A democracia representativa está em crise no Brasil. Desde as manifestações de 2013, os cidadãos brasileiros começaram a gritar "não me representa" para os políticos que faziam algo que não lhes agradava. Como alternativa à escolha de representantes, surgiram várias propostas para atualizar a democracia brasileira: Vote na Web, Cidade Democrática, VotoLivre, Iniciativa Pop e outras mais.
Neste texto, pretendo apresentar as propostas de design para a democracia. Esta é uma proposta que vem sendo elaborada desde os tempos áureos da Bauhaus, a escola que difundiu o design moderno pelo mundo. Os professores e estudantes dessa escola queriam produzir em larga escala produtos de qualidade estética e funcional, visando com isto a democratização do acesso aos bens de consumo.
Algumas décadas após o fechamento da Bauhaus, a loja de móveis Ikea tomou esse objetivo como missão da empresa. O design democrático da Ikea já chegou a milhões de casas de classe média na Europa e nos Estados Unidos, sempre aliando uma estética moderna e simples, boa funcionalidade e baixo custo.
A democratização pelo consumo, porém, é muito limitada. Quando os consumidores da Ikea se uniram para fazer um site sobre combinações e modificações dos móveis produzidos pela empresa, a empresa ameaçou processar a criadora do website alegando abuso da marca. No design democrático, o consumidor não tem poder de decisão, a não ser sobre a compra do produto.
Existe uma outra proposta de design para a democracia que venho trabalhando desde 2007: o design participativo. Design participativo significa projetar algo com a participação das pessoas afetadas pelo projeto. Esse algo pode ser um hospital, uma praça, um website ou um aplicativo de celular. O diferencial é que os usuários (não mais tratados como consumidores) tem poder para influenciar diretamente o projeto.
Já escrevi uma dissertação de mestrado sobre o assunto, publiquei um artigo num periódico científico de alto impacto e dei uma palestra na Universidade Positivo sobre os projetos participativos que desenvolvi no Brasil, Inglaterra e Holanda. Tenho convicção de que o design participativo tem muito a contribuir para a democracia brasileira e continuar esse trabalho foi um dos motivos pelos quais voltei da Holanda.
Na semana passada foi lançado o primeiro projeto que contribuí depois de voltar da Holanda: o Dialoga Brasil, um aplicativo web para enviar e votar em propostas para mudanças nos programas do governo federal. O design participativo entrou no final do projeto e involveu poucas pessoas, mas foi decisivo para viabilizar a implementação do projeto num curto espaço de tempo. O aplicativo já está rodando e recebendo propostas bem interessantes. Resta saber como o governo vai lidar com elas.
O governo federal já oferecia meios de participação presencial há alguns anos, como os Conselhos e as Conferências Nacionais, que são formados por membros da sociedade civil. O problema é que esses meios não conseguem envolver muitas pessoas e, além disso, a dinâmica de participação baseada em plenárias e reuniões deliberativas afasta pessoas que não conseguem acompanhar debates prolongados.
Com a missão de melhorar a dinâmica de participação, fui convidado pela Secretaria Geral da Presidência da República a contribuir para a organização do último Fórum Interconselhos, que contou com a participação de mais de 300 participantes. Esse fórum reúne os membros dos conselhos, dos movimentos sociais e de outras entidades civis para discutir e modificar o planejamento do governo federal. Em 2014, este fórum recebeu um prêmio da ONU pela maneira como as propostas da sociedade civil foram incorporadas no planejamento.
Minhas propostas para aperfeiçoar a dinâmica de participação do Fórum Interconselhos foram as seguintes:
Para superar o monopólio da fala pelos participantes mais eloquentes, sugeri externalizar as ideias através de outros meios além da fala, utilizando post-its como instrumento e não apenas símbolo de inovação. Ao invés de esperar a vez de falar, o participante pode escrever diretamente no post-it e colar na parede. Depois das falas, os post-its podem ser revisados e discutidos em grupo.
Outra vantagem de externalizar as ideias é a possibilidade de construir em cima da ideia de outro participante. Ao invés de facilitar o consenso entre as falas, o design participativo oferece materiais para construir um objeto em conjunto. Esse objeto não precisa necessariamente ser consensual; ele pode conter várias ideias diferentes e até mesmo contraditórias.
O objeto construído no Fórum Interconselhos foi um painel para acompanhamento da execução do planejamento. De um lado do painel, os participantes colocaram o que queriam acompanhar (indicadores quantitativos e qualitativos) e do outro como achavam que seria possível acompanhar. O grupo de Direitos Humanos, por exemplo, propôs indicadores de atos violentos contra minorias sociais.
Levando em consideração que o planejamento do governo é baseado em textos legais (ele precisa inclusive ser votado no Congresso Nacional), alguns grupos decidiram redigir colaborativamente um texto que organizasse o que estava no painel. A dinâmica de participação ficou mais restrita aos que dominavam a redação textual e o grupo perdeu vários participantes.
Depois de construir e documentar o painel, os participantes do fórum se reúniram numa plenária e apresentaram seus resultados. As fotos dos paineis acabaram se tornando uma espécie de apresentação de slides instantânea. Eles ajudaram os relatores a focarem no que os demais participantes escreveram ao invés de reportar a sua própria impressão do que foi discutido. O painel funcionou como uma evidência sintética da participação em grupos, filtrando muitos dos pontos discutidos durante o trabalho em grupo que não tinham encaminhamento prático.
O próximo Fórum Interconselhos a ser realizado no final do ano será sobre participação no orçamento da união. Embora o Brasil tenha sido pioneiro no orçamento participativo, pode talvez aprender com a apropriação da metodologia pelos estadunidenses. A inovação dos EUA é o pensamento projetual, que torna a apresentação do evento muito sedutora e organizada em torno de projetos montados pelos próprios cidadãos. O livro Making Democracy Fun dá mais detalhes.
Embora essas intervenções para promover o design participativo no governo tenham um alcance pequeno, é um primeiro passo rumo à democracia direta. Ao invés de votar para eleger representantes que elaboram políticas públicas, os cidadãos poderão participar diretamente da elaboração e da implementação de políticas públicas. Nesse caminho, a política pública deixa de ser um texto legal e passa a ser uma vivência. As pessoas passariam a viver e construir a política no seu dia a dia, acabando com aquela cisão entre política oficial e política do dia a dia que eu favala em 2013.
É isso que imagino para a democracia pelo design. E você? O que acha? Comente, participe!
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Muito bacana Fred! Realmente fiquei feliz com o governo se interessando por Design Participativo.
Só tenho duas dúvidas:
Você teme que essa falta de estabilidade política que o país passa, fala-se muito em impeachment, venha a acabar com projetos como esse?
E mais uma coisa, a democracia direta tem mecanismos para prevenir que maiorias imponham ainda mais seus desejos sobre as minorias? Por exemplo, religiosos forçando leis sobre ateus ou pessoas de religiões minoritárias, ou então questões mais populistas como maioridade penal, fim das cotas etc?
Abraço! Sinto saudades das suas aulas na Faber-Ludens!
Essa proposta de design participativo está sendo acolhida pela Secretaria de Participação Social dentro da Secretaria Geral. Ela é formada por pessoas de setores mais progressistas do PT que criticavam a maneira como o primeiro mandato da Dilma negligenciou o contato com os movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil. A proposta da secretaria é melhorar isso, porém, de fato o momento de instabilidade prejudica as ações da secretaria.
Se por acaso houver um impeachment, esse projeto de participação social possivelmente será eliminado num eventual governo do PMDB. Por mais que o PT possa ser criticado por vários absurdos cometidos, há que se reconhecer que ampliar a participação social foi uma inovação. Nenhum dos governos anteriores fez tanto para incluir a sociedade civil. Porém, por outro lado, é válida a crítica de que essas iniciativas reforçaram a pactuação dos movimentos sociais para pegarem leve com o governo, ou seja, incentivaram uma participação chapa branca.
Uma tecla que eu tenho batido nos meus encontros com a secretaria é a importância de incluir na participação os críticos do governo, promovendo debates realmente acalorados. Muita gente no governo tem medo de que isso aumente ainda mais a instabilidade, porém, eu acredito que é a única saída viável. Não é à toa que a inovação que surge da contradição é uma das temáticas da minha tese...
Olá Fred. Cai sem querer neste site e adorei a matéria. Sou designer e arquiteta de informação em uma empresa pública de São Paulo. Tive ideias e repassarei sem demora para o meu chefe e nossa equipe. Espero ver a participação popular cada vez mais forte e rica. Bjos
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