Design de interação é uma disciplina prática e, por isso, conta com poucos estudos conceituais sérios. A maioria das pessoas que se identificam com o termo não se preocupa em definí-lo e ficam satisfeitas de citar alguém que já o tenha definido.
Em 2006 eu dei uma definição que foi adotada por muitas pessoas: "Design de Interação é a maneira como um produto proporciona ações em conjunto entre pessoas e sistemas". Hoje eu vejo diferente me sinto na responsabilidade de atualizá-la.
Desde 2006, as áreas de atuação da disciplina se expandiram para todos os lados: publicidade, educação, urbanismo e outras. Em muitas dessas aplicações, o papel do designer de interação já não é mais de definir o sistema e sim de delinear a interação entre as pessoas.
Palavras como "social" e "experiência" fulguram no linguajar da área com maior frequência do que os anteriores "navegação" e "informação". Isso indica uma expansão da área para além da interação. Eu ainda acho que vale à pena manter o termo interação, bastando que este termo tenha seu significado expandido também.
Antes de propor uma expansão de "interação", vou voltar às origens do termo e mostrar como ele já estava se expandindo há tempos.
Os primeiros usos da palavra interação aconteceram na Física, indicando a ação de um objeto sobre outro. Estes objetos poderiam ser astros celestes, partículas pontuais ou até mesmo campos quânticos. Um exemplo clássico é a força nuclear, disparada pelo encontro de um neutron com um proton.
A explosão nuclear é intensa, mas tem um fim. Isso porque na física, a interação tende ao equilíbrio. Os objetos interagem devido à diferença que existe entre eles (carga, direção ou estado). A interação ocorre até que a relação entre em equilíbrio, ou seja, até que a diferença entre os objetos seja mínima.
A Biologia emprestou o termo interação da Física com a mesma tendência ao equilíbrio, porém, para estudar um tipo diferente de equilíbrio: o ecológico. No equilíbrio ecológico, a interação não anula a diferença. Uma interação entre seres vivos pode parecer fora de equilíbrio como, por exemplo, o parasitismo. Porém, quando essa interação é vista em relação a interações com outros seres vivos, o equilíbrio aparece.
Quando a gente vê um animal sendo comido pelo outro no documentário da televisão, a gente sente pena. Porém, se olharmos pela lente da ecologia, um animal serve de alimento ao outro e assim o ecossistema persevera.
Além da interação trófica, existem outros tipos de interações biológicas. As interações do tipo simbiose duram mais tempo e podem até ser vantajosas para ambos os seres-vivos. O peixe palhaço, por exemplo, se esconde de predadores dentro da anêmona, que é venenosa para outros peixes. Em troca, o peixe fornece excremento, que é um bom alimento para a anêmona, além de atrair presas para a anêmona.
A Sociologia empresta o termo interação da Física e Biologia para argumentar que nenhum indivíduo age isoladamente. Toda ação é, na verdade, uma interação.
?Os indivíduos são ligados uns aos outros por uma trama de relações sociais e a interação implicada pela orientação do comportamento em relação a outrem toma lugar, por conseguinte, no seio de um conjunto.? (Simmel e Weber)
Isso quer dizer que a maneira como duas pessoas interagem depende da maneira como seus tipos interagem na sociedade. Por exemplo, nenhum casal contemporâneo (hétero ou homo) pode escapar do comprometimento esperado pela sociedade com o relacionamento amoroso. A expectativa de que os demais irão cobrar esse comprometimento já interfere nas interações do casal. O casamento gay é uma reinvidicação séria pois há uma expectativa crescente da sociedade em relação ao relacionamento.
A Psicologia Social tem um foco menos abrangente do que a Sociologia. Ao invés de explicar o comportamento do indivíduo pela relação com a sociedade em geral, a disciplina tenta explicar o comportamento humano pela relação do indivíduo com seus pares diretos; como conversam, como se olham e como se tocam.
Esse foco reduzido permitiu o estudo da interação através de experimentos de laboratório. Stanley Milgram ficou famoso por um experimento que supostamente demonstra a tendência das pessoas a obedecerem ordens mesmo que as consequências sejam funestas.
A interação em laboratório é questionada por outros psicólogos sociais como sendo muito artificial, ou seja, uma interação forçada. No dia-a-dia, as pessoas interagiriam de maneira mais espontânea. Brincando com essa contradição entre o espontâneo e o forçado, existe um jogo Indie para aprender a interagir com as outras pessoas em diferentes situações: no urinol, no caixa de supermercado e no ônibus.
A Antropologia utiliza o termo interação para estudar a maneira como as pessoas constróem significados a partir de situações específicas. Ao invés de buscar tipos universais de interações (obediência a autoridade por exemplo), a Antropologia estuda interações que acontecem num contexto determinado (o ritual de uma comunidade por exemplo).
O interacionismo simbólico é uma abordagem utilizada na Antropologia que distingue os componentes predisposição, motivação e complexidade. Predisposição são as possibilidades de ação que as pessoas têm. Motivação diz respeito às origens e aos resultados esperados da ação. Complexidade é o que acontece quando se cruzam essas duas coisas: o que a pessoa deseja fazer com o que ela pode fazer numa determinada situação. Este dilema não é uma mera questão de estímulo-resposta, mas sim de uma escolha perante múltiplas interações.
A interação na Computação adquire um significado bem diferente, mais mecânico. A interação transforma o estado do computador da mesma forma que transforma a mente do usuário. Mente e computador funcionam de maneira similar e o propósito da interação é trocar informações entre esses dois sistemas.
Surge então um termo derivado para definir a quantidade de interação: a interatividade. Quanto mais interativo um sistema, mais informação ele troca com o outro. Com o tempo, a questão da quantidade dá lugar à qualidade, pois nem toda a informação trocada é útil. O termo interatividade cai em desuso e interação volta à proeminência.
A abordagem interação humano-computador estuda e experimenta diferentes maneiras como as pessoas podem interagir com computadores, levando em consideração os aspectos sociológicos, psicológicos e antropológicos levantados pelas disciplinas anteriores. O objetivo é tornar os computadores mais sensíveis à maneira como as pessoas já estão acostumadas a interagir com objetos e outras pessoas, evitando a frustração do usuário.
A novidade introduzida pelo design é a possibilidade de projetar interações. Ao invés de focalizar na interação com o computador, o design focaliza na interação entre pessoas por meio do computador e outras mídias. Quando a interação é projetada, as pessoas podem interagir de uma determinada maneira.
O modelo mais famoso modelo de interação no design é o de Bill Verplank, modelo este que eu já critiquei no meu blog em inglês.
Alguns designers dizem que não é possível projetar uma interação, apenas projetar para interações. Eles argumentam que as pessoas não interagem da maneira como se projeta e que forçá-las a interagir de uma determinada maneira é contraproducente.
O professor Caio Vassão coloca em sua tese de doutorado que a noção de projeto já é em si emergente, ou seja, que o resultado de um projeto não pode ser determinado mesmo. Eu concordo que projetar não é determinar e, portanto, acredito ser possível projetar interações. Faço a ressalva que é preciso ter em mente que os resultados esperados não serão garantidos e que as interações inesperadas podem até dar origem a uma inovação.
Com a minha cebola dos contextos, eu vejo três tipos de interação que podem ser projetadas: pessoa-objeto (no contexto simbólico), pessoa-pessoa (no contexto social) e pessoa-mundo (no contexto cultural).
A interação pessoa-objeto é o foco da interação humano-computador que já mencionei anteriormente. O projeto torna a pessoa mais parecida com o objeto ou torna o objeto mais parecido com a pessoa. Parecido não no sentido visual apenas, mas também no sentido lógico e funcional. Pela interação continuada, a pessoa e o objeto vão se tornando mais parecidos até que se tornam um só. Isso é o equivalente ao estado de equilíbrio da Física ou a simbiose da Biologia. Esse era o estado do design de interação quando dei minha definição em 2006. Os métodos abaixo são os mais usados para projetar a interaçao pessoa-objeto:
A interação pessoa-pessoa é estudada pela Sociologia e Antropologia mas essas disciplinas não arriscam projetá-la. A Psicologia Social projeta interações entre pessoas através de experimentos em laboratório, porém, só garante resultados quando há controle da situação. O design de interação expandiu a interação humano-computador com o insight de que era possível projetar a interação entre pessoas mesmo sem controle da situação. O projeto consiste numa série de meios para pessoas interagirem, trocando informações, afetos e outros objetos. Não é necessário o controle da situação pois o projeto prevê que aconteçam interações inesperadas, potencialmente inovadoras. Esse é o estado atual do design de interação, preocupado com o aspecto social dos aplicativos e a experiência do usuário. Os métodos abaixo são eventualmente utilizados para projetar a interação pessoa-pessoa:
A interação pessoa-mundo já é tema da Biologia, Sociologia e Antropologia. As disciplinas de projeto tateiam nesse sentido, com noções operacionalizadas e extremamente redutoras da relação pessoa-mundo. Por exemplo, os estilo de vida baseados em perfis demográficos, que mais se parecem com caricaturas do que com pessoas reais. Outro exemplo são os estudos de ciclo de vida feitos no âmbito da sustentabilidade. Eu acredito que para evoluir nesse sentido, é preciso pensar a cultura para além dos estereótipos, evitar os clichês e olhar para o futuro de maneira muito crítica. Os métodos abaixo são pouco usados, mas eu acredito que podem ajudar a projetar a interação pessoa-mundo:
Considerando a expansão da prática de design de interação desde minha definição em 2006, eu redefino design de interação assim:
Design de interação é o projeto da interação entre pessoas que ocorre por meio de tecnologias digitais ou analógicas.
Não incluí a interação pessoa-objeto por considerá-la superada e também não incluí pessoa-mundo por acreditar que não está claro se este é ou não é um domínio do design de interaçao. Vejamos o que acontece nos próximos 9 anos.
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