Quando pergunto aos meus alunos da graduação em Design qual a opinião deles sobre metodologia de projeto, a reclamação mais comum é a seguinte: "cada professor que dá aula para gente mostra uma metodologia diferente e nos obriga a trabalhar com ela como se fosse a única metodologia existente".
Como resposta, eu explico que o que os professores (e alguns autores) costumam chamar de metodologia de design é na verdade um método de design. Metodologia refere-se ao estudo crítico de métodos à partir de uma perspectiva teórica, resultando num conhecimento acumulado sobre diversos tipos de métodos e contextos de aplicação. O passo-a-passo que o professor costuma passar é uma estrutura coerente de técnicas para atingir um resultado, ou seja, um método, não uma metodologia.
Pela falta de critérios objetivos para a avaliação da qualidade do resultado do projeto, muitos professores preferem avaliar os alunos pela aplicação do método. Infelizmente, por uma limitação da abordagem pedagógica, os alunos são privados de conhecer a diversidade metodológica que existe na área.
O fato de que cada professor traga um método diferente é positivo para o aluno, pois permite refletir e comparar métodos, porém, raramente os professores fazem essa reflexão junto com os alunos.
Sem estudar criticamente métodos, os alunos se formam sem a capacidade de estruturar uma metodologia por conta própria, preparados apenas para aplicar os métodos que os professores ensinaram. As situações adversas, a falta de recursos e a dificuldade de convencer outras pessoas a seguir o método que o professor ensinou acabam obrigando o recém-formado a desenvolver sua própria metodologia. Os mais rebeldes negam que estejam desenvolvendo qualquer metodologia e se esquivam de discussões sobre processo. Enquanto criticam os professores da faculdade pelo metodologismo, acabam caindo no mesmo erro de projetar de uma única maneira, a sua própria maneira.
Isso também costuma acontecer com profissionais menos rebeldes que utilizam apenas métodos consagrados em seus projetos. Os métodos consagrados costumam adquirir um préço médio no mercado, o que os torna muito mais fáceis de serem comprados e avaliados por clientes. Embora método nenhum consiga garantir inovação, minha experiência me diz que experimentar novos métodos aumenta a chance de inovar. Tal chance é perdida quando a metodologia endurece.
Como professor, eu sempre mostrei para meus alunos diversas teorias e métodos, mesmo que isso causasse confusão. O baralho de cartas da IDEO era um recurso que eu gostava muito para isso, porém, ele não me parecia muito prático durante o planejamento de um projeto. Inspirado nesse baralho, criamos um baralho mais avançado no Instituto Faber-Ludens, o UXCards.
O UXCards permite planejar um projeto à partir dos métodos disponíveis e das cartas de recursos. Sendo assim, ele se torna útil não só para alunos mas também para profissionais de mercado. Fizemos um programa beta para ver como os UXCards se integravam na rotina de projeto, mas recebemos pouco feedback dos participantes.
Só tive a oportunidade de avaliar a utilidade do UXCards na disciplina Hipermídia III que ministrei na PUCPR. Eu pedi aos alunos que planejassem o projeto principal da disciplina utilizando os UXCards. Depois que o projeto já estava sendo desenvolvido, pedi para atualizar o planejamento mais duas vezes. Ao final da disciplina, pedi aos alunos que escrevessem um reflexão sobre as vantagens e desvantagens de utilizar os UXCards.
Uma novidade que introduzi foi a utilização de quadros brancos como espaço de planejamento. Ele incentivou os alunos a acrescentarem informações tais como requisitos, tarefas e prazos para a execução dos métodos.
Os comentários dos alunos foram bem interessantes:
"O processo de planejamento com as UXCards também ajudou a ver o projeto como um todo e compreender mais facilmente qual seria a melhor hora de realizar cada método, pois alguns deles dependem de outros."
"Através dele tivemos a liberdade de escolher quais metodologias utilizar para desenvolver nosso projeto, descobrindo as várias metodologias e aprendendo que elas devem ser combinadas e como podem ser realizadas, além de criar maturidade ao ter a responsabilidade de desenvolver o projeto através das nossas próprias escolhas."
"Após aprendermos a utilizar o baralho, ele foi de grande ajuda, pois auxiliou a lembrar de técnicas do design já esquecidas ou pouco utilizadas nos demais projetos. Contudo, na empolgação de utilizar várias técnicas para um projeto mais robusto e completo, acabou-se por colocar mais tarefas do que o prazo permitia ou que poderíamos fazer. Refizemos então, o planejamento, retirando algumas atividades. O que realmente valeu a pena foi registrar estes passos, pois se pode observar o processo no decorrer do projeto."
"Ao realizar projetos, a parte de planejamento é sempre a mais difícil para mim. Sou o tipo de pessoa que geralmente gosta de pular direto para a parte prática, e sempre acabo meio perdido com todas as técnicas de planejamento, sem saber bem por onde começar ou qual é a real necessidade de tantas etapas. Os UXCards me ajudaram por serem uma maneira mais dinâmica de organização, que me permitiram organizar minhas ideias de forma mais conexa e rápida."
As vantagens mencionadas pelos alunos foram:
E as desvantagens:
Mesmo com toda a flexibilidade que os UXCards oferece, um aluno reconheceu que simplesmente replicou a metodologia que já havia aprendido anterioremente.
"O uso dos cartões em sala me ajudou a memorizar o processo e dar uma forma física para ele, mas como disse anteriormente, fui apenas compondo a velha metodologia que já estava impregnada em minha mente."
Isso significa que os UXCards sozinho não vai promover a diversidade metodológica no design. Isso depende não só de uma mudança no ensino, mas também na própria prática. Os profissionais e professores precisam estar mais abertos para conhecer novos métodos tanto quanto estão abertos a conhecer novas ferramentas. Minha experiência com alunos e profissionais de mercado é que aqueles que curtem a diversidade metodológica estão sempre se atualizando e fazendo coisas novas.
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Acho que algumas das maiores dificuldades do designer resulta do que você falou sobre a "falta de critérios objetivos para avaliação da qualidade do resultado do projeto". Se a gente não pode avaliar (ou se qualquer avaliação é válida), fica difícil de nortear ou melhorar as práticas projetuais. Sem esse feedback sobre o alcance ou não dos objetivos dos projetos, quando o designer sai da faculdade (ou do curso técnico, ou do livro que seja), ou ele vai manter as práticas que aprendeu e que podem estar defasadas (não sendo mais eficazes para atingir os objetivos almejados) ou vai só acompanhar as últimas tendências, como se design fosse moda.
Uma dificuldade quase inerente do design (enquanto atividade projetual quase sempre separada da produção - embora isso não seja uma regra) é a demora entre a atividade projetual e os resultados do projeto (quanto mais imediato e frequente o feedback, mais rápido o aprendizado). Mas quando nem se sabe quais são os critérios pra se avaliar o projeto, fica muito, mas muito difícil mesmo qualquer aprendizagem ou melhora das práticas projetuais. Ou a coisa cai pra tradição, superstição e cerimonias ou vai pro modismo efêmero.
Excelente complemento, Lobato. Eu diria até que a distância entre design, produção e uso é a origem dessa falta de critérios de qualidade do produto. Nas raras exceções em que o designer participa da produção e observa o uso, os critérios surgem como heurísticas do aprendizado experiencial. Ele aprende o que é bom para produzir e usar porque viu com seus próprios olhos. Pode até não saber explicar de maneira articulada, mas sabe mostrar se alguém perguntar.
Agora por que esse tipo de situação é rara? Por que o designer não costuma acompanhar produção e uso? Eu proponho algumas explicações:
- A classe profissional de designers têm trabalhado para se distinguir de produtores e artistas. A noção de projeto é fundamental para essa distinção, como se arte e produção não tivessem projetos à sua maneira.
- Designers são pagos pela entrega do projeto, não pelo resultado que entregam, até por que é muito difícil de mensurar e garantir esses resultados. Logo, não há vantagens comerciais em participar da produção e do uso para o designer.
- Designers não são gerenciados por designers. Pelos poucos projetos que puderam experimentar um pouco da participação em produção e uso, designers sabem as vantagens para a qualidade do produto, mas não conseguem defender isso junto a gestores de outras áreas. Os ganhos de qualidade não são explícitos em processos, ou seja, não dá pra apontar e mostrar no produto. Tem mais a ver com processo.
O que eu tenho feito para minimizar esses problemas é estimular meus alunos a desenvolver habilidades de produção e observação do uso. Simplificando, eu acho que designers digitais devem saber programar tanto quanto fazer testes de usabilidade para ter critérios avançados de qualidade.
Vocês podem indicar alguma bibliografia que complemente o conteúdo do post? É um assunto muito bom e sempre em questão em projetos de design. E como citado, designers não são gerenciados por designers e nesse caso, bibliografias sempre auxiliam não designers na evangelização de conceitos e entendimentos.
Oi Lemes! Esse livro em PDF do Hugh Dubberly é um compêndio de processos e metodologias de design, nas mais diversas áreas de aplicação. Lá dentro você vai encontrar várias referências bibliográficas para aprofundamento. O mais legal de tudo é que o livro é bem visual (aliás recomendo imprimí-lo para melhor apreciar).
How do you design?
http://www.dubberly.com/articles/how-do-you-design.html
"Designers são pagos pela entrega do projeto, não pelo resultado que entregam, até por que é muito difícil de mensurar e garantir esses resultados. Logo, não há vantagens comerciais em participar da produção e do uso para o designer."
Disse tudo em poucas palavras:
a) Quando os resultados do projeto ocorrem, o designer já está alocado em outro(s) projeto(s);
b) Muitos poucos designers realizam o acompanhamento ou follow-up dos resultados;
c) Problema do principal-agente ( https://pt.wikipedia.org/wiki/Problema_do_principal-agente )
Sem feedback (ou com feedback conflitante entre os interesses do cliente e do usuário e os interesses do designer), sem aprendizagem efetiva (e como consequência, manutenção da tradição ou mudança pelas últimas tendências da moda).
Um começo pra evitar esses 2 polos sem aprendizagem, na minha opinião, é tentar esclarecer os objetivos do projeto antes de mais nada. Mas designers são conhecidos por tentarem solucionar problemas complexos, mal definidos, não estruturados ou capciosos; e segundo o Bryan Lawson, por ex, essa estratégia de resolução de problemas (análise através da síntese) é utilizada pelos designers mesmo quando os problemas são bem definidos, caracterizando o design thinking, pro bem (como argumenta o Nigel Cross, Tim Brown e demais galera do DT) ou pro mal (como argumenta o Gui Bonsiepe).
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