Depois que meu filho aprendeu a programar no Scratch, ele passou a ficar muito tempo na frente do computador. Fiquei preocupado com isso, afinal de contas criança ainda está desenvolvendo a coordenação motora e outras habilidades com o corpo. Infelizmente, o computador não trabalha apropriadamente o corpo na interação. Eu queria encontrar uma maneira de continuar o desenvolvimento cognitivo junto com o desenvolvimento motor.
No futuro, talvez esse problema seja menor com as interfaces tangíveis, mas no momento, eu tinha que trabalhar com o que já estava disponível. Na pós do Faber-Ludens já tínhamos experimentado várias plataformas de prototipação de interfaces tangíveis, mas elas costumam ser bem complexas para programar. A mais fácil que encontrei foi o Touchatag, com o qual fiz um aplicativo para meu filho assistir desenho animado no computador, isso na época em que ele ainda não se interessava muito. Fácil, porém, muito limitada. Não tinha muitas opções de programação.
Fiquei surpreso ao descobrir que a PicoCricket tinha desenvolvido uma placa de programação especialmente para o Scratch, a PicoBoard. É uma placa que você conecta no USB do computador e o Scratch consegue enviar e receber dados por ali. A PicoBoard tem alguns botões e sensores embutidos. Apesar da ter alguns jacarés para conexões de baixa voltagem, achei muito limitada também.
Bem, se a PicoBoard pode conectar-se com o Scratch, será que dá pra fazer o mesmo com a Arduino? A Arduino funciona da mesma maneira, via USB, porém, possui muito mais possibilidades de conexões. Foi então que descobri o projeto Scratch4Arduino, uma simples modificação no Scratch que permite receber dados da placa Arduino em tempo real. Veja no vídeo abaixo um robô programado via Scratch.
Os alunos do Faber-Ludens já trabalhavam com Arduino há bastante tempo, mas eu particularmente nunca tinha tido tempo de mexer. No vídeo abaixo você o que eles conseguiam fazer já na primeira aula.
Encomendei um kit para verificar o grau de complexidade. O kit ARDX vinha com a placa mais alguns componentes básicos tal como LEDs, motores, botões, potenciômetros. Comprei também algumas extensões para a Arduino, os chamados shields. Shield é uma segunda placa que encaixa em cima da Arduino e acrescenta uma capacidade extra de processamento. Achei que os shield de audio e de motor seriam úteis para fazer coisas divertidas.
Quando você compra um shield ele vem geralmente desmontado. Você precisa soldar todos os componentes na placa de circuitos, a PCB. Eu nunca tinha feito isso, mas graças aos inúmeros vídeos no Youtube, eu aprendi a fazer sem queimar os dedos. O mais importante é ter bons apoios para trabalhar: a garra com lente e o descansa solda. Veja como era minha mesa de trabalho.
Nessa mesma época eu estava escrevendo um artigo sobre a história do Faber-Ludens para um congresso na Itália, vinculando-o ao movimento de Cultura Digital capitaneado pelo Gilberto Gil. Enquanto soldava as placas pro meu filhote eu ia lendo a reedição da Revista de Antropofagia de 1972, uma gema que encontrei num sebo no Rio de Janeiro. Essa revista de literatura fazia um curto-circuito entre cultura popular e cultura erudita, um dos maiores "hacks" por assim dizer da sua época. Os textos exploravam a metáfora do canibalismo para estimular o corpo na leitura. Tudo a ver com meu objetivo em introduzir interfaces tangíveis.
Como exemplo pro meu filho, transformei o bonequinho Pingu num robô. Gravei um vídeo mostrando o exemplo e explicando didaticamente como funciona a Arduino. Se você quiser saber mais sobre, veja os slides do professor que dava as aulas de Arduino no Faber-Ludens.
O projeto não tem nada demais, é só um potenciômetro controlando um motor servo e ativando um buzzer sonoro. O charme está justamente na apropriação do personagem, cuja característica principal é falar uma língua que nenhum espectador entende. Tenho amigos que compraram uma Arduino empolgados pra hackear catatau, mas acabaram não tendo idéias. Não é a tecnologia que faz o hacker, é a contra-cultura que faz o hacker. Por isso é importante ter contato com obras da contra-cultura como a Revista de Antropofagia.
Como expliquei no post sobre Scratch não é só a ferramenta que eu queria ensinar pro meu filho, mas principalmente a ética hacker, uma atitude em relação à cultura material que não se contenta com o consumo passivo.
Vou contar uma parte da história que ilustra bem isso. Quando eu levei o kit pro meu filho durante minhas férias no Brasil, a primeira coisa que ele queria montar era um fechadura elétrica no armário dele. Ok, tentamos com os motores que vinham no kit, mas eles não eram apropriados para a tarefa. Precisávamos de um motor que ao invés de girar, movesse pra frente e pra trás, como um trinco.
Saímos na rua pra ver se encontrávamos uma loja de eletrônicos nas redondezas. Passamos na frente de um loja de auto-elétrica e entrei pra perguntar. O atendente me mostrou uma trava elétrica para porta de carro que era perfeita. Ele me disse que não iria funcionar com a voltagem e amperagem baixa da Arduino, mas a gente tentou e deu certo! Essa é a grande vantagem da Arduino: você pode plugar praticamente qualquer componente eletrônico.
Infelizmente eu não tive tempo suficiente para ensinar meu filho a programar na Arduino. A gente fez alguns experimentos básicos e ele entendeu como funciona os circuitos eletrônicos, mas não a ponto de poder criar os seus próprios. Eu tentei ensinar mais coisas via Skype, mas não deu muito certo. O problema é que quando você está ensinando uma operação física, descrevê-la verbalmente é muito cansativo.
Alguns meses depois das aulas de Arduino, ele estava aprendendo a fazer contas de fração na escola. Espontaneamente, ele pegou uma caixa de ovos do lixo e fez uma calculadora física, baseada nos movimentos dos palitos. Não tinha Arduino e não funcionava direito, mas a lógica da computação física estava ali, Charles Babbage que o diga! Alguns meses depois, ele conseguiu montar alguns protótipos com a Arduino, utilizando os scripts e circuitos prontos do kit básico. Ele não criava nada nessa parte, porém a Arduino fazia parte de brinquedos maiores. Ele de fato estava brincando com a Arduino.
Nas próximas férias, a gente vai voltar ao assunto, mas eu já fiquei satisfeito com o resultado até aqui. Você já tentou ensinar Arduino para crianças? Compartilhe sua experiência nos comentários!
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Que bom que voce voltou a escrever! Acho seus textos e ideias geniais e vou me inspirar nelas para no futuro ajudar minha filha (que ainda é um bebê) a ter uma visão mais hacker sobre as coisas.
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