Em 2022, participei da série M.A.D. (Mercado e Academia de Design) do podcast e canal DesignTeam pra falar sobre o nascente Design Prospectivo. Na época, estávamos tentando aprovar o primeiro programa de pós-graduação nessa área no Brasil. O programa foi aprovado 2 anos depois, em 2024 na UTFPR, e a primeira turma deve começar agora em Agosto de 2025 na modalidade presencial. Interessados em estudar na UTFPR podem se inscrever neste formulário e seguir as instruções do edital de seleção.
Para contribuir com o burburinho gerado em torno desse curso, resolvi transcrever a entrevista concedida a Rafael Burity e Thoz Gonçalvez. As perguntas deles foram instigantes e demonstram que há interesse no mercado de trabalho por essa nova área de especialização, principalmente, no tocante à inovação.
Começamos falando sobre minha trajetória desde os tempos pioneiros da usabilidade no Brasil até minhas pesquisas atuais sobre design prospectivo, opressão e sistemas sociotécnicos.
Thoz: O canal Design Team apresenta... MAD, Mercado e Academia de Design, provocando diálogos necessários. Vamos lá, estamos de volta para mais um MAD, a segunda temporada do nosso Mercado, Academia e Design.
Burity: Não era isso, Thoz, que era o nome dele?
Thoz: Eu nem lembro, mas tem quase um ano. Já faz tanto tempo que eu também não lembro. Mas acho que a sigla era essa mesma, essa loucura aí, esse MAD.
Burity: Vamos então voltar, vamos trazer de volta aí. A gente já tinha uma lista extensa de futuros convidados, depois dessa primeira temporada ali com cinco convidados, que eu acredito que todo mundo gostou, que todo mundo curtiu. A gente entrou em assuntos muito interessantes e aprofundou eles. E essa segunda temporada não vai ser diferente. A gente quer mais uma vez trazer esse confronto ou essa junção, essa parceria, não sei, Mercado e Academia. Como é que eles estão se relacionando? Criando diálogo. Esse era o nosso slogan, não era isso?
Thoz: Era esse, era esse.
Burity: Boa, então a gente tem um convidado especial e segundo ele, Thoz, design é uma relação entre coisas, porém, relações entre coisas são limitadas por uma caixa de possibilidades, formada por tabus, tecnologias e regulações. E as possibilidades são possíveis, prováveis, improváveis, impossíveis e até impensadas. O papo é meio louco, né? Eu acho que a gente trouxe um tema aí bem alto nível, né, Thoz?
Thoz: É, pra combinar com o nome, né? Pra voltar em grande estilo aí, né? Bom, quem tá com a gente aqui hoje, né? Convidado especial aí, que tem uma bagagem acadêmica bem interessante aí, né, professor.
Burity: Boa, é ele que vai trazer pra gente aí, né, o que ele tem trabalhado na academia desse chamado design prospectivo, né? E eu não vou nem me arriscar a explicar isso, Thoz, eu acho que é melhor deixar pra ele mesmo, né?
Thoz: Exatamente, né? E quem tá aqui com a gente hoje é o Fred, nosso amigo Fred aí, Fred van Amstel. Eu não sei se falei certo, Fred, mas seja muito bem-vindo. Obrigado por aceitar o convite aí, né, e gravar aqui com a gente. Seja muito bem-vindo aí, por favor, se apresente aí para os loucos ouvintes aí do MAD.
Fred: E aí, galera do Design Team, obrigado aí o convite, Thoz e Burity. É muito bacana estar aqui batendo papo com vocês e por estar mais próximo, das demandas, das atividades que estão rolando na sociedade além da academia. Como vocês sabem bem, por isso vocês estão me convidando. Eu sou uma pessoa que passou por esses dois lados. Eu tive muita atuação no mercado, inclusive fui um dos pioneiros na área de experiência do usuário aqui no Brasil. A partir dos anos 2000, já estava trabalhando nessa área, na época em que tudo era mato. Você falar de usabilidade era coisa de maluco, então eu resolvi abrir um website em 2003 chamado Usabilidoido, que documentava as minhas tentativas de priorizar a experiência do usuário nos projetos.
Nessa época, essa palavra "experiência do usuário" nem era usada, pra você ter uma ideia de como é velho esse negócio. E a gente foi olhando pro futuro, né, e pensando que não tem como a tecnologia da informação se popularizar do jeito que já aconteceu em outros países e como a gente imagina que vai acontecer no futuro se não se preocupar com usabilidade, mas também com outras qualidades que depois foram sendo agregadas e formou o que a gente chama de experiência do usuário, como por exemplo, a beleza, a questão da encontrabilidade das coisas, a questão da confiabilidade das informações e por aí vai.
A gente tá hoje já cansado de discutir, mas na real, naquela época, nos idos dos anos 2000, ainda era muito incipiente. A preocupação basicamente era com a eficiência do sistema, se ele rodasse rapidamente, né, se a página web navegasse rapidamente já tava bom. E isso não era necessariamente bom do ponto de vista do usuário. A gente observava isso em teste de usabilidade, que precisava ter uma navegação baseada em um processo.
Então quem começou a trabalhar nessa época teve que prospectar um futuro que ainda não existia, né. A gente, quando ia trabalhar, a gente não tinha um cargo de arquiteto da informação, que foi um dos primeiros que surgiu. Depois engenheiro da usabilidade, designer de interação e agora tal do UX designer e seus vairantes como o UX researcher e o product designer. Nada disso existia nessa época.
Você era um web designer, webmaster, no máximo, às vezes você era um programador, um desenvolvedor e você tinha que encaixar o trabalho de experiência do usuário como um a mais que você fazia, às vezes até escondido. Assim a gente foi construindo, através de resultados, a crença de que valia a pena investir nisso. Então essa é a minha história de quem teve nos idos dos anos 2000 trabalhado nessa área e buscando agora, mais recentemente, na academia. Porque eu vi o processo ser incorporado pelo mercado, a partir do momento que ele se tornou engessado, com pouca inovação, mais do mesmo, eu migrei totalmente para a academia. Desde 2011, mais ou menos, eu já estou full time na academia e aqui eu estou buscando o que vem depois.
Thoz: É, já passou pelo mercado, tá na academia e a saudade. Tem saudade?
Fred: Ah, com certeza, por isso que eu tô com vocês aqui em outros eventos e participando de todas as oportunidades que eu tenho para me atualizar e ver o que o povo tá fazendo de projeto prático, botando a mão na massa, porque eu acredito que isso também ajuda quem tá na academia a se informar sobre o que vai ser importante para ensinar para os estudantes, a questão da formação, mas principalmente quais são as dificuldades e contradições que existem hoje no mercado para as quais a gente pode direcionar novas pesquisas e, assim, superar essas contradições.
Thoz: Perfeito. E vice-versa, né, a gente criou justamente o MAD justamente para fazer esse diálogo, como a gente falou ali na abertura, né, para também trazer as pesquisas que estão sendo feitas na academia e ver a aplicabilidade delas também, do que está sendo pesquisado, do que está sendo produzido de conhecimento na academia, ver como isso pode se aplicar em algum contexto, experimentar também isso. Então, eu acho que é um diálogo mesmo, é uma conversa entre esses dois mundos, que em alguns casos eles se contrapõem. Mas falando um pouco do tema, da sua pesquisa, do tema do nosso episódio de hoje, como o Burity falou, o design prospectivo, que ele nem se atreve a tentar definir o que é. Qual que seria a definição desse design prospectivo?
Fred: Bom, o design prospectivo seria justamente o foco atual das minhas pesquisas, ou seja, algo que não está hoje estabelecido no mercado, porque se estivesse eu não estaria pesquisando. A função da academia é construir novos conhecimentos. O que já é conhecido, já é praticado, não há necessidade de pesquisar na academia. Há necessidade sim de pesquisar no mercado, pois o mercado também faz pesquisa, o UX research é um exemplo disso, de uma área de pesquisa aplicada. Quando a gente está trabalhando na academia full time, a gente normalmente faz a pesquisa básica, que é sobre os fundamentos daquela área, de modo que a gente veja uma realidade que a gente não estava vendo.
Então o design prospectivo ele olha para o fundamento do design que é ser prospectivo por natureza. Quer dizer, todo projeto se orienta a um futuro que ainda não aconteceu. A própria etimologia da palavra "pro" significa lançar, se jogar, projetar. Então a gente está recuperando isso que está sendo perdido na maior parte dos projetos hoje no mercado de trabalho. O projeto acaba sendo uma reprodução de padrões, tanto é que a gente vê uma proliferação muito grande dos design systems, dos padrões de interação, dos patterns, dos sistemas de design ops, que são processos importantíssimos para aumentar a escala, mas que perdem a visão de como as coisas vão ser no futuro.
Como é que você vai projetar hoje pensando que esse futuro vai chegar amanhã e quando chegar você está pronto, mais preparado para aquele futuro. Ou então, o que é mais interessante, aquele futuro que não vai ser atingido se você fizer um projeto. Porque hoje nós temos várias tendências na nossa sociedade para acontecerem crises, caos, catástrofes climáticas e por aí vai. É pra onde a gente está indo. Se a gente fizer novos projetos visando outros futuros, futuros alternativos, é capaz que a gente consiga dar essa guinada e vivenciar um outro futuro com menos catástrofe, com menos crises ou com outras crises mais construtivas, crises que não vão ameaçar, por exemplo, a existência da espécie humana nesse planeta.
Burity: Boa! Você fala que o design prospectivo trata de relações e a gente está agora falando de futuro, de projetar, de pensar algo, mas também, de certa forma, tornar ele realidade, ou capacitar-nos para poder lidar com ele no futuro. Mas o que são essas novas relações? No seu material você fala um pouco da relação com a natureza, com os animais também, mas como é que isso funciona?
Fred: Na experiência do usuário, no mercado de trabalho atualmente nós estamos acostumados a lidar com o conceito de experiência que é uma coisa abstrata. Você não toca uma experiência, não põe a mão, mas você projeta essa experiência. É um momento atual que a gente está vivendo, em que o design está orientado a experiências. Eu acredito que a tendência nova é estar orientado a relações. As relações também têm essa característica mais abstrata, pois você não pega uma relação. Uma diferença importante da experiência é a sua duração. Enquanto que uma experiência pode durar algumas horas, talvez alguns dias, a relação pode durar meses, se não anos.
Então a perspectiva de projeto, o escopo de projeto é mais amplo. E quando a gente fala de relações, nós não estamos só incluindo pessoas. Ninguém projeta experiências para animais ou vegetais, até porque a gente tem dúvidas se eles realmente têm experiências tais como têm seres humanos. Mas a gente pode sim projetar relações com os animais, relações com as plantas e relações com pessoas diferentes na nossa sociedade, numa perspectiva de longo prazo visando novas qualidades.
No começo da nossa área de experiência do usuário, a primeira qualidade que a gente prezou era a usabilidade, tanto é que eu abri o Usabilidoido. Depois vieram outras, como a questão da emoção e a questão da encontrabilidade. Quando a gente pensa em relações, são outras qualidades que se tornam importantes para o design e é justamente ali que a gente está concentrando as pesquisas. Quais são as qualidades, que a gente está chamando de relacionais, para essa nova área? Quais vão ser as "dades" dessa área?
A sustentabilidade com certeza é o primeiro item dessa lista, mas a gente está percebendo que também a democracia pode ser pensada como resultado do design. Se, por exemplo, hoje a gente já vivenciou um cenário em que as nossas decisões eleitorais são tomadas com base nas nossas interações em redes sociais, a gente pode pensar que a gente já está projetando relações menos democráticas na nossa sociedade. Porém, a gente também pode pensar em fazer o contrário, projetar relações mais democráticas e por aí vai. A caixa de possibilidades dessa qualidade é muito grande e ainda muito pouco explorada.
Burity: Em um dos seus artigos você fala um pouco das quatro ordens do Buchanan. Se voltar um pouquinho no passado e até contrariando um pouco o papo de que muita gente hoje fala, romântico, de que design começou com pessoas. A gente começou no mercado com imagem, com a comunicação e aí a coisa foi evoluindo para o uso, para a usabilidade, para a melhoria. O Buchanan ele até propõe outras coisas. Como é que você vê isso se encaixando nessa visão nova do prospectivo? Porque do jeito que você me fala, muda completamente o modelo de enxergar como eu estou projetando, inclusive o artefato final do que eu estou projetando.
Fred: Perfeito, exatamente, é uma ruptura de paradigma. Não é só um upgrade profissional em que você faz um curso rápido e tá de boa, sabendo fazer design prospectivo. Por isso que é pesquisa básica; a gente está tentando fundar essa área de design com base numa perspectiva de futuro que não só considera os seres humanos. Porque hoje, essas crises e catástrofes que eu estava mencionando, são em parte resultado de projetos centrados nos seres humanos, que podem ser chamados de maneira mais crítica de antropocentrismo.
Antropocentrismo significa o quê? Que se projetam relações com os entes da natureza e relações com outras pessoas para que seja priorizado somente as necessidades de um grupo de seres humanos. E não estou falando de todos os seres humanos, porque todo projeto centrado no usuário tem ali uma determinada definição de segmento, público-alvo, ou outras denominações. A centralização por si só já é uma maneira de pensar um ecossistema de maneira insustentável, pois não existe ecossistema centralizado na natureza. Os ecossistemas são distribuídos por natureza, porque a acumulação gera letargia, gera dificuldade de processamento de informação, de energia e por aí vai.
O design prospectivo vai trabalhar com um design descentrado, de maneira mais simplificada, um design que busca priorizar um único tipo de agente, um único tipo de pessoa ou um único tipo de ser vivo. Por isso que, ao invés de focar no item que está na rede a gente foca nas relações dessa entidade e aí não importa quais são as entidades, se é um ser vivo, ser humano, ou talvez até um ser que não é vivo, um ser mineral. Porque a gente também quer discutir a nossa relação com o petróleo, que é uma relação muito delicada e que carece urgentemente de uma transição.
Burity: Boa! Thoz, ele puxou um negócio que eu acho que é polêmico e vale discutir mais. Porque se o design prospectivo é essa descentralização a gente vai de encontro, Fred, meio que quebrando o paradigma do "é centrado no usuário", né?
Fred: Com certeza. A gente quebra com a ideia de usuário porque no design prospectivo não existe usuário, não existe um projeto que você entrega e alguém vai usar. O design prospectivo é o projeto da nossa realidade, entende? É nesse nível que a gente está querendo discutir, porque, pensa bem, você pode olhar para uma televisão, você pode olhar para um celular, você pode olhar para uma cadeira e pensar "putz, isso aqui me permite usar para uma atividade", mas se tu pode pensar em todas essas coisas juntas, fazendo parte de um ecossistema, que é o teu home office, aí você já começa a perceber "bom, o meu home office muda a minha percepção de realidade". Fica trancado durante dois anos dentro de um home office que você vai perceber uma alteração forte da sua realidade, inclusive no sentido dessa realidade parecer ameaçadora, amedrontadora, impossível e até mesmo parecer inviável, no sentido de que muitas pessoas, por causa do enclausuramento em home office, cometeram suicídio.
Então esse tipo de crise, que não acontece individualmente porque o suicídio é um fenômeno de massa relacionado à pandemia e outros fatores, tem muito a ver com uma descrença de que o futuro possa ser melhor. Então, o projeto prospectivo vai promover uma transição na sociedade de modo que a realidade dessa sociedade se transforme. Não é o caso da sociedade usar a realidade de um jeito diferente, porque o que é a sociedade se não a realidade dela mesma? Não faz sentido falar de usuário nesse nível de projeto.
É muito diferente projetar assim. Imagine que você não vai projetar cada item individual, nem mesmo fazer a integração entre o celular, a televisão e a cadeira, para ajustar automaticamente de acordo com a atividade de trabalho. Isso ainda é pouco. A perspectiva prospectiva é que você vai conectar o seu home office com todos os outros home offices, com todas as redes de produção de recursos naturais que estão atreladas, com todos os seres vivos, seja humanos, seja não-humanos, que estão produzindo para você consumir ali no seu home office além das várias instâncias democráticas da sociedade que estão pensando esse futuro de um modo que a gente talvez não queira.
Essa realidade de ficar preso dentro de um cubículo toda vez que tiver uma pandemia, será que é esse futuro que a gente quer? Porque a chance de que a gente vai ter uma nova pandemia é grande daqui há 5 anos, talvez, 10 anos. Se a gente mantiver as mesmas estruturas atuais, a nossa reação vai ser parecida no futuro. E não foi uma reação muito boa, tanto economicamente quanto socialmente.
A gente precisa rapidamente tornar a nossa sociedade mais resiliente para crises, sejam elas de ordem financeira, de saúde e de vários outros aspectos da nossa sociedade. E design pode fazer muito a respeito disso. A gente tem conhecimentos técnicas, métodos que podem ser direcionados para outro fim que não seja apenas promover uma experiência do usuário marcante, o que é bom, mas que não é suficiente para a gente ter mais resiliência, que aliás é uma daquelas qualidades novas que a gente está buscando aí.
Thoz: Cara, Fred, você falou tantos conceitos aí que tem tema para uns 20 podcasts, só nesse trecho que você falou agora.
Fred: Estamos prospectando aqui os novos episódios...
Thoz: Cara, eu acho isso interessantíssimo, aí eu vou pincelar algumas coisas e no final fazer uma pergunta. Sustentabilidade tem muitos autores que já falam a respeito desse tema há muitos anos, sob várias perspectivas, mas um que eu gosto muito, estou com um livro até aqui dele do meu lado aqui, o "Ideias para adiar o fim do mundo", do Ailton Krenak. Acredito que você já tenha o lido, ou conhecido pelo menos algum conteúdo dele. Ele fala muito a respeito do mito da sustentabilidade, que foi inventado pelas próprias corporações para justificar o uso dos recursos, industrializados ou não, até porque se numa escala ampla de consumo mesmo que dos não industrializados, você está usufruindo, fazendo uso dos recursos de uma maneira ampla, como um todo.
O Krenak faz uma provocação no sentido da sustentabilidade estar associada ao próprio sistema, à própria lógica do jogo atual e a sustentabilidade acabar sendo mais uma vaidade pessoal do que de fato uma ideia revolucionária. Eu acho muito interessante essa provocação que ele faz a respeito disso, porque ele traz, obviamente, como um indígena, uma perspectiva muito da natureza pura e não das transformações artificiais que são os resultados, seja do design ou de qualquer produção humana.
E agora sobre essa mudança de paradigma que você comentou, que pelo que você citou, o design prospectivo propõe justamente essa mudança do jogo atual: o que se pretende, qual é o objetivo, o que se prospecta de fato. Como é que você acredita que isso pode se aproximar mais de quem estará no mercado hoje?
Burity: É, Thoz, até porque o Fred fala nos artigos dele que ele acredita que os designers podem, se eles quiserem, ampliar o repertório deles para lidar com essas novas qualidades que estão sendo estudadas.
Thoz: Exato. Então, quais são os possíveis caminhos para isso?
Fred: Eu acho que a sua primeira pergunta responde a segunda, Thoz, porque ler Ailton Krenak hoje é um ato de buscar uma alternativa a um futuro inviável. O Ailton Krenak escreve e fala alertando para um horizonte futuro em que a raça humana pode deixar de existir desse planeta, a partir de um processo de destruição da nossa própria natureza.
Dentro das cosmovisões indígenas, não há essa separação tão rígida entre o ser humano e natureza, por isso, a realidade que os indígenas experienciam é diferente. Eles não vão se referir à natureza como um recurso natural a ser explorado até acabar, que é o que algumas pessoas acreditam, por exemplo, com relação às reservas de petróleo. Ler e estudar cosmovisões indígenas é, por exemplo, uma fonte de inspiração muito grande para o design prospectivo, porque ali está uma série de fundamentos que questionam a nossa realidade, pois prévem de uma outra realidade.
Não adianta a gente apenas fazer mudanças como faz o design sustentável, escolhendo o material de um produto para que esse produto seja reciclável. Isso não é suficiente, pois a reciclagem também tem o seu impacto ambiental e, ademais, talvez aquele produto seja reciclável, mas ele não é realmente útil, ele é supérfluo, ele faz a natureza dar vários ciclos que não geram aquela dinâmica de reciprocidade que é típica da natureza, em que um ser vivo oferece alguma coisa a outro e este, por sua vez, oferece algo em troca para o ecossistema. Até a ideia de ecossistema foi apropriada para o mercado de trabalho no sentido de enfatizar essa colaboração.
A sustentabilidade é um discurso que ajuda a entender um pouco sobre a necessidade dessa reciprocidade. Você não pode só tomar alguma coisa do ecossistema; você tem que dar algo em troca e, de preferência, algo que não seja negativo para aquele ecossistema. É o que infelizmente acontece muito quando alguém pega algo cheio de energia, cheio de recursos ricos e devolve algo pobre, sem energia, às vezes até tóxico ou contaminante. Estamos falando de ecossistemas naturais, mas a gente pode também pensar em ecossistemas de negócios. Por exemplo, empresas que tomam um monte de informação do ecossistema e devolvem um monte de desinformação, um monte de pista falsa, um monte de acordos corruptos e trapassa. A gente sabe que um ecossistema empreendedor, que tem empreendedores agindo dessa maneira, não se sustenta a longo prazo.
Da mesma maneira, pensando do ponto de vista do ecossistema de informação, o design que faz pesquisa com usuários, pega um monte de informação deles, compila uma interface, mas o que essa interface faz com esses usuários? Faz eles comprarem coisas que eles não precisam com o dinheiro que essas pessoas não têm, só para depois serem descartados e jogados no lixo, como mais uma dessas coisas que a nossa sociedade retorna para a natureza sem se responsabilizar pelos seus resultados.
A mudança de paradigma começa com as leituras, reflexões, os debates, mas ela precisa passar também pela prototipação dessa realidade. A gente precisa pensar: queremos outras relações com a natureza? Como é que elas podem ser diferentes? Como é que a gente pode materializar essas novas relações e ir além do discurso? Por mais que o Ailton Krenak tenha um discurso muito bacana, ele não tem as respostas de como que a gente pode fazer essa transição para uma outra realidade. Isso é uma tarefa que eu acredito que designers podem contribuir muito.
Burity: Boa, eu acho que aqui você faz a conexão. Eu admito que eu já estava com a pergunta no gatilho aqui, porque a nossa conversa até agora estava muito no âmbito de um design quase social, um design olhando para o ecossistema, como você bem diz, da vida. E aí como a nossa proposta aqui do podcast é perguntar "beleza, mas como é que isso que a academia está explorando e que tem um valor e que pode mudar o futuro, como a gente está falando até agora, se encaixa no mercado, no dia a dia?" Como é que isso extrapola as relações que a gente tem dentro de um mercado capitalista, comercial? Será que isso não é uma frente que tem que andar em paralelo?
Fred: É, isso é uma grande questão, porque muitas dessas contradições e crises que a gente vivencia hoje estão ligadas com o próprio capitalismo e o modo como o capitalismo organiza a sociedade. Porém, a gente não vive numa sociedade exclusivamente democrática e nem tudo na nossa sociedade é um mercado. Por exemplo, a nossa vida humana não é um mercado. Quando surge o mercado de vidas humanas, quando as pessoas começam a ser vendidas, a gente chama de escravidão e a gente proíbe. Além disso, há uma série de outros elementos da nossa vida que a gente não quer mercadologizar, quer dizer, não quer vender e comprar numa lógica em que o preço é a única coisa importante, até porque ali está em jogo algo que não pode ser precificado e a precificação, na verdade, reduziria a qualidade daquele ente.
Quando você vende um ser humano, aquele ser humano deixa de ser um ser humano. Ele passa a ser um objeto e não é mais tratado com dignidade. Como resultado disso, esse ser humano não dá tudo aquilo que ele poderia oferecer, nem para ele mesmo, nem para a sociedade. A nossa sociedade moderna ocidental, a partir do século XIX, decidiu criminalizar a escravidão. Porém, ainda existem pessoas capitalistas que praticam a escravidão nos dias de hoje. A gente vê eventualmente denúncias de trabalhadores escravizados no Brasil por conta de falta de informação, por conta de pessoas criminosas que criavam situações que a pessoa não conseguia sair, ou até mesmo escravos sexuais em outros países.
Não é uma coisa que a gente superou ainda completamente. Apesar disso, enquanto sociedade, sabemos que esse não é o nosso futuro, que a gente não quer que tudo seja vendido e comprado. Por outro lado, mesmo se tudo fosse comprado e vendido, ainda assim existiria um processo chamado comodificação, que implica na perda do valor de um determinado produto ou serviço pela excessiva produção em massa ou banalização, o que dentro do Marketing é conhecido como mercado saturado.
O Marketing está sempre procurando novos mercados através de inovações qualitativas, que vão criar novos produtos, novos serviços, ao invés de criar produtos mais baratos ou produtos que são mais eficientes, que são mais simples de utilizar. A inovação qualitativa faz algo que não era possível fazer antes.
O design prospectivo também tem um apelo para o capitalismo no sentido de fazer coisas que não eram consideradas possíveis antes, até mesmo pelas próprios limites que o capitalismo impôs. Por exemplo, criar um negócio que dê lucro e ainda assim atenda uma demanda social não atendida ainda pelo mercado, algo que previamente era considerado impossível. Ou você tinha lucro ou você era governo e o governo atendia essa demanda. Hoje nós temos a famosa empresa 2 e meio, os chamados negócios sociais. Tratam-se de empresas lucrando com projetos cujo objetivo não é o lucro. O lucro é apenas o meio para atender a demanda social.
Existe um movimento muito grande de repensar o capitalismo. Tem movimento dizendo que a gente tem que ter outros sistemas econômicos em paralelo e pessoas que acreditam que a gente só vai mudar se acabar com o capitalismo de vez. Eu acredito mais na segunda opção, que é a convivência de diferentes modelos econômicos e possivelmente no futuro uma superação sim do capitalismo para outros modelos que não vão ser nem socialista, nem comunista, mas que a gente vai prospectar coletivamente enquanto sociedade.
Thoz: O Zizek fala muito sobre isso, sobre a necessidade de uma nova espécie de comunismo. Ele gosta de trazer uma provocação para chocar mesmo, mas o que ele está falando nas entrelinhas ali é justamente sobre você romper com a lógica atual do capitalismo que está imperando hoje. Seria essa a conexão econômica do design prospectivo com esse processo de transformação?
Fred: Sim, eu acho que romper com o capitalismo não é difícil. Difícil é o que você coloca no lugar, porque existem vários movimentos hoje na nossa sociedade que rompem com o capitalismo, questionam. Tem muitas pessoas, por exemplo, que vão viver numa sociedade rural, numa área rural totalmente autossuficiente, produzindo a própria comida, reciclando tudo que coloca de dejeto na natureza e por aí vai. Só que isso não muda o capitalismo das outras pessoas.
O design prospectivo está comprometido com a realidade e a realidade da sociedade é uma coisa grande, que envolve muitos atores com muitas possibilidades. Envolve também modificações em sistemas econômicos que podem ser pequenas, como por exemplo, a gente experimentou algo sem precedentes no Brasil durante a pandemia e em vários outros países isso foi até mais intenso, que é esse conceito de uma renda básica que é distribuída para a população de um modo geral para evitar chegar a níveis de miséria absoluta em que a pessoa não consegue produzir mais nada e, na verdade, acaba eventualmente produzindo criminalidade, suicídio e outros resultados indesejáveis para a sociedade como um todo.
A gente poderia prospectar, por exemplo, um sistema de renda básica universal ou renda básica cidadã, como prefer chamar o Eduardo Suplicy, para o Brasil como um todo, que fosse perene, que não fosse só um Auxílio Brasil só para as pessoas pobres, que é como a situação hoje funciona. Por que você deveria dar o renda básica de cidadania para uma pessoa rica? O Suplicy explica que é uma questão de dignidade. Se você dá só para a pessoa pobre, você enfatiza que ela é pobre com esse auxílio e a pessoa continua com a consciência de pobre. Agora, se é para todo mundo, você começa a ter uma mudança na perspectiva de que você tem um capitalismo em que todo mundo já tem um crédito por estar inserido naquela sociedade.
É uma mudança de paradigma dentro do sistema econômico porque hoje o capitalismo parte do princípio contrário, de que, se você está na sociedade, você já começa com débito, com dívida. É preciso aumentar mais o débito da pessoa porque senão ela não vai fazer nada, não vai trabalhar. Isso é uma das questões bem problemáticas da nossa sociedade brasileira, que é diferente inclusive do capitalismo em outros países que não enfatizam tanto essa necessidade do débito. Isso gera muitos problemas da ordem de saúde mental, falta de planejamento familiar e um monte de outras coisas que a gente poderia trazer.
Burity: Tudo isso que você está me falando me leva muito para aquela discussão nossa inicial de relacionamentos, as relações, porque no final eu ia até perguntar, a gente está falando então de um design em perspectiva mais político? Eu fico ouvindo você falar e é praticamente impossível que isso não seja transdisciplinar, porque para prospectar esse tipo de coisa que você está falando, para ressignificar um sistema, um ecossistema financeiro, social, o designer sozinho não faz.
Fred: Não existe o star design prospectivo, aquele designer famoso que fez a prospecção para o mundo inteiro e disse, "está aqui entregue em uma caixinha bonitinha"...
Burity: ...e ganhou um Leão de Cannes!
Fred: Eu acho que design prospectivo não vai nesse caminho. Eu acho que a área de experiência do usuário já nasceu sem essa perspectiva do designer como autor, mas com a ideia de que o usuário, de uma certa maneira, participa do projeto, seja através de uma entrevista, seja através de um questionário que ele responde, ou mesmo da participação direta em oficinas participativas.
O design participativo é uma área que influenciou bastante a construção do design prospectivo e a prática de projeto prospectivo é participativa necessariamente. A novidade é que a participação não inclui só uma empresa ou um segmento de usuários. Na verdade, inclui várias empresas, governos, entidades da sociedade civil e até mesmo seres vivos que não são seres humanos. Então, se a gente quer fazer uma transição para ter relações com a natureza mais bidirecionais, mais balanceadas e harmônicas, essas entidades da natureza precisam estar presentes, nem que sejam representadas através de pessoas indígenas, que são aqueles que historicamente lutaram pelos direitos dos rios, os direitos da floresta, os direitos dos animais selvagens e tudo mais.
Thoz: Fred, olhando para essa descrição que você acabou de fazer para a gente, isso me lembra muito como o design thinking se apresentou no início, principalmente no início. Hoje já virou festa, né? Vamos dizer assim para não falar outra palavra.
Fred: Ou modificou, né? Virou um produto barato.
Thoz: Exatamente. Enfim, o design thinking se apresentou dessa maneira transformacional, social, com foco em sustentabilidade, etc. Muitos eventos aconteceram sobre essas temáticas. Mas o que exatamente, quais características do design prospectivo são diferentes do design thinking "original" ou do design em si? Porque o design thinking também era uma tentativa de resgate ao design original. Você até falou um pouco disso, próximo de um resgate de uma história da natureza do design. Então quais são as características e o porquê que isso é diferente?
Fred: Eu acredito que esse resgate também resgata o próprio design thinking da sua obviedade e comodificação. O design thinking está dentro do design prospectivo como um fundamento, assim como o design participativo. A percepção desse design thinking, tal como aconteceu ao longo dos anos no mercado, foi de que era uma habilidade extraordinária de designers que sabiam pensar de um jeito diferente e que era possível aprender esse modo de pensar fazendo cursos rápidos que ensinavam uma série de métodos específicos recomendados por uma empresa que sempre davam certo. O design prospectivo recupera a ideia de que você precisa pensar, sempre estar constantemente pensando. Isso é a base do design thinking. Design thinking não é aplicar um método que já foi pensado por outrem ou pensar tal como um designer famoso. Não, você tem que pensar o que faz sentido em cada projeto.
Thoz: Não é só aplicar o Double Diamond?
Fred: Pois é. Vamos falar de Double Diamond, porque eu acho que é um exemplo interessantíssimo. A própria escolha do Double Diamond, dessa palavra duplo diamante, já reflete uma época em que essa área já estava sendo comodificada, sendo transformada num produto simples de assimilação. Não faz sentido você pensar que todo design thinking pode ser reduzido a um ciclo de convergência, dois ciclos de convergência e dois de divergência.
Isso não é suficiente, até porque você não consegue organizar essa produção do espaço projetual. Se pensar bem o que é o Double Diamond é uma disciplina que se impõe sobre quantas possibilidades você vai considerar no seu espaço projetual, que em linguagem popular é a tal da caixa do pensamento. Quando você vai abrir a caixa e quando você vai fechar a caixa.
O que acontece é que toda vez que você está lidando com a caixa como se ela fosse somente informação, que é o que faz o Double Diamond, você tem um custo ambiental. Toda vez que você extrai uma informação e acumula num determinado local, você vai ter consequências, que é a desconexão com a origem dessa informação. As pessoas que falaram essa informação, que fizeram os atos que geraram essa informação, elas ficam desconectadas. Então, aquele ser vivo da natureza, aquele peixe que está morrendo por causa de um microplástico que ele engoliu em excesso, ele vira um post-it na tua parede. E aí você manipula e bota o post-it como prioridade ou bota fora de prioridade porque na hora de convergir ficou menos importante. E aí a gente está decidindo sobre a vida de milhões de peixes, que vão influenciar a vida de milhões de animais que vão se alimentar dos peixes e que, por sua vez, vão definir a vida de milhões de seres humanos. A gente não percebe essa concretude da informação por causa da ideia de um diamante.
O que é um diamante? Estou falando agora não de maneira metafórica, mas literal. Diamante nada mais é do que uma informação extraída da natureza. Quando você extrai o mineral bruto, ele não tem ainda aquela forma brilhante. É preciso primeiro polir a pedra. E esse processo de extrair e polir gera um impacto ambiental tremendo. Para extrair um diamante que é do tamanho de uma mão, por exemplo, você precisa de uma mina que é maior que 5 campos de futebol.
A mesma coisa acontece para extrair informação dentro de um processo de design thinking. São muitas vozes silenciadas, muitas pessoas que não se expressam diretamente, muitos seres vivos que não estão sendo contemplados, mas estão ali dando a impressão de que estão sendo. Há muita riqueza ali, assim como o diamante representa a riqueza e o domínio sobre a natureza. Entretanto, o que ele representa é uma destruição do nosso meio ambiente.
Burity: É, o que você está falando é que design thinking, eu estava vendo esses dias um vídeo do René de Paula Júnior, ele fala um pouco do perigo da abstração, porque no final do processo do Double Diamond, ou de um processo encaixotado de design, há uma abstração do valor daquelas coisas e aí você perde a visão sistêmica daquilo.
Fred: Perfeito, agora como é que a gente faz diferente no design prospectivo? Em primeiro lugar, a gente tem uma noção de que essa produção social do espaço, ela não é controlada e não pode ser controlada pelos designers. Por mais que você chegue e fale "eu vou convergir agora e vou divergir acolá", há vários outros atores que não estão participando ali na mesa, naquela oficina ou no workshop, mas eles ainda assim vão estar influenciando quais são as ideias que vão passar para frente, quais serão rejeitadas. Então a gente parte do princípio de que essa produção de espaço acontece de maneira mais caótica, com vários atores participando. Você não consegue controlar isso. O que você consegue fazer é promover o nível de autoconsciência desse processo, no sentido de reunir aqueles atores do ecossistema, das organizações, ou como queira chamar, para eles pensarem e verem o que eles já estão fazendo.
Isso é muito diferente do design thinking, porque ele está sempre dizendo "olha como você fez, agora vamos fazer diferente", ou então "nem olha como você fez, vamos desenvolver empatia para uma pessoa que hoje não estamos atendendo e vamos criar algo novo pra ela". O design prospectivo parte da crítica do passado e do presente para aí sim prospectar o futuro. Ele parte também da premissa de que não é só designers que fazem design. O fundamento do design thinking se torna radical no sentido de que todo ser humano é um designer thinker, ou seja, todo ser humano pensa por projetos, considera possibilidades e escolhe qual é melhor. E a gente faz isso coletivamente em empresas, governos e outras instituições.
Até mesmo os animais fazem isso de uma certa maneira, por exemplo, a maneira como as formigas encontram comida e passam para frente essa informação. Tudo isso são projetos. No caso dos animais não tem a possibilidade da autoconsciência, mas nos seres humanos tem. Surge, então, a noção da responsabilidade. Se eu sei que nós estamos rejeitando todas as possibilidades que vão no futuro permitir que a gente tenha uma sociedade mais justa, eu estou agindo como um opressor. Se eu não quero oprimir outras pessoas, então eu me torno consciente e começo a escolher as possibilidades que vão libertar ao invés de oprimir.
Burity: Boa. Para a gente fechar o papo, você trouxe um ponto no final que encaixa exatamente o que a gente queria falar. A gente falou até agora do prospectivo como uma ampliação, uma escala de atuação maior, criando hipóteses, prevendo o tal dos futuros desejados ou futuros diferentes. Você vê que o design prospectivo traz alguma dimensão de como prever um controle sobre esse futuro?
Fred: Não, eu acho que o paradigma de controle tem mais a ver com a administração científica que surgiu a partir do século 20 para promover uma exploração mais intensificada do trabalhador a partir do senso de responsabilidade do gestor sobre os seus subordinados. O design thinking vai questionar isso, pois é a favor da tolerância à incerteza, ou seja, perder uma parte do controle pra deixar a caixa aberta para que aconteçam coisas inesperadas.
No caso do design prospectivo, o objetivo não é deixar a caixa aberta. O objetivo é prospectar uma transição para um futuro desejado, alternativo, mas também considerando que esse futuro pode estar sendo atacado por tabus, preconceitos e outros significados que as pessoas dão para possibilidades, o que às vezes impedem elas de se tornarem possíveis.
Então tem ali um processo político, como a gente já mencionou, mas tem também um processo pedagógico, de você entender a sua realidade, aprender sobre a sua realidade, de maneira que você consegue operar nela de maneira mais eficiente, eficaz e mais sustentável. Surgem então aquelas qualidades relacionais que eu estava mencionando: justa, democrática e por aí vai.
Thoz: Fred, para a gente ir caminhando para o final aqui, quais são as dicas que você deixaria aí para os designers que estão vindo, que curtiram o tema, que querem se aprofundar um pouco mais, que querem continuar a entender o que é o design prospectivo, além, obviamente, de ler os seus artigos que a gente vai deixar aqui na descrição, que você escreveu nos Usabilidoido lá e que você enviou para a gente antes da entrevista.
Fred: Bom, a gente está tentando abrir um mestrado em design prospectivo aqui da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e com ele várias iniciativas que vão além da educação, porque a pesquisa se estende, por exemplo, para grupos de pesquisa, projetos de pesquisa em parceria com várias instituições e é difícil entender como essas várias dimensões, como o Burity comentou, transdisciplinares, não se atém a uma única disciplina.
Não adianta você só estudar design. Uma dica para entrar em design prospectivo é ter esse interesse por estudar outras disciplinas. Uma pessoa que é curiosa e trafega entre disciplinas, de fato, é uma pessoa que está mais próxima da prática do design prospectivo. Existem alguns projetos hoje na nossa sociedade que não têm esse viés prospectivo, mas têm o potencial de experimentar e prototipar novas relações num escopo mais micro, como se fosse um piloto.
Digamos que você tem a opção de trabalhar numa empresa que, por exemplo, oferece serviços bancários. A gente já tem diversas desse tipo em nosso nosso país. Mas se você tem a opção de trabalhar numa empresa que está querendo oferecer energia eólica ou solar mais barata, acessível à população carente, você vai estar mais perto do design prospectivo. Nós não precisamos de mais de um serviço financeiro, que já é um mercado saturado.
O que a gente precisa são de serviços que permitam que as pessoas façam coisas acontecerem sem dinheiro. Isso está faltando hoje. Mesmo que você esteja sem dinheiro, se você consegue, por exemplo, criar uma horta comunitária em uma dinâmica econômica através de moedas solidárias, enfim, imprimir o teu próprio dinheiro, isso sim é inovador. Tudo isso é possível e já acontece no Brasil, mas muitas vezes longe da realidade do design.
A gente vive dentro dessa bolha ou torre de marfim enquanto a gente não percebe que o design já foi e pode ser muito mais amplo do que é hoje na prática profissional de design para a experiência do usuário.
Thoz: Valeu demais Fred, obrigado, quero te agradecer por você ter aceitado o convite, por ter dado essa aula para a gente aqui sobre design prospectivo e por ter explicado os seus conceitos. Sei que ainda existe muito a prospectar, mas já quero deixar aqui o seu agradecimento aqui a você e dizer que vai ter mais, em breve a gente volta a falar sobre esse tema e outros. É isso aí, valeu demais. Burity?
Burity: É isso, cara, acho que deixamos aí muitas pulgas a trazer orelhas, muitas discussões para o futuro, pelo que eu entendi do tema, acho que o cerne é esse né Fred, deixar essas pulgas?
Fred: Sim. Mas essas pulgas são coletivas. Não é com pulga individual que a gente vai resolver sozinho. Se a gente não lidar com isso como uma questão coletiva, nunca vai existir um design prospectivo. Tem que ser uma vontade da nossa sociedade e a gente precisa ter uma responsabilidade enquanto profissão. Precisamos então envolver outras pessoas que hoje, por enquanto, ainda não estão envolvidas.
Thoz: Deixa um recado aí para a saideira, um jabá, alguma outra coisa que você queira. Você já falou do curso de mestrado que vocês estão abrindo, mas manda uma mensagem final aí para a gente encerrar aqui.
Fred: Bom, passo sempre o convite. Estou sempre aberto ao debate, à discussão, no meu blog usabildoido.com.br e para quem quiser me escrever e-mail, às vezes demora um pouco para responder, mas eu sempre respondo. Estou nas redes sociais, LinkedIn principalmente. Ultimamente tem sido debates cada vez melhores nessa rede e eu acredito que é uma coisa que a gente vai construir em conjunto. Design prospectivo não existe ainda enquanto uma prática profissional de mercado, mas ele pode existir e aí eu convido quem está no mercado a construir junto essa prática, definindo os seus princípios, seus valores éticos. Começa por aí para só depois definir os métodos, as abordagens, as técnicas, os toolkits. Se não for assim, daqui a pouco já tem um monte de e-mail dizendo "baixa aqui o seu toolkit de design prospectivo". Vamos com calma, gente, porque o buraco é mais embaixo e não é só mudar um método.
A gente precisa mudar o que a gente quer fazer e qual é o nosso valor para a sociedade. A gente fala muito de que os nossos clientes têm que pensar no valor das suas propostas, mas qual o valor que o design produz para a sociedade? É ficar fazendo as coisas ficarem mais bonitinhas, as coisas venderem mais ou é de fato a gente transicionar para uma sociedade mais justa, igualitária, democrática, sustentável e com todas aquelas qualidades relacionais que eu mencionei inteiramente?
Thoz: Show de bola. Eu acho que já podemos encerrar, né, Burity?
Burity: Podemos sim. Acho que a gente sai daqui com muitos aprendizados e também muitos questionamentos e é para isso que a gente está aqui. O MAD está aqui provocando diálogos necessários, né?
Thoz: Exatamente, esse é nossa abordagem, provocando diálogos necessários.
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