Cor não é questão de gosto, é de cultura

Minha última aventura em busca de conhecimento sobre design de informação foi no curso de Engenharia Cartográfica. Os caras que fazem mapas chamaram duas professoras de psicologia para falar sobre Cognição, disciplina que trata, entre outras, da forma como interpretamos os estímulos do mundo externo.

As duas vinham da corrente sócio-história da psicologia, que estuda o homem sempre dentro de seu contexto social. Nossos pensamentos, sentimentos, reações e outras funções cerebrais são determinadas pela sociedade em que vivemos e não por herança biológica, como se acredita em outras correntes mais positivistas.

As evidências são muitas. O caso da percepção de cores é emblemática. Um pesquisador russo chamado Luria estudou agricultores na extinta União Soviética e descobriu que eles simplesmente não conseguiam abstrair uma cor para além do objeto colorido. Para eles, só existiam as cores pêra, algodão estragado, algodão em flor, dente podre, esterco de bezerro, esterco de porco e etc. Azul? Vermelho? Verde? Nunca viram tais objetos antes...

Já os hanunu das Filipinas reconhecem quatro categorias de cores: preto, branco, verde e vermelho, que reúnem as cores por nós conhecidas e incluem propriedades como "seco" e "úmido". Uma secção marrom, brilhante e úmida de um bambu recém cortado é considerada verde e não vermelha, apesar de usarem vermelho para se referirem a objetos marrons em outros contextos.

Apesar das escolas ensinarem a versão científica da percepção de cores dos pigmentos, na qual o espectro se divide em 3 primárias (azul, vermelho e amarelo) e 3 secundárias (roxo, verde, laranja), o próprio nome das cores revela seu significado cultural.

Não pude fazer uma pesquisa etimológica do vocabulário em português porque não disponho de tal dicionário, mas fiz em inglês:

  green (verde) vem do inglês grow, que significa crescer. Inicialmente, indicava a cor das plantas vivas e, depois, tinha sentido mais amplo de joviedade.
  yellow (amarelo) era usado inicialmente pelos negros trazidos da África para definir as pessoas de pele clara. Em 1856 foi registrado com o senso de covardice, apesar da cor já estar associada ao ensino.
  orange (laranja) originou-se do sânscrito naranga, que significa "árvore de laranja".
  red (vermelho) vem de reudh, que originou o termo de diversas línguas já se referindo à cor vermelha (latim "rufus", grego "erythros", sânscrito "ruddhira", etc). A luz vermelha para significar "pare" data de 1849, muito antes dos sinais de tráfego.
  blue (azul) vem de bhle-was, que originou bla no alemão medieval e flavus no Latim significando amarelo. Na Escandinávia, originou blamaor, preto e em grego originou phalos, branco. O primeiro significado registrado é constância e, depois, luxúria. Com as blueprints (plantas-baixas), a cor ficou associada a planos detalhados.
  purple (roxo) vem do grego porphyra, nome dado a um crustáceo do qual se extraía uma pedra semi-preciosa roxa. A tintura roxa produzida na fenícia já era usada para tingir roupas reais há milhares de anos. Ainda é a cor da reclusão e da penitência na Igreja e na realeza.

Por esse motivo, não se pode dizer que os comprimentos de onda da luz referentes ao vermelho tem o mesmo significado aqui e no mundo todo. Não nem mesmo reconhecer um mesmo significado dentro de uma mesma cultura, já que em lugares diferentes, terá efeitos diferentes. O vermelho é energético em academias, preocupante em hospitais e desafiante numa bebida. Isso sem falar que a percepção do vermelho dependerá das cores ao redor.

Então já que é tão variável seria melhor usar cores a esmo, idependente de significados culturais? Não! Melhor é conhecer bem o contexto em que ela será usada e escolher com muito cuidado. Segundo as professoras do curso, um tal de Vygotsky tem métodos interessantes para analisar a cognição humana. Um dia pesquiso mais sobre.

No campo de Interação Humano-Computador já conhecia o método de Contextual Inquiry, que veio da antropologia. Basicamente, o profissional visita o local de trabalho do usuário, conversa com ele e toma diversas anotações, principalmente no que se refere ao fluxo de trabalho. Quem sabe, poderia ser atualizado para incluir a análise cognitiva também.

[ Dica ] Para uma divertida coletânea de significados culturais das cores, recomendo altamente o site Color in Motion, produto da dissertação de mestrado de Maria Claudia Cortes.

Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 02.04.2005

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