidade de sintonizar rádios FM, algo impensável num iPod. Um iPodeiro inveterado diria "pra quê ouvir a rádio, se eu posso escolher dentre as minhas 5.000 músicas?" Pois as rádios trazem novidades e tocam as músicas sucesso do momento.
Não diria que o design do Lil´ Monsta é menos etnocêntrico do que o do iPod. Ele também é um artefato que serve para mostrar que seu portador é melhor do que os outros que não o possuem.
Nesse setor, acho que o mp3 player genérico chinês é o menos etnocêntrico. Sua aparência não é arrojada, ele é bojudo e deselegante, mas, pelo preço, funciona muito bem! O design não me parece desvalorizar outras culturas, mas é mais um exemplo que reforça a estratégia chinesa de colocar no mercado global produtos genéricos a um custo extremamente baixo.
Christopher Woebken desenvolveu no Royal College of Art um projeto que vai na contramão dos exemplos acima: Escape Headphones. Trata-se de um aparelho voltado para as pessoas que tem medo de estar em lugares apertados, com a sensação de que não poderão sair se precisarem numa emergência. O headphone sintetiza sons de acordo com a distância de objetos próximos, tornando o ambiente maior do que parece. Christopher diz que ficou especialmente interessada em como os cegos lidam com esse medo.
O projeto nem desqualifica quem possui a fobia, nem tampouco oferece uma cura paternalista. Trata-se de uma exploração para entender melhor o outro.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 03.06.2007
Veja os coment?rios neste endere?o:
http://www.usabilidoido.com.br/design_e_etnocentrismo_.html