Este mês foi publicado um artigo acadêmico que ajudei meu ex-aluno Rodrigo Gonzatto a escrever. É o primeiro artigo que publicamos numa revista acadêmica de nível internacional, a Digital Creativity. O processo todo de redação, submissão e revisão durou mais de 1 ano. É muito mais trabalho do que publicar artigo num congresso porque o controle de qualidade é muito maior.
O artigo é sobre ideologias no design, um tema que a gente já vinha trabalhando desde 2010. Na época, a gente mandou junto com o Renato Costa um artigo para o congresso P&D dizendo que o discurso da produção racional acabava escondendo as ideologias que o design promove, por exemplo, o consumismo. A gente propunha em contrapartida o método do humor, desenvolvido pelo Gonzatto quando ele estudava no Faber-Ludens. O humor cria uma situação social mais propícia para fazer críticas abertamente, pois se alguém se ofender é só dizer: "brincadeirinha..."
Um dos exemplos analisados no artigo é a oficina superpopulosa de design de piadas organizada pelo Gonzatto no NDesign 2010.
Sinal de que a gente meteu o dedo na ferida do design foi a rejeição do artigo pelo comitê científico do congresso. Disseram que a gente estava usando referências científicas ultrapassadas, tipo Michel Foucault... Ok. Submetemos ao SBGames e o artigo foi publicado.
Ano passado saiu uma chamada para uma edição especial da Digital Creativity sobre Ficções de Design procurando projetos que estejam pensando o impacto social de novas tecnologias, numa perspectiva crítica. Nesse meio tempo, Gonzatto começou o seu mestrado e decidiu trabalhar com um autor brasileiro relativamente desconhecido, o filósofo Álvaro Vieira Pinto. Esse filósofo criticava a ditadura militar brasileira por confiar demais na tecnologia como agente de desenvolvimento. Ele chamava esse tipo de ideologia de futurologia, que tenta usar o futuro como uma promessa política no presente.
No Faber-Ludens, a gente já tinha desenvolvido alguns projetos de Ficções de Design, apresentados na minha palestra no Cadut. Na minha disciplina de Fundamentos de Design de Interação, eu fazia questão de mostrar além das teorias tradicionais de IHC. Eu mostrava as ficções criadas pelo Royal College of Art, que eles chamam de Design Crítico. Quando eu mostrava pros meus alunos (incluindo o próprio Gonzatto) eles ficavam desconfiados: "O que é que tem de crítico nisso?" Quem quiser escutar a discussão, a gravação da aula está disponível aqui no Usabilidoido.
O crítico do design crítico já não era mais crítico quando saia de contexto. Apesar de estarem cientes dessa limitação, os professores do RCA Anthony Dunne & Fionna Raby defendiam que o usuário precisava ser provocado para sair do seu estado de alienação das ideologias do design.
Apesar da gente simpatizar com a proposta do Design Crítico, eu e o Gonzatto não conseguíamos aceitar essa ideia de que o usuário é alienado. O uso para nós é um ato criativo que se baseia na consciência das condições de ação. O chamado estado alienado é nada menos que uma tática para sobreviver ao bombardeamento de informação diário. Tem um propósito.
O que nos preocupa não é alienação do indivíduo, mas a possibilidade de conscientização coletiva. As pessoas já estão resistindo à sua maneira à massificação, porém, se elas se unirem, existem possibilidade real de evitar injustiças, tais como o etnocentrismo. Nossas discussões acabaram nos levando a pensar um outro paradigma de design, que o Gonzatto deu o nome de Design Livre.
O bacana do autor que ele escolheu pra trabalhar no mestrado é que ele oferece uma perspectiva sobre ideologia diferente do que se costuma estudar em teorias sociológicas. Em geral, ideologia é visto como um fator externo ao sujeito, que no caso do capitalismo justifica a exploração e no caso do comunismo enobrece o pertencimento ao coletivo. Pro Vieira Pinto, a ideologia é uma produção constante de sentido, tanto pelo sujeito, quanto pela sociedade. Ele acreditava que era possível um outro tipo de ideologia, uma ideologia capaz de libertar o Brasil do estado de dependência política e tecnológica em que se encontrava.
O artigo que a gente publicou compara três pólos de produção de ficções de design: Microsoft Office Labs, com o seu famoso Microsoft 2019, o Royal College of Art já citado, e o Faber-Ludens. O primeiro tenta garantir que o futuro do usuário está em boas mãos, visualizando o futuro como uma continuação do presente. O segundo obriga o usuário a refletir sobre os possíveis impactos negativos ou ridículos das novas tecnologias. O terceiro utiliza o método do humor para criar narrativas abertas, com a participação de usuários. O artigo explica em detalhes.
A gente tá pensando no futuro em fazer alguns estudos de recepção, algo como um teste de usabilidade das ficções de design. Talvez isso ajude a perceber concretamente como essas ideologias são produzidas e reproduzidas. Se você estiver interessado em colaborar com nossas pesquisas, entre em contato!
Siga-me no Twitter, Facebook, LinkedIn ou Instagram.
Assine nosso conteúdo e receba as novidades!
Atualizado com o Movable Type.
Alguns direitos reservados por Frederick van Amstel.
Apresentação do autor | Website internacional | Política de Privacidade | Contato