A ergonomia insólita do PC e suas implicações para o design

Para que proporcionemos uma boa experiência para o usuário, é importante levar em conta os fatores ergonômicos no momento em que ela ocorre. Vamos esperar pelo pior porque se as condições forem mais favoráveis, o usuário só tem a ganhar. Uma interface facilitada para usuários com graves problemas não deixa de ser agradável para usuários com fatores mais favoráveis. Os principais fatores, na minha opinião, são:

Tá, todo mundo sofre com esses problemas, mas nem por isso deixam de navegar por um website. Porém, a soma desses fatores tem influência sobre o comportamento do usuário. Diria que é através da sua compreensão, que entendemos porque temos tanta pressa em ler textos no monitor, por exemplo. Veremos os problemas primeiro, depois as consequência deles.

Postura

A quantidade de pessoas com problemas de coluna na sociedade urbana é enorme. Quem é sedentário dificilmente escapa de uma lordose ou lombalgia esporádica. Esse mal afeta até mesmo os mais jovens, principalmente aqueles que trabalham sentados por horas. Nesse perfil se encaixa a maior parte do público da Internet brasileira e, se estamos projetando um website institucional cujo público são parceiros comerciais, pegaremos o usuário no momento em que ele trabalha. E é nesse momento em que a coluna está mais tensa.

Muita gente trabalha sentado em cadeiras baratas, sem o devido projeto anatômico. Algumas até tem as cadeiras boas, mas por costume sentam em postura errada. Outros tem cadeiras boas, mas as mesas são estreitas e não há espaço suficiente para esticar as pernas. O corpo humano não foi feito para ficar horas parado nas mesma posição e quando damos aquela "ajeitada", desviamos a tensão de alguns músculos para outros. Isso é muito bom e importante, mas há ambientes apertados onde se articular é complicado ou até mesmo proibido. Um funcionário numa posição que lhe parece confortável pode parecer desleixado às vistas de supervisores e clientes. Nada mais "estético" do que uma fileira de funcionários todos sentados na postura padrão indicada pelos especialistas: coluna suavemente ereta e com os pés bem apoiados no chão ou num suporte. É ruim, hein?

Cubículos humanos

Pior, pouquíssima gente faz os alongamentos recomendados para amenizar a tensão por conta própria. Algumas grandes empresas estabelecem programas de ginástica laboral, mas isso é só uma porcentagem minúscula do contigente de trabalhadores de escritório.

Já os usuários caseiros, estão numa situação pior ainda. A maioria não investe em mobília anatômica, até porque não usam o computador com tanta frequência que justifique o investimento. Vou contar uma história típica para ilustrar, talvez você já tenha presenciado algumas dessas situações:

Comprado o tão-sonhado computador, agora só falta a escrivaninha. Nesses primeiros dias, dá pra ir usando ele apoiado nas caixas, sentado no chão mesmo. Quando chega a escrivaninha, com gavetas e armarinho embutido mas sem elevação para o monitor, a intenção é que se guarde apenas os objetos referentes à atividade computacional. Porém, conforme vai passando o tempo, ela se torna a mesa de estudo do estudante da casa, a mesa de fechar as contas e até um improvisado apoio para o copo de guaraná e o sanduíche. Em breve, a escrivaninha está entulhada de joysticks, papéis e coisas. Até mover o mouse ficou complicado. Mais: os novos periféricos tem que caber na mesma mesa: impressora, scanner, caixas de som, microfone. E desde que o computador chegou, uma cadeira velha de madeira que estava sobrando é usada como assento.

Insólito não? Mas confesso que já passei por situações como essa. Claro que a mobília inadequada causa desconforto, mas o uso inadequado dela causa ainda mais. Imagine um usuário que costuma anotar senhas em pedaços de papel numa escrivaninha dessas? Imagine outro que sente necessidade de anotar todos os passos para realizar uma determinada tarefa de um software para não esquecer? Isso sem falar no que imprime textos de websites. Pode não acontecer com você, mas saiba que tudo isso é muito comum.

Uma típica escrivaninha

Iluminação

É muito difícil encontrar também boa iluminação para o trabalho no ambiente caseiro. Um problema bem comum são os reflexos eventuais na tela do monitor. A escrivaninha do computador não é um móvel tão pequeno que seja fácil manejá-lo para que esteja livre da luz das janelas e dos demais aposentos. O excesso de iluminação do ambiente faz com que a luz emitida pelo monitor pareça mais fraca ao nosso olho. O contraste é menor e, consequentemente, a legibilidade.

No trabalho, onde fica mais visível a perda de produtividade por esse fator, o cuidado é maior. Porém, iluminação perfeita é um custo a mais para os empregadores e por isso alguns negligenciam usando apenas luzes frias nas salas de trabalho ou em baixa quantidade. A luz fria é barata, mas ruim porque tem o espectro de cores menor que a luz incandescente. Isso a torna incompleta. Na verdade, o ideal é a combinação das duas.

As lâmpadas fluoerescentes quando estão velhas podem apresentar leve tremulação que só pode ser percebida com muita atenção. Mesmo que a frequência das piscadas seja imperceptível, pode causar cansaço ao usuário. Porém, só são trocadas quando queimam de vez ou a duração das piscadas seja tão grande que impeça o trabalho. Experimente ligar e desligar repetidamente a luz de uma sala (não me responsabilizo por lâmpadas queimadas!) e ler um papel ao mesmo tempo. É desconfortável porque a pupila se contrai e distende a cada variação brusca de iluminação.

Esse mesmo fenômeno de tremulação também acontece com os monitores. Os mais modernos passam dos 60 Hz de frequência facilmente, mas os sistemas operacionais indicam essa frequência como padrão por segurança. Nesse número é perceptível à oscilação se deslocamos o foco da visão para logo ao lado do monitor. Se você ainda não verificou se seu monitor aguenta frequências maiores de atualização (refresh-rate), experimente aumentá-la para ver se funciona. Quanto maior a frequência, menor o cansaço dos olhos e maior o conforto. Faça o teste!

Falando em ajuste, monitores diferem muito na sua regulagem de contraste, brilho e matiz (cor). Em casa, se os monitores estão desregulados, ninguém liga; a maioria das pessoas nem percebe. O brilho desregulado pode fazer diferentes tonalidades escuras mesclarem-se. Já contraste fraco torna difícil de distinguir todas as diferenças entre cores. Esses dois podem ser regulados diretamente pelo usuário até um certo ponto, mas a matiz não. Na maioria dos monitores a quantidade de vermelho, verde e amarelo (RGB) só pode ser alterada mexendo nas entranhas do monitor. Pequenos desajustes de matiz não interferem na legibilidade, mas podem garantir que o efeito emocional das cores tencionado pelo designer caia por terra. Embora o olho humano tenha um excelente ajuste de branco, ou seja, percebe as cores de acordo com as que estão em volta, o amarelo não vai ter o mesmo efeito psicológico se for exibido meio alaranjado.

Com o tempo, todos os monitores ficam desregulados, uns mais, outros menos. O designer precisa entender isso. Precisa desapegar do resultado final, projetar para que a combinação de cores seja efetiva mesmo sobre condições adversas. Não espere que os usuários entendam e sigam instruções como essa do site da Fluor Rich Media:

Site da Fluor exige que você calibre o monitor antes de entrar

Isso não significa renunciar ao cone de cores e usar apenas preto no branco. Nos pontos onde a legibilidade for crucial (textos), o contraste tem que estar alto, só isso. Testar a configuração de cores desregulando o seu próprio monitor é fácil, não onera em nada o designer.

Esse fator é bem perceptível, portanto, mais levado à sério. Já a poluição sonora quase ninguém se dá conta.

Poluição sonora

Tanto no ambiente de trabalho como no caseiro, há grandes possibilidades que haja barulhos incovenientes. Eles podem apenas impossibilitar escutar um som emitido pelo computador ou, pior, irritar o usuário. No trabalho, considere gente falando alto, música ambiente, som de tráfego pesado, eventuais obras e construções civis e outras fontes de ruídos. Em casa, considere crianças brincando, vizinhos com som alto e conversas paralelas. Por esse motivo a atividade computacional até hoje é silenciosa. Uma televisão pode ser ajustada num volume maior para compensar os ruídos intrusos, mas o computador é mais difícil porque é um som dirigido a apenas uma pessoa, ao contrário da TV, que pode comportar audiência múltipla simultânea.

Bruce Tognazini, designer de interface na Apple dos anos 80, conta uma situação embaraçosa que passou por negligenciar esses fatores . A nova versão do MacOS em que ele tinha trabalhado ficava com a tela congelada alguns segundos após inserir o disquete. Para mostrar que isso era normal, a equipe da Apple tinha escolhido tocar um aviso sonoro. Porém, durante uma feira de computação em que ele estava sendo apresentado, o público achou que o computador travava ao inserir disquetes porque não se conseguia ouvir o aviso no meio da multidão barulhenta da feira. Depois da feira, a equipe da Apple resolveu colocar um aviso visual na tela, uma mensagem do tipo: "abrindo disquete". Pronto, problema resolvido.

Temperatura

Quanto à temperatura ambiente inadequada, não há muito que o designer pode fazer para amenizar o sofrimento. É mais um problema que se soma aos outros para influenciar o comportamento do usuário. Quando se está frio demais, os movimentos se tornam mais custosos. A mão que repousa sobre o mouse durante horas, pode ficar roxa, com falta de circulação. Usar uma luva melhora, mas impede de digitar no teclado. Algumas pessoas tem a mania de enfiar a mão embaixo da coxa, dentro do bolso, embaixo das axilas enquanto não a estão usando para esquentar. Isso piora a postura e tensiona o braço. Os membros podem ficar dormentes. Por causa do frio, até mesmo os pensamentos ficam mais lentos.

Já o calor pode deixar a mente muito perturbada. A pressão sanguínea pode aumentar ou diminuir, dependendo da fisiologia da pessoa. Uns podem ficar vermelhos e irritados e outros morrendo de sono. Trabalho monótono nessa situação é especialmente tedioso se o céu lá fora está aberto, um dia bonito. Eventuais assaduras podem tornar a posição sentada uma tortura. Enfim, o calor excessivo não é tão prejudicial do que o frio excessivo, mas é mais custoso de ser combatido. Um aparelho de ar-condicionado além de mais caro, gasta muito mais energia que um aquecedor elétrico.

Problemas de saúde

Pior do que todos esses fatores são as doenças. Isso acaba com a paciência de qualquer um. Se uma gripezinha já incomoda, imagine uma moléstia mais grave. Problemas crônicos de coluna e tendões do braço são muito comuns, tornam proibitivo o uso seguido do computador. Úlceras, enxaqueca e hemorróidas também são comuns, mas não chegam a impossibilitar o uso do computador. Quem usa o computador nessas condições é porque precisa muito. Os efeitos negativos sobre o comportamento do usuário são dobrados.

Consequências

As consequências de todos esses possíveis problemas são alterações inevitáveis no comportamento do usuário, aumentado:

A evolução dos computadores costuma medir-se em velocidade. Computadores são máquinas de economizar tempo, fazer coisas mais rapidamente do que por outros meios. Desenhar, calcular, escrever e uma infinidade de tarefas já eram possíveis sem o computador, mas agora são feitas com sua ajuda por causa dessa sua qualidade. Se estamos ávidos por velocidade, é porque temos pressa.

Pressa

Pressa para terminar o trabalho, pressa para comer, pressa até no passeio. Desde que o tempo foi capitalizado, ninguém mais tem tempo para nada. Estamos constantemente tentando suprir as infindáveis necessidades criadas pela nossa mente, todas ao mesmo tempo. Estudar geometria, assistir televisão, comprar mais memória RAM e muitos etc. Como temos uma longa fila de tarefas nem sempre agradáveis pela frente, damos cabo delas o mais depressa possível. E quanto mais sofrida, mais queremos que termine logo.

Por isso considero a pressa como o efeito primordial dos problemas ergonômicos. Os demais são seus desdobramentos.

Se a pressa é inimiga da perfeição, então um usuário apressado tem maior chance de cometer erros. Como projetistas de interfaces, precisamos prever esses erros e prevení-los. Na pressa, podem ser confundidos botões pequenos demais, ícones parecidos, significados de caixas de diálogo e etc. Por isso, quanto mais prática for a tarefa, exija menos sobrecarga cognitiva.

Impaciência

Fruto direto da pressa é a impaciência. Aliás, hoje em dia, para usar PCs é preciso ter um grande estoque de paciência. A falta de praticidade, de intuitividade e a quantidade de erros tanto no hardware quanto no software impedem que o computador seja realmente popular. Somente os mais motivados (e de um certo perfil psicológico) conseguem ter boas experiências com a máquina. Coloca aquele teu amigo estourado na frente do computador e veja se ele em pouco tempo não está praguejando com o pobre monitor, surrando o teclado, arremessando o mouse.

Raiva com o computadorEmbora essas alterações de comportamento só sejam perceptíveis em ocasiões isoladas e raras, o projeto da interface precisa ser robusto mesmo nesses momentos. Assim como o amortecedor da motocicleta está preparado para uma queda de 1 metro de altura (algo raro de acontecer), a interface deve estar preparada para acolher o usuário alterado. Pense nas vezes que você precisou fazer algo no computador rapidíssimo e se frustrou. Você esperava que ele fosse capaz de seguir o seu ritmo, senão nem teria tentado.

É por isso que não entendo para quê fazer softwares cada vez mais pesados a medida que o hardware fica mais rápido. Se há demanda por velocidade por parte do usuário, porque as grandes softwares-houses se esmeram em gastar ao máximo os novos recursos de processamento? Creio que essa velha fórmula incremente hardware - incrementa software esteja demonstrando sinais de obsolência, vide projetos open-source como o Linux e seus aplicativos.O Macromedia Flash MX 2004 sofreu grandes críticas porque saiu mais pesado do que era esperado pela comunidade de desenvolvedores, forçando upgrades mesmo em máquinas recentes na época de seu lançamento. As vantagens para boa parte deles não justificaram o investimento imediato e a Macromedia fechou o primeiro trimestre de comercialização vendendo menos do que o esperado.

Mas a paciência não está ligada somente aos tempos de respostas da aplicação, mas também ao esforço cognitivo, à postura da interface e diversos outros fatores. Quanta paciência é preciso para decifrar aquela mensagem em linguagem técnica da tela de configuração? Quanta paciência é preciso para descobrir o que 10 ícones significam passando o mouse por cima, um por um? Quanta paciência é preciso para clicar em cinco links até chegar à página que você queria?

Inquietação

Creio que de todos esses efeitos, o que mais caracteriza o usuário de computador é a inquietação. É impossível ficar sem interagir por muito tempo, dá aquela coceirinha... E isso não é mania, tem causas coerentes. Primeiro, a condição física:

Quantas vezes você estava com um pouco de sono lá pelas tantas da noite, resolveu ligar o PC e perdeu o sono? O uso do computador provoca uma mudança na homeostase, a propriedade do corpo de que controla a estabilidade fisiológica. E não são apenas os estímulos externos que provocam essa alteração. Fatores psicológicos também estão ligados ao uso do computador.

A maioria é individual, vai do psiquismo de cada um. Porém, existem alguns estereótipos estabelecidos a esse respeito. Por exemplo, o uso do computador está diretamente ligado ao trabalho. E trabalho significa ato produtivo do trabalhador. Por isso há uma certa pressão psicológica de estar sempre produzindo algo diante do computador. É subsconsciente, mas nos impele a interagir. Mesmo numa atividade recreativa como um jogo, há uma certa sensação de que se produz algo, afinal, ele dá sinal de avanço.

Essa pressão fica mais perceptível quando navegamos na Web, principalmente se a conexão é discada e não é final de semana. Se você está pagando caro pelos pulsos não quer perder tempo com algo potencialmente inútil. Então, não consegue mais ler textos compridos, ficar muito tempo decifrando como navegar por uma página, vendo animações, esperando carregar e etc. Se esse acesso é feito a partir do ambiente de trabalho essa pressão se torna muito consciente (para não dizer explícita).

Irritação

Mulher irritada no computadorQuando o relacionamento com o computador não é satisfatório, o usuário fica irritado. Começa com resmungos internos, mas logo os grunhidos começam a se tornar audíveis e quem olha de longe já vê a nuvenzinha de fumaça formada no topo da cabeça. As pessoas literalmente batem no computador quando algo dá errado. Algumas xingam a máquina, como se ela pudesse ouvir. Quem não acredita na antropomorfização do PC precisa prestar mais atenção nessas cenas.

Macaco "brincando" com um carrinhoO relacionamento do ser-humano com qualquer objeto ou ser-vivo é sempre humanizado. São atribuídas características humanas mesmo a coisas inanimadas. Seja no documentário do Discovery Chanel sobre os macacos da Amazônia, onde o comportamento do animal é sempre comparado ao do homem (Ex: "o macaco agora vai dormir porque teve um dia longo", "ele brigou com o amigo pássaro, que não deixou ele pegar o ninho para brincar") ou na própria linguagem (Ex: "a perna da mesa", "o braço da cadeira"), o reflexo de si mesmo é o prisma pelo qual o homem enxerga o mundo. Já dizia o filósofo grego Protágoras, "o homem é a medida de todas as coisas".

O designer de interação pode se valer desse fenômeno para construir a interface de forma que estabeleça um vínculo mais forte com o usuário. Uma interface humanizada é mais fácil de ser entendida, a interação com ela fica mais fácil. Um personagem carismático interativo é o cúmulo da humanização numa interface, mas ainda assim tem sucesso com usuários iniciantes de computador. Clips assistente do WordVeja o exemplo dos assistentes do Microsoft Office: sua função é muito mais de tornar agradável a interface do que atuar como um verdadeiro agente inteligente. Na primeira versão do Word que incluía o clips animado, fiquei primeiramente deslumbrado. Assim que percebi que o bicho só me interrompia para falar besteira fiquei frustrado por não encontrar um botão próximo para calar a boca dele. Era preciso penetrar uns três cliques adentro nas opções de configuração.

Para minha surpresa, vi pessoas manifestando afeto por esses bichos. "Que bonitinho" dizem algumas mulheres. Se para assitente do Word o assistente me parece pouco inteligente, na sua versão cão farejador da busca do Windows XP ele está mais apropriado. O diálogo frio da janela de busca foi substituído por uma série de perguntas, como se fosse uma conversa com o dito cujo, se tornou muito mais fácil de entender. O assistente explica melhor como as escolhas do usuário refletirão no resultado da busca. A forma atrativa do cãozinho também torna a espinhosa tarefa de encontrar arquivos menos assustadora. Pena que a ferramenta de busca é menos eficiente do que a versão anterior...

Cãozinho farejador no Windows Xp

Desconcentração

Na maior parte do tempo, o usuário não presta muita atenção nesses desconfortos, afinal ele está usando o computador para realizar alguma tarefa e não para ficar reclamando. Sua mente tenta se concentrar no que está fazendo, mas é constantemente interrompida. Além dos picos das dores nas costas e das situações insólitas das interfaces, existem estímulos internos como ícones piscando e externos como pessoas falando perto. Tudo isso diminui a concentração. Pior ainda se o usuário estiver fazendo várias coisas ao mesmo tempo. Tem gente que consegue a proeza de assistir televisão, usar o PC e ainda comer um sanduíche ao mesmo tempo, mas é óbvio que ela não vai fazer as três coisas melhor do que se fizesse uma de cada vez. Cenas do programa são perdidas, arquivos são deletados por engano e o sanduíche desce mal mastigado. Essas pessoas são as mesmas que costumam ter dez janelas abertas ao mesmo tempo no sistema operacional. Mesmo os maiores magos da gerência de atenção não conseguem escapar do mal da desconcentração.

Uma pessoa nesse estado está com o lado esquerdo do cérebro a mil, o racional predomina. A oferta de multi-tarefa aliada a todos os desconfortos e estereótipos supracitados são os culpados do ambiente computacional ser tão frio. Se o designer precisa que o usuário entre num estado sentimental, ele não deve incentivar a multi-tarefa. Esse é um dos poucos casos em que usar a tela cheia (fullscreen) pode ser perdoado.

Para conferir a eficácia, abra o arquivo de email da sua esposa, namorada ou irmã e procure pelos anexos em Powerpoint. Com certeza, você vai encontrar uma apresentação em fullscreen com fotos de animais imitando gente acompanhado de mensagens para aumentar a sua auto-estima ou coisa do gênero. Elas recebem dezenas desses todo mês, sinal de que funciona.

Homens, em geral, odeiam esse tipo de email por causa dos estereótipos. Se eu recebo um desses, apago na hora e descubro quem foi para bloquear ou pedir encarecidamente que não mande mais. Isso porque não espero receber mensagens desse tipo. Mesmo assim, aumenta um pontinho no meu nível de stress. Por falar nisso, não tem nada pior do que spam, não é mesmo? Eu fico fulo quando apago um email importante por engano durante a faxina diária na caixa de entrada!

Stress

Todos essas reações negativas aumentam e são aumentadas pelo stress. Pressa, impaciência, inquietação, irritação, desconcentração e frieza são alguns dos sintomas psicológicos do stress. A lista de manifestações do estado alterado do corpo chamado stress inclui dores pelo corpo, pressão alta, insônia, fadiga e muitas outras moléstias. Em suma, o designer precisa partir do princípio que o usuário está sempre estressado já que a situação em que ele se encontra usando o computador é tensa. Ainda não há computadores que possam ser operados no conforto da poltrona reclinável da sala. Provavelmente isso nunca vai acontecer. Algumas pessoas tentam, mas é ridículo, veja:

Finalmente, um computador confortável?

A solução para todos os males

O barateamento dos notebooks está melhorando esse cenário. Agora os brasileiros podem comprar um por cerca de R$ 2.500, metade do que custava até alguns anos atrás. O notebook é mais confortável porque permite que seja usado em diferentes posições, assentos e locais. Tem gente levando para a cama... e tendo problemas no casamento por isso. Entretanto, também criam outros problemas ergonômicos: incentivam posturas ainda menos saudáveis, aumentam a tensão nos ombros e no pescoço.

Alguns acreditam que a computação ubíqua (ou pervasiva) resolverá esses problemas. Distribuindo os computadores pelo ambiente, teríamos uma sobrecarga cognitiva menor e cada dispositivo poderia ser especialmente adaptado para atender uma função específica. Novos dispositivos dotados de reconhecimento de voz, reconhecimento de gestos, RFIDs e outros aparatos tecnológicos permitiriam uma interação mais natural com os computadores.

A computação ubíqua já é um fato, pois aonde vou sempre tem alguém com um celular (que é também um computador), mas não acredito que o futuro será assim tão perfeito. A computação ubíqua resolverá algumas contradições e criará outras. Só tenho certeza de uma coisa: não é no sentido do natural que caminhamos.

Fred van Amstel (fred@usabilidoido.com.br), 29.09.2006

Veja os coment?rios neste endere?o:
http://www.usabilidoido.com.br/a_ergonomia_insolita_do_pc_e_suas_implicacoes_para_o_design.html