O foco do Design sempre foi o ser-humano. Existem, basicamente, duas formas de se abordar o elemento humano no processo de design: através do perfil do usuário ou através de seu comportamento.
Perfis são grupamentos de pessoas que compartilham certas características demográficas similares, tais como faixa etária, localização, quantidade de filhos e etc. O design baseado no perfil é o mais comum hoje em dia, porém, em vista das mudanças na sociedade, essa abordagem está se tornando obsoleta.
No mercado de massa, inicialmente havia apenas um perfil de consumidor: o homem ou a mulher média. Tudo era projetado para agradar este ser insólito. As medidas dos produtos tentavam abranger do percentil 5 ao 95%, ou seja, das pessoas de menor proporção corporal as de maior. Claro que, no final das contas, acabavam não sendo perfeitamente adaptados para nenhum dos percentis, pois o homem ou a mulher média simplesmente não existem; não passam de abstrações estatísticas.
As pessoas não ligavam quando um produto era desconfortável, pois a concorrência entre as empresas ainda estava no patamar de custo e escala. Os produtos eram praticamente iguais, mesmo entre empresas diferentes. Se você não se adaptava a um produto, o problema era com você, afinal de contas, você é o diferente: alto, baixo, gordo, magro ou cabeçudo demais.
Recentemente, as indústrias perceberam que as demandas reprimidas das pessoas diferentes eram excelentes oportunidades de negócios. Bastava botar num mercado um produto segmentado para um perfil específico para se tornar sucesso de vendas, mesmo que o produto fosse de qualidade inferior.
Departamentos de marketing passaram a investir grandes somas em pesquisa demográfica visando descobrir segmentos em seus mercados. A cada iteração com o mercado, os marketeiros descobriam novos nichos, cada vez mais específicos. O grande nicho das “donas de casa” logo foi dividido em mulheres desquitadas, solteironas independentes e super-mães. Chegamos ao cúmulo de ter produtos segmentados para pessoas de pele morena, solteiras, de meia-idade, com alto poder aquisitivo e estilo tradicional! É por isso que as prateleiras dos super-mercados estão cada vez mais abarrotadas de variedades de produtos.
O problema dessa abordagem é que as pessoas estão mudando e se diferenciando mais rápido do que os fabricantes conseguem acompanhar. Num momento, a pessoa se encaixa no perfil, em outro momento não. Quando o produto que elas sempre consumiram muda de embalagem para atingir outro perfil, se sentem desprezadas. O contrário também acontece: se o produto não se atualiza, parece obsoleto.
Nos mercados em que a segmentação se
encontra saturada, algumas empresas estão experimentando
orientar o design do produto não pelo perfil, mas pelo
comportamento real do consumidor. Mais do que pesquisas
demográficas, estas empresas investem na
mineração de dados e em etnografias.
O conhecimento obtido por tais métodos podem não
ser tão generalizáveis para outras
situações, porém, são dados
reais, não abstrações. A chance de
informarem uma decisão acertada é muito maior.
A rede de supermercados Casa Fiesta oferece aos seus clientes um cartão que dá direito a ofertas especiais quando passado junto ao caixa. O cliente ganha o desconto e o supermercado fica sabendo exatamente o que ele comprou. Com base nestes dados, o supermercado pode acompanhar a eficácia das ofertas, ajustar e vender mais. Pode até gerar perfis de consumidores com hábitos similares, mas estes perfis serão muito diferentes dos baseados em dados demográficos. Aqui o que importa é o que a pessoa faz, não o que ela é ou diz ser.
O que não pode ser rastreado por meios
automatizados pode ser alvo de pesquisa de
observação, também chamada de
etnografia. A Nokia mantém equipes em diferentes
pontos do mundo para estudar a
apropriação de seus produtos no cotidiano dos
usuários. Descobriram que na África é
comum a utilização de paredes
como agenda de endereços compartilhada nos centros
de aluguel de telefone celular. Pois bem, criaram o Nokia 1200
com uma agenda similar embutida. A Motorola também fez algo
parecido para desenvolver o Motophone, um celular de baixo
custo e fácil utilização, mesmo
para analfabetos.
As possibilidades do design centrado no comportamento estão começando a ser exploradas. A tendência é que tenhamos cada vez mais produtos adaptados para o que desejamos fazer e não para o que nós somos, ou melhor, para o que os fabricantes acham que nós achamos que somos.
Artigo a ser publicado na Revista Design do website da Tramontina Design Collection.Siga-me no Twitter, Facebook, LinkedIn ou Instagram.
Fred, concordo com as observações feitas e ainda bem que os tempos estão mudando.
Sempre observei estas situações de gente que se adaptam ao produto em vez do contrário e achava tudo muito errado.
Cheguei a ler algo na Internet sobre um rapaz (creio que seja um americano, não me lembro) que fez uma cirurgia plástica na ponta dos dedos para que pudesse usar os modernos eletrônicos. Imagina que bizarro!
Parabéns pelo texto.
Abraço
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