O mundo já acabou várias vezes. Os momentos de crise levaram e continuam a levar as pessoas a acreditar que só uma catástrofe mundial poderá transformar o mundo. As profecias nunca se realizaram, mas assim mesmo provocaram mudanças radicais no modo de viver. As ameaças invisíveis tiraram as pessoas da zona de conforto e empurraram para a zona da reflexão, onde foram forçadas a discutir o futuro da sociedade.
O design pós-moderno é uma dessas profecias que nunca se realizaram. Apesar de todos os manifestos sobre o fim de uma era, o estilo e a maneira de projetar moderna continua entre nós. Isso não significa que o pós-moderno não tenha mudado o mundo. Graças e este movimento, o moderno ganhou novo fôlego, ficou mais flexível, eclético e sensível a condições locais. As metodologias universais caíram em descrédito, mas continuaram a ser usadas como referência. O pós-moderno abriu a cabeça dos designers para enfrentar os desafios de uma sociedade democrática, multicultural e de mudanças rápidas.
Hoje em dia o mundo acaba tão rápido que mal temos tempo de reconstruí-lo. Os impactos da passagem do cometa Halley, o bug do milênio e o calendário Maia se encavalaram um atrás do outro. Essas profecias estavam preparando as pessoas para viver numa sociedade sem parques industriais, sem produção em massa, sem governos totalitários e sem recursos naturais abundantes, a chamada sociedade pós-industrial.
Alguns países já vivem esse tipo de sociedade em maior ou menor grau, outros não. O Brasil é um caso a parte. Nosso país passou de economia agrária direto para economia de serviços sem passar pelo estágio de economia industrial. Isso aconteceu em parte pelo atraso da reforma agrária, que até hoje ainda não aconteceu. As pessoas que moravam no campo foram forçadas a migrar para as grandes cidades mesmo que não houvessem empregos suficientes nas indústrias. O setor de serviços foi invadido pelo trabalho informal e a competição aumentou. As pessoas que migraram do campo tiveram que se acostumar a viver em grandes coletivos.
A profecia de Antônio Conselheiro não se realizou da maneira como foi dita, mas não deixou de mudar o Brasil. Ele dizia: "o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão". O sertão era o lugar onde o homem vivia sozinho, produzindo para o próprio sustento com dificuldade devido aos recursos escassos. O mar era o lugar de terras férteis onde o homem produzia junto com outros homens. Conselheiro fundou Canudos, uma comunidade de produção colaborativa no meio do sertão, ou seja, uma parte do sertão virou mar. A destruição de Canudos pelo Exército Brasileiro foi a maneira trágica como a profecia se espalhou, inspirando alguns anos depois milhões de nordestinos a migrarem para as grandes cidades.
O desenho industrial surge no Brasil no ápice dessa migração. O governo tentava acolher o influxo populacional com a criação de novas indústrias, porém, estas não eram competitivas o suficiente para exportação principalmente no quesito qualidade. O projeto de produto aparece como salvador da indústria, porém, é o design gráfico que acaba oferecendo mais postos de trabalho, principalmente na economia informal de serviços.
A ditadura militar e os governos subsequentes investiram mais em design gráfico "para as pessoas acreditarem que o Brasil era o país do futuro" propriamente dito. Enquanto em países industrializados design é associado a conforto, elegância e funcionalidade, no Brasil é sinônimo de futuro. Viver esse futuro no presente, ou seja, possuir um produto importado com um "design moderno", é uma marca de distinção social e não uma escolha racional. A rede de assistência técnica não é nada razoável e a probabilidade de furto na rua é grande.
Design é uma das coisas que precisam ser melhores distribuídas no Brasil. Nos países industrializados, grandes lojas como a Ikea conseguem produzir móveis de qualidade a preço baixo, tornando o design acessível a uma grande parte da população. No Brasil, a Tok & Stok nunca conseguiu esta façanha, embora ofereça design de mesma qualidade. O Brasil não tem nem um parque industrial para produção desse porte nem tampouco tem consumidores capazes de distinguir o "design moderno" das Casas Bahia do "design pós-moderno" da Tok & Stok.
O jeito é apelar para o apocalipse, de novo. Na falta de profetas mais sérios do que o Toninho do Diabo, faço a minha previsão. Essa previsão apocalíptica não começa com a destruição das Torres Gêmeas nos Estados Unidos, nem tampouco com o equivalente brasileiro que seria o Congresso Nacional. O fim da indústria brasileira não acontecerá pela destruição dos centros de decisão, mas pelo crescimento de milhares de pequenos centros ao longo do território.
A recessão econômica que se aproxima eliminará milhões de postos de trabalho para jovens, que se verão obrigados a empreender na economia informal. Para poder continuar a ter os produtos da moda, estes jovens irão criar suas próprias fábricas em miniatura em espaços abandonados e quintais remanescentes. Essas fábricas produzirão itens customizados utilizando impressoras 3D, cortadoras laser e placas Arduino. Os clientes serão primeiro os parentes, depois os amigos, depois os contatos nas redes sociais.
Depois de fazer suas próprias versões dos produtos mais desejados, estes jovens irão acabar descobrindo que podem criar produtos e se tornar famosos. Os produtos serão anunciados nas redes sociais juntamente com seus código-fonte. O pequeno fabricante ganhará dinheiro pelo trabalho manual, não pelo intelectual. Pôr a mão na massa será sinônimo de trabalho digno, não de subalterno. As casas dos brasileiros ficarão cheias de produtos únicos, que não obedecem qualquer regra universal ou estilo transnacional. O estilo local será de fato o grande diferencial.
Se essa profecia se realizar, o Brasil terá sido pós-moderno sem nunca ter sido moderno; pós-industrial sem nunca ter sido industrial e pós-apocalíptico sem nunca ter passado pelo apocalipse. O design brasileiro, por sua vez, será reconhecido não como pós-isso ou pós-aquilo mas como um design livre, livre de modas estrangeiras, livre de preconceitos, livre de elitismos. Quem viver, verá.
Esse texto foi originalmente publicado na Revista Clichê n.4.
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