Na linha funcionalista do Design, que é muito influente no Brasil, acredita-se que a forma de um objeto projetado segue a sua função. Seguindo essa idéia, o garfo de quatro dentes é assim porque esta forma é a que ofereceu a melhor performance para a função de espetar alimentos e levar à boca, dentre todas as outras que foram projetadas até hoje. Ao rever a história do garfo, podemos perceber que a performance não foi o único critério para sua evolução.
Na Europa da Idade Média, usar garfos artificiais ao invés dos garfos naturais — os dedos — era considerado um insulto ao Criador. Garfos eram utilizados apenas como utensílios de cozinha. No século XVI, os italianos passaram a utilizá-los na mesa, mas com dentes menores, para diferenciá-lo dos garfos de cozinha. A cozinha era o lugar dos serviçais, que comiam com a mão, e não dos nobres.
No século XIX, a sofisticação da burguesia era tamanha, que os jogos de talheres incluíam dezenas de peças especializadas, dentre as quais, haviam pelo menos quatro garfos diferentes. Nem todas as peças especializadas eram mais úteis, mas seu uso num jantar demarcava o status social dos anfitriões.
No século XX, o consumo de massa levou à padronização das peças básicas dos jogos de talheres. No final do século, com o aumento da competição entre fabricantes, alguns faqueiros começaram a sair de fábrica ligeiramente fora do padrão, exibindo detalhes de acordo com um estilo ao qual um determinado perfil de consumidores procuraria se alinhar. Em alguns faqueiros, os garfos são tão arredondados e curtos que mal servem para espetar o alimento, função que o diferencia da colher.
A colher pode ser até mais efetiva para comer a comida processada feita para as refeições rápidas da rotina agitada do século XXI, mas a preocupação com a manutenção do estilo ainda existe, mesmo na correria. O garfo e a faca ainda são os utensílios básicos da mesa, enquanto a colher é relegada às crianças e aos alimentos predominantemente líquidos.
A história do garfo demonstra que não há uma relação determinante da função sobre a forma. Henry Petroski conclui no livro The Evolution of Useful Things que a única coisa determinante sobre a forma é a frustração com o que já existe. O desejo de ter algo melhor é o que motiva a invenção de novas formas e não necessidades pré-existentes. O garfo era absolutamente desnecessário enquanto as mãos e facas pontiagudas cumpriam a função de levar o alimento à boca; a necessidade já estava sendo atendida. Entretanto, o desejo pela distinção social levou à utilização dos garfos na mesa.
A forma é, portanto, delineada por uma multiplicidade de fatores difíceis de serem tracejados fora de contexto. Novos modelos surgem por mudanças nas condições de uso, nos padrões de comportamento social e nas tendências de estilos. Um bom design deve seguir tais mudanças e não ficar preso a um ideal de performance ótima para uma função específica. Os melhores designs encantam, os medíocres funcionam.
Publicado originalmente na Revista Design do site da Tramontina Design Collection.Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 21.05.2007
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