Nos anos 80 surgiram duas abordagens para design de interação com diferenças no papel concedido às pessoas interessadas em usar ou se apropriar dos resultados de um projeto. O design centrado no usuário denomina tais pessoas de "usuários" e as coloca no centro como referência para a tomada de decisão, de maneira abstrata. O design participativo denomina tais pessoas "participantes" e coloca o projeto no centro das mudanças nas condições de trabalho dessas pessoas, habilitando sua participação na tomada de decisão de maneira concreta.
Estas duas abordagens surgiram em contextos distintos, porém, com a publicação em vias internacionais, se espalharam por todo o globo. Atualmente elas se encontram misturadas aqui e ali, porém, vale à pena rever suas origens para compreender suas potencialidades.
O design centrado no usuário surge nos Estados Unidos no bojo da popularização da computação pessoal. Os sistemas computacionais eram projetados até então para serem operados por especialistas em computação e, quando um especialista em outro assunto ia usar, tinha grande dificuldade.
As pesquisas de Inteligência Artificial prometiam minimizar as interfaces de usuário, evitando assim o famigerado "erro humano". Algoritmos conseguiriam antecipar as necessidades dos usuários e entregar o resultado direto. A dificuldade de implementar tal proposta levou pesquisadores da cognição humana a formular uma abordagem menos formal em que o usuário seria essencial ao projeto, ao invés de um fator de risco.
O design centrado no usuário coloca a culpa dos "erros humanos" em parte nos sistemas computacionais, que não levaram em conta as características cognitivas de seus usuários, apresentando interfaces confusas que induzem ao erro. Além de prevenir o erro humano, o design centrado no usuário propõe uma série de outras qualidades para os sistemas computacionais do ponto de vista do uso, sendo a mais conhecida a usabilidade.
O conceito fundamental no design centrado no usuário é a diferença entre o modelo mental do designer e do usuário. Quando o usuário interage com o sistema, ele constrói um modelo mental à partir das experiências prévias com sistemas similares, porém, esse modelo pode ser diferente do que o modelo que o designer construiu para projetar o sistema. Os métodos de design centrado no usuário visam aproximar o modelo do designer ao modelo do usuário, para que a interação com o sistema seja intuitiva, ou seja, para que o usuário reconheça seu próprio modelo no sistema.
O método paradigmático em relação a esse conceito é o card-sorting, porém, o teste de usabilidade também visa investigar a mesma disparidade. O objetivo dos métodos é gerar representações dos usuários que tornem a sua presença no processo de design desnecessária, apesar de servir como referência abstrata para o projeto. Embora o usuário esteja no centro do projeto, ele não participa das tomadas de decisão.
O design participativo surge na Escandinávia, no bojo da reivindicação por maior participação nas tomadas de decisão acerca das condições de trabalho feita pelos sindicatos de trabalhadores. A introdução da informática em postos de trabalho preocupava os trabalhadores pois podia tornar o conhecimento dos trabalhadores obsoletos, gerando desemprego.
Pesquisadores da Computação propuseram, ao invés de importar sistemas computacionais, desenvolvê-los localmente. Se os trabalhadores participassem do projeto desses sistemas, poderiam evitar de serem considerados obsoletos. Estes pesquisadores estavam também preocupados em tornar a pesquisa científica mais útil à comunidade e, desenvolvendo projetos assim, se tornaram pioneiros na pesquisa-ação em Computação.
O conceito fundamental do design participativo é a apropriação tecnológica. Apropriar-se significa manter o domínio sobre a tecnologia, compreender como ela foi desenvolvida e ter a capacidade de modificá-la quando necessário. Um projeto que conta com a participação dos trabalhadores teria maior chance de ser apropriado na prática, pois eles compreendem como foi feito e conhecem as possibilidades de uso.
Embora os proponentes do design participativo evitem sistematizar sua prática em métodos que possam ser reproduzidos em qualquer contexto, é possível perceber sua influência no desenvolvimento de métodos como oficina participativa, desenvolvimento ágil, prototipação "rápida e suja", dramatização de cenários e jogos de design.
Recentemente, esses métodos foram sistematizados e apropriados pelo design centrado no usuário para aumentar a chance de apropriação local de sistemas globais, deixando de lado a intenção emancipatória original do design participativo. Os métodos são aplicados como exercícios isolados de participação, sem um comprometimento em implementar as propostas do usuário.
Por outro lado, o design participativo também se apropria dos métodos desenvolvidos pelo design centrado no usuário quando a computação pessoal passa a ser utilizada em contextos diferentes do trabalho, como o lar. A dispersão geográfica de comunidades dificulta a realização de oficinas participativas presenciais, levando o design participativo a experimentar com métodos de representação construídas pelas próprias pessoas para informar o design à distância, configurando uma presença na ausência. Sondas culturais, plataformas online de colaboração, e questionários são utilizados pelo design participativo para superar essa dificuldade.
As diferenças de contexto econômico e político destas duas abordagens não favorecem sua fusão, embora esta tenha já sido proclamada por parte do design centrado no usuário.
Considerando a importância atual do comércio de sistemas computacionais na economia global, pode se considerar o design centrado no usuário como hegemônico, enquanto que o design participativo uma resistência a essa hegemonia. Outras abordagens se juntam ao design participativo na resistência, como o design crítico e o design livre. Enquanto que a hegemonia trabalha para mimar o usuário suprindo necessidades e estimulando desejos, a resistência trabalha para fortalecer a autonomia das pessoas em definir e suprir suas próprias necessidades.
Eu tomo o lado da resistência, apesar de respeitar os que preferem estar do lado da hegemonia. Na verdade, hegemonia e resistência não se separam assim tão claramente e, para promover mudanças, é preciso agir em ambos os lados. Acho bacana a apropriação dos métodos de design participativo pelo design centrado no usuário, porém, não concordo com a declaração de uma coisa faz parte da outra. Essa diluição gera acomodação, como se já estivesse tudo resolvido. Para promover a participação verdadeira na origem de projeto, é preciso manter a dissonância.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 02.05.2014
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