Todo profissional que se preze tem alguns princípios básicos que norteiam o seu trabalho. Princípios não são regras nem heurísticas, eles são direções gerais mais ou menos flexíveis. Como exemplo, cito os princípios de design de interação de Irla Rebelo: Visibilidade, Retorno, Restrição, Mapeamento, Consistência e Fornecimento. Os princípios que norteiam o meu trabalho são ainda mais gerais, pois busco ir das interfaces às interações.
Eu já publiquei alguns slides sobre esses princípios mas nunca escrevi algo explicando. A seguir apresentarei os princípios e contarei as histórias que me fizeram acreditar neles.
Crítica: Questionar o papel das interações na sociedade.
Quando conheci o Instituto Ivrea por volta de 2004 fiquei encafifado com os projetos que os seus alunos desenvolviam. Ao invés de otimizar as interações existentes, eles tentavam explorar novos tipos de interações com a tecnologia. Descobri que um brasileiro (o único) conseguiu estudar lá enquanto o Instituto existia e perguntei pra ele o porquê disso. Belmer Negrillo explicou que uma das coisas que eles faziam no Ivrea era questionar os valores da sociedade através de projetos interativos, como o DolceRadio, um rádio feito de chocolate que estimulava as pessoas a pensarem sobre o consumismo eletrônico.
Gostei muito dessa abordagem e posteriormente conheci os projetos do departamento de design de interação do Royal College of Art, de onde haviam saído alguns dos fundadores do Ivrea. Os projetos do chamado design crítico não tem a pretensão de serem úteis no dia-a-dia, mas de provocar uma reflexão e/ou discussão sobre as interações habituais em nossa sociedade.
Empatia: Colocar-se no lugar do outro e sentir o que ele/ela sente.
Esse princípio eu não saberia dizer quando comecei a acreditar, mas posso contar uma ocasião em que ele foi posto à prova. Eu tinha que realizar um teste de usabilidade no portal Vila Mulher e estava sem namorada na época. Juntei coragem para superar meu próprio preconceito e criei um perfil fake de uma mulher imaginária.
Os colegas de trabalho riram, mas foi muito importante esse tempo que passei interagindo com outras usuárias da rede social. Eu entendi melhor o significado das interações e pude focar o teste nas questões que as mulheres se importavam. Além desse ganho técnico, os desenvolvedores do portal começaram a considerar que eu não deveria ser o único homem no portal se passando por mulher...
Imersão: Entrar no contexto da interação e experimentar o que é possível e o que é impossível.
Muito antes dos smartphones existirem, eu tinha um Palm Vx. O sistema operacional era tão fácil de usar e rápido que eu ainda considero melhor do que iOS e Android nesses quesitos. Ele se encaixava perfeitamente nos momentos do dia-a-dia em que era necessário gravar ou recuperar uma informação rapidamente, como um telefone ou uma lista de compras.
Isso não foi por acaso. O criador do Palm Jeff Hawkins ficou andando com um pedaço de madeira no bolso por uma semana só para compreender em que momentos poderia usar o PDA e como isso influenciaria o desenrolar das atividades. Ele fingia fazer anotações com um pauzinho durante reuniões só para despertar curiosidade entre os presentes. Fazendo isso, ele conseguiu desenvolver uma grande empatia pelos usuários no que se refere à organização do dia-a-dia.
Ética: Observar a moral da comunidade e da sociedade.
Na falecida rede social Orkut era possível adicionar perfis de outras pessoas numa lista de paqueras e depois enviar cantadas. Mesmo que a pessoa informasse seu estado social como casado essas opções continuavam aparecendo. A rede social estava, portanto, incentivando um ato imoral em nossa sociedade, a infidelidade e, de quebra, o ciúmes.
Me chamou muito a atenção a história de uma leitora do Usabilidoido que quase perdeu o marido por causa dessa interface. Ela clicou no botão "paqueras" acreditando que iria ver as paqueras do amigo, mas na verdade o amigo entrou na lista de paqueras dela. Quando o marido viu a lista pediu o divórcio, mas acabou desistindo depois da briga. Como ela, muitas outras pessoas tiveram problemas de relacionamento induzidos pelo Orkut. Não dá pra culpar o Orkut sozinho já que toda interação é de mão-dupla, mas há que considerar a sua cumplicidade.
Estética: Respeitar o gosto alheio.
Em 2004, prestei uma consultoria para o Flogão, um serviço de compartilhamento de fotos popular na época. A primeira coisa que levantei como problemático do ponto de vista da usabilidade era a liberdade total dada aos usuários para customizar seu fotolog. Eu sugeri que não fosse possível combinar cores que tornassem o texto ilegível.
A pesquisa com usuários, entretanto, revelou que essa customização era a funcionalidade que os usuários mais gostavam. Uma usuária me explicou assim: "Eu coloco texto verde-escuro sobre fundo cinza porque eu sou uma pessoa discreta e não quero chamar a atenção". Resolvemos não mexer na funcionalidade e deixar como estava. Aprendi que as pessoas podem gostar de combinações cromáticas muito diferentes das que eu gosto e que isso é essencial na construção de sua identidade cultural.
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