O título da minha dissertação de mestrado defendida em 2008 foi Das Interfaces às Interações. Nela eu faço um apanhado de autores que apontam para uma expansão na prática de design rumo ao que o produto proporciona entre as pessoas que usam, a interação. A palestra sobre a dissertação, apresentada em seis cidades brasileiras, dizia que essa interação não é com o computador, mas sim com outras pessoas, ou seja, ?o material do design de interação são as relações sociais?.
Na época essa expansão estava começando; hoje posso dizer que já está consolidada. As funcionalidades para interação com outros usuários são consideradas prioridade no desenvolvimento de novos aplicativos. A palavra ?social? se tornou um jargão da área, apesar de que num sentido bem restrito, como algo a ser adicionado e não o material em si.
A obra Lonely Sculpture faz uma paródia da banalização do social em projetos interativos. O social acaba virando um fim em si mesmo, sem qualquer significado humano. O botão com a funcionalidade social é apertado sem que isso gere qualquer mudança nas relações entre as pessoas.
Quando o social é considerado seriamente, a história aparece como recurso fundamental para designers de interação. Na minha defesa de mestrado, utilizei o exemplo dos eletrodomésticos do pós-guerra que trouxeram a linguagem visual das máquinas industriais para dentro da cozinha com o objetivo de atrair as mulheres de volta ao lar após passar anos trabalhando nas fábricas para substituir os homens no fronte de batalha. O botão não está ali à toa; ele tem um significado profundo.
Compreender esse contexto é mais fácil quando se fala do passado, pois muitas pessoas já fizeram o trabalho de refletir e interpretar o que estava acontecendo. Difícil é fazer esse trabalho no presente, quando a história ainda está sendo escrita. Eu acredito que essa é uma característica fundamental para designers de interação: compreender a sociedade contemporânea à partir de seus hábitos de uso da tecnologia.
Nas minhas aulas sobre design de interação, gosto de usar a cebola dos contextos para explicar a diferença entre Engenharias, Design de Interface e Design de Interação. A pesquisa de campo é a prática que expande a consciência do designer do contexto técnico rumo ao social.
Mas aí fica a questão, se o material do design de interação são as relações sociais, como lidar com esse material na prática? Basta fazer pesquisa de campo?
A tese de doutorado de Andrea Botero, uma pesquisadora colombiana que conheci num congresso na Suécia, propõe uma expansão no papel do designer, indo além de dar forma ao botão para apoiar a evolução conjunta da tecnologia e da comunidade de usuários.
No trabalho da Andrea percebo uma expansão acontecendo no design para além da interação. O produto é projetado para proporcionar não só uma interação específica, circunstancial, efêmera, mas uma interação contínua, um processo de longa duração. A palavra interação já não consegue mais captar o que é, por isso a Andrea utiliza o termo communal endeavour, que eu traduziria como "esforço comunitário".
Na prática profissional, o termo Experiência do Usuário (ExU) está sendo usado para abarcar essa expansão, o que na minha opinião não é muito produtivo. Além de ser um termo vago e difícil de explicar para investidores, não atende à demanda social atual. Hoje em dia, as pessoas não ligam se a experiência de uso é boa ou ruim tanto quanto se ela pode fazer algo junto com outras pessoa. O usuário vai onde a galera estiver, pois a experiência que ele busca é social, não tecnológica.
Na minha pesquisa de doutorado, estou utilizando o termo atividade. Tento com ele capturar a convergência e coerência de várias interações, ou seja, o motivo pelo qual elas acontecem. A resposta não está na tecnologia em si, mas no processo social que antecede a própria tecnologia. Dando esse passo atrás, acredito que poderemos dar vários passos à frente.
Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 22.08.2014
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