A Filosofia do Iluminismo

A era iluminista trouxe a razão para descrever todas as coisas e não poderia ser diferente com a arte. A empolgação trazida com o florescimento da geometria, seduzia os pensadores a definirem regras para criar obras de arte. Os círculos do geômatra são sempre os mesmos porque descendem da mesma fórmula construtora. Da mesma forma, toda obra de arte teria um mesmo significado para seus apreciadores e quanto mais ela se deixasse revelar, seria melhor. Isso era o ideal de beleza desses homens.

Era o início da consolidação da estética como nova disciplina filosófica. Já que o século das luzes tem a glória incomparável de ter unido obra crítica à obra criadora, então a estética também veio acompanhada de uma nova forma de criação artística. Além disso, o autor do texto ressalta que no século XVIII, há uma coincidência perfeita entre os ideais científicos e os ideais artísticos. Realismo na pintura, razão na física. No entanto, muito antes de Kant criticar a razão, já haviam artistas contestando essa forma de tratar a realidade. Um deles é o próprio Shakespeare e suas peças imprevisíveis, com Hamlet trazendo a revolta para a corte e com o casal suicida apaixonados e cegos.

Mesmo havendo casos isolados, os pensadores da época concordavam que deveria haver métodos precisos para a criação e apreciação da arte. Assim, a obra se tornaria universal, tal qual os demais enunciados científicos que eles se esforçavam para criar. Desvinculando a obra de arte do prazer que ela causa no seu contemplador, que não passa de mera idiossincrasia, os clássicos queriam revelar sua realidade através de métodos analíticos. Começaram por quebrar as notas musicais das melodias. Verificar de quanto em quanto tempo, elas se repetem e com que intensidade. Assim, estariam chegando à essência da obra, para que ela pudesse ser imitada e ensinada sua gênese.

A idéia era libertá-la dos limites da intuição e da imaginação. Dando o instrumental genérico ao artista, ele poderia criar além de suas próprias limitações pessoais. Erro cabal dessa teoria. Sem imaginação, não há obra de arte. É preciso tanto imaginação do artista para conceber um modelo mental da obra, quanto do público que precisa imaginar o que está sendo transmitido com aquela coisa. Os próprios clássicos entram em contradição ao reconhecer a atratividade da fantasia, do imaginário. Eles atribuíam esse fator único da obra de um artista a um dom especial, que acompanhava o artista desde o nascimento. Arte não era pra qualquer um.

Para esses homens, a natureza tem um significado mais funcional do que substancial, ou seja, a essência das coisas está na função delas, não na sua própria subjetividade. Na verdade, natureza era tomado como sinônimo de sinônimo de razão (tudo é razão). Por isso, a obra de arte precisava se fazer entender, ser clara e concisa. O belo deveria ser simples e verdadeiro. A beleza não se deixa abordar, senão pela verdade. Se isso fosse seguido, previam, os teatros ficarão lotados. Ao tomar uma medida empírica como essa para julgar a qualidade de uma obra de arte, os clássicos se afastam de sua razão universal para enveredarem-se por uma filosofia do senso-comum.

Porém, a teoria do classicismo francês nunca se dispôs a fazer isso, porquanto não se apóia no uso cotidiano e banal do entendimento, mas nas faculdades supremas da razão científica. Por isso, quando eles relacionam o gosto ao bom senso, na verdade querem evitar discussões subjetivas.

Há um dito popular que diz que “gosto não se discute”. Mas porque não? Porquê é difícil! E é isso que uma nova corrente da estética quer fazer com Diderot e outros. Embora não haja como encontrar padrões de gostos precisos entre os homens, é possível encontrar similitudes. Cada gosto está limitado ao que os homens tem em comum, ou seja, ele varia dentro de uma amplitude limitada. Em certos lugares do mundo, uma mulher de pescoço comprido é considerada bonita pela sociedade, mas em outras não. Esse gosto foi adquirido por cada membro da sociedade através da sua cultura.

O gosto é ao mesmo tempo, objetivo e subjetivo. Subjetivo porque repousa no sentimento individual e objetivo porque é resultado de centenas de experiências factuais.

Mas o que essa corrente frisa mais é que a obra de arte não é um produto de significado único, como queriam estabelecer os clássicos. Pelo contrário, quanto maior a multiplicidade de significados, mais belo. A expressão é que é importante, não o conteúdo do pensamento do artista. Primeiramente, o foco das reflexões desses pensadores foi na impressão que a obra de arte causa no seu contemplador. Diderot propõe a estética empírica, onde o entendimento ocupa o lugar que a razão ocupava na estética clássica.

Porém, apesar de criticar a racionalização extremista de outrora, os teóricos dessa época não descartam as regras de criação, já que a estética não deve ser entregue ao acaso e ao arbitrário.
No desdobramento da teoria estética, Shaftesbury começa a dar passos definitivos para o estabelecimento da Estética como filosofia autônoma. Inspirado pela Renascença, ele desloca o centro das atenções dos estéticos da fruição para o ato da criação. Sua ênfase é na espontaneidade da criação artística. Por isso, a criatividade do gênio artístico é indescritível e muito menos analisável.

Aliás, ele confere ao gênio a autoridade de quebrar todas as regras e impor novas. O gênio é responsável pela renovação do pensamento e da arte. E genial é aquilo que supera o comum, inova.

Apesar de concordar com os princípios de Shaftesbury, Dubos traz de volta o centro para a fruição e toma quase que como medida única para a obra de arte a excitação que ela causa no seu fruidor. Para ele, a emoção de ver um pintura é análoga a de ver uma execução sumária. Quanto mais chocante, melhor. A obra de arte se torna um espetáculo. Dubos era categórico, afirmava que “os homens sofrem mais por viver sem paixões do que por causa de suas paixões que os fazem sofrer”.

Em seguida, vem Baugartem e diz que devemos nos ater as impressões, mas não tratá-las como único fator. Este homem é o responsável por sistematizar a estética, liberando-a da lógica e metafísica tradicionais. A intuição, tão rejeitada pelos clássicos, agora faz parte da criação, mas obedece a uma certa lógica. Intuição nada mais é do que um cálculo inconsciente e inesperado baseado em experiências anteriores. E as paixões, consideradas como perturbações da alma pelos cartesianos, agora é o motor da vida. Baugartem concorda com Dubos nesse ponto: não há como fazer arte sem uma boa dose de paixão.

Como podemos ver, os pensadores iluministas foram paulatinamente aprendendo a relativizar os conhecimentos, tornando-os mais parecidos com o próprio homem, que convive com a dualidade o tempo todo.

Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 31.05.2007

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