Cognição e personalidade na interação

Enquanto vocês fazem o perfil semiótico de secundidade, estou estudando muito para bolar o perfil de terceiridade. Um dos artigos mais interessantes dentre os que li nesses dias é este:

A Flexible Interface Design for Web Directories to Accommodate Different Cognitive Styles [PDF] 14 páginas

Que toda pessoa tem suas diferenças, isso é de senso-comum, mas que existem certos padrões de comportamento devido à essas diferenças pessoais, isso é muito pouco estudado no nosso campo de conhecimento.

Predominância pela busca

Um dos poucos que publicou algo sobre isso foi o velho Nielsen, com aquela divisão entre as pessoas que são search-dominants e os link-dominants. Em seus estudos, mais de 50% dos usuários, quando podem, vão direto na caixa de busca para digitar um termo ao invés de procurar em categorias hierarquizadas de links. Alguns anos depois, Jared Spool criticou essa teoria, argumentando que existem sites que induzem ao comportamento search-dominant, pois os pontos de entrada das categorias de links não é abrangente o suficiente e a caixa de busca é proeminente na interface.

Na minha experiência em testes de usabilidade, notei que quando damos uma tarefa de recuperação de informação específica com um enunciado bem preciso, os usuários tendem a ir direto na busca, porque acreditam ser mais fácil encontrar esse tipo de informação. Isso significa que o comportamento search-dominant pode ser devido à própria metodologia de seus testes.

Por exemplo, se desse a vocês a tarefa: "encontre o artigo sobre a predominância de busca no site do Jakob Nielsen", vocês provavelmente iriam direto na busca digitar "search predominance" e talvez encontrassem o artigo no resultado. Se a tarefa fosse: "explique quem é Jakob Nielsen", provavelmente vocês tentariam encontrar a biografia dele dentre os links da primeira página. Como Nielsen ainda acredita em sua teoria, a primeira tarefa seria muito mais fácil de ser realizada...

Dependência de campo

O artigo que citei acima toma o cuidado de se apoiar numa teoria já estabelecida pra estudar dois estilos cognitivos: a dependência e independência de campo. Indivíduos dependentes-de-campo (DC) dão mais atenção ao contexto em que estão inseridos os elementos constituintes de um determinado problema. Para eles, é mais importante uma visão global dos elementos do que uma visão local. Já os indivíduos independente-de-campo (IC) preferem o método analítico para resolver o problema: dividem o problema em partes e resolvem cada uma delas separadamente.

Um estilo cognitivo é uma forma particular como uma determinada mente pensa e processa informações. DC e IC pensam de formas diferentes. Para cada forma de pensar, existem certas características da apresentação da informação que ajudam ou atrapalham o indivíduo a entender a informação. Os autores do artigo analisam como indivíduos DC e IC tem preferências diferentes e conflitantes ao interagir com diretórios de sites.

Segundo o estudo realizado, DCs preferem uma hierarquia rasa, com mais opções em cada categoria, valorizando a visualização do todo. Ao contrário, ICs preferem hierarquias profundas, com poucas opções em cada categoria. DCs preferem resultados ordenados por relevância, ICs preferem a listagem alfabética. DCs preferem a subcategoria no topo, ICs preferem no final da página.

O estudo mediu como a perfomance dos usuários é afetada por essas preferências e, para desespero geral, percepções negativas de fato prejudicam a perfomance do usuário. Isso significa que se não atendermos às preferências de estilo cognitivo do usuário, ele não se sentirá confortável e terá uma experiência ruim. O problema é que as preferências de DCs e ICs parecem irreconciliáveis!

Parecem mas não são. O cerne do artigo é justamente a proposta de um modelo flexível para o diretório, que agrade tanto DCs quanto ICs. Algumas das características da solução proposta não são aplicáveis pois gerariam consequências desagradáveis para a qualidade da interação em ambos os grupos, mas não deixa de ser um exemplo de que é possível conciliar os dois estilos cognitivos. Uma medida interessante, por exemplo, é listar resultados em ordem alfabética e ao lado exibir uma barrinha de relevância, com a possibilidade de esconder tal barrinha.

Depois que li o artigo, fiquei com vontade de quero mais. Gostaria que os autores tivessem passado a solução final por mais uma bateria de testes, para verificar se a proposta de modelo flexível funcionava mesmo, mas quem sabe eles façam isso futuramente.

Minha opinião sobre o assunto é que o conhecimento dos estilos cognitivos é essencial para a bagagem de todo designer de interação e arquiteto da informação. Porém, nem todo projeto precisa ser flexível o suficiente para agradar todos os estilos. Se o público-alvo é formado por engenheiros, por exemplo, provavelmente teremos uma maior porcentagem de ICs.

Existem métodos para testar a predominância dos estilos cognitivos, como por exemplo o Group Embedded Figures Test (GEFT) que mostra ao usuário uma série de problemas desse tipo:

Exemplo de teste EFT

Se você não conseguiu encontrar onde está localizada a primeira figura dentro da segunda figura, é possível que você seja dependente-de-campo. Seria preciso fazer mais testes como esse para dizer com certeza.

O que me incomoda nesse modelo bipolar DC-IC é o meio-termo. Certamente, após um teste GEFT, algumas pessoas vão marcar pontos medianos, ou seja, não serão nem tão dependentes, nem tão independentes assim. Mas então, o que elas são? Como deverão ser tratadas?

É por isso que não me contentei com essa classificação e continuei pesquisando outra série de estilos cognitivos mais abrangente, que também tivesse relevância para a interação.

Visual, auditivo e cinestésico

Um site me lembrou daquela conhecida classificação da neurolinguística:

Essa classificação é tão boa que até hoje não conheço alguém que não se encaixe dentro de uma delas. Se você gosta mais dos diagramas e screenshots que publico aqui, deve ser visual, se ama os podcasts, deve ser auditivo e se acha que o mais interessante é ficar clicando em monte de links ao mesmo tempo, então deve ser cinestésico. Mas e se você gostar dos três?

É por esse motivo, que não considero muito útil essa classificação para o design de interação. Em determinados contextos, uma pessoa auditiva pode precisar dar mais atenção à informação visual, mesmo que não seja sua tendência natural, como, por exemplo, numa prova de geometria. Ou então, uma pessoa visual pode gostar muito de música, mesmo não sendo auditiva.

É interessante conhecer tal classificação, mas não necessariamente projetar para um tipo específico de pessoa. A lição mais interessante dessa classificação é a importância de se utilizar diferentes modos para transmitir a mesma informação. Neste blog, estou aprendendo a fazer isso, criando uma rede interligada de texto, áudio e vídeo.

Estilo cognitivo e personalidade

Encontrei muitas outras teorias de estilos cognitivos e estilos de aprendizado, mas a maioria não parecia ter aplicação prática para o design de interação. Como são teorias desenvolvidas dentro da psicologia, dão ênfase nas diferenças de personalidade entre as pessoas. Apressado que sou, ia descartando essas teoriais pensando que, como designer de interação, não preciso entender a personalidade dos usuários, apenas seu comportamento.

Uma hora caí num post do Dan Saffer comentando como era interessante que o designer transfere sua personalidade para as coisas que projeta (esse cara manteve um blog contando como é o curso de Mestrado em Design de Interação numa Universidade dos Estados Unidos).

Depois, fui parar em outro blog lembrando que o homem tem a mania de antropomorfizar as coisas (tratar como se fosse outro homem) e, por isso, não havia como evitar que o usuário percebesse que um determinado objeto tem uma personalidade própria. O jeito é colocar a melhor personalidade possível dentro do objeto projetado.

Esse artigo realmente mexeu comigo. Se antes estava preocupado com a personalidade do usuário, agora teria que me preocupar também com a personalidade da interface! Mais do que isso, teria que me preocupar se as personalidades combinam entre si.

Design de Interação com personalidade

Se estou viajando na maionese, com certeza não estou sozinho. Pelo menos Dan Saffer, Donald Norman e Clarisse de Souza também acreditam que o melhor design de interação é aquele que conecta pessoas e não máquinas. Para Clarisse de Souza, o designer seria um intérprete que explicaria ao usuário através da interface como ele pode usar aquele sistema.

Concluindo, o estilo cognitivo faz parte da personalidade de uma pessoa e, portanto, se quero entender o comportamento, preciso entender a personalidade. É por isso que ter um psicólogo de plantão numa equipe que projeta produtos interativos é tão recomendado pelos estadunidenses. Porém, minha recomendação é que os designers de interação brasileiros estudem mais psicologia, porque aqui, as empresas não têm recursos para contratar equipes multi-disciplinares; elas querem profissionais multi-disciplinares (o vulgo faz-tudo).

Então, de volta aos estudos...

Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 14.08.2005

Veja os coment?rios neste endere?o:
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