Durante as manifestações de junho de 2013, revelei que havia perdido minhas esperanças no PT e por isso já não acreditava mais na política oficial no Brasil. Meu foco era e continua sendo a política do dia-a-dia, a política em que os designers e usuários atuam. Uma política silenciosa, mas efetiva.
Nesta eleição presidencial o design foi trazido para a política oficial e apareceu pela primeira vez num programa de governo. Embora eu continue sem esperanças em relação à política oficial, vou me manifestar a respeito já que o voto é obrigatório e há muitas pessoas indecisas.
O plano do candidato Aécio Neves (PSDB) propõe o seguinte:
Promoção de planos, junto ao setor industrial, de forma a decidir não
apenas quais produtos manufaturados o país deve exportar mas,
principalmente, de que forma esses produtos agregam valor por incorporar na sua produção inovação em produto ou processo, em design, em materiais especiais ou numa estratégia ligada ao desenvolvimento de marcas.
Isso significa que o governo irá incentivar e organizar as empresas para focalizar no design como um diferencial competitivo a nível global. Me parece uma estratégia sensível para a indústria visto que competir em escala com a China não é viável no momento.
O que me preocupa nessa proposta é a competência do governo em decidir sobre os produtos e como eles serão desenvolvidos. Mesmo que seja em conjunto com a indústria, eu acredito que o governo no momento não tem competência alguma pra lidar com questões que requerem agilidade e empreendedorismo. O governo pode incentivar, mas decidir não faz sentido.
O plano da candidata Dilma Rousseff (PT) não fala diretamente sobre design, mas faz uma proposta relacionada:
Além das medidas que serão tomadas de aprofundamento da democracia, soma-se o Sistema Nacional de Participação Popular, que terá a função de consolidar as formas de participação colocadas em prática nos governos Lula e Dilma e institucionalizá-las. A proposta é transformar a participação popular em uma cultura de gestão e as novas tecnologias permitem ampliar e estimular o debate da população.
Em maio deste ano a presidenta Dilma já havia baixado um decreto criando esse sistema de participação social. Eu gostei muito dessa ação: criar conselhos locais abertos à participação presencial e portais na Internet abertos à participação online. Isso significa que os cidadãos poderão se envolver mais com o poder público do que simplemente oferecer voto para representantes políticos.
A minha metodologia favorita de design sempre foi a do design participativo. A ideia básica é que as pessoas afetadas por um projeto são envolvidas não só na tomada de decisão (voto), mas também na construção das opções disponíveis. É similar ao que propõe o decreto, porém, muito menos burocratizado.
Colocando em contexto, o plano de governo de Aécio favorece o design como ferramenta industrial para a manutenção do status quo, visando criar produtos com estilo para uma determinada parte da sociedade. Já o plano de governo de Dilma favorece o design participativo como ferramenta de democratização do desenvolvimento de serviços públicos. Esse plano pode ter o efeito secundário de estimular a iniciativa privada a adotar processos mais participativos para a melhoria de seus produtos e serviços.
Existem muitas outras diferenças importantes entre os dois planos, mas na questão do design, eu prefiro o plano da Dilma. Acredito que pelo viés do design participativo, o design pode ser muito mais relevante à sociedade do que através do design industrial tradicional baseado em autoria, patentes e direitos autorais que o Aécio defende.
Aqui no hemisfério norte essa busca pela relevância social é a prioridade do momento nas diferentes esferas do design. Essa tendência deve chegar ao Brasil mais cedo ou mais tarde, já que o design industrial segue as crises na produção industrial. A participação é a carta na manga que o design tem para se tornar mais relevante.
Vou dar um exemplo de como a falta de participação pode minar a relevância de um projeto com boas intenções. Em junho deste ano conheci Luiza Prado e Pedro Oliveira do estúdio A Parede. Na ocasião eles estavam causando polêmica num congresso de design design a respeito da relevância social do design crítico, uma vertente do design que se propõe a fazer comentários críticos à sociedade através de produtos ficcionais ou especulativos situados num futuro não tão distante.
Eu concordo com a crítica, mas tenho que acrescentar que não é só uma questão de mudar as temáticas dos projetos para incluir as contradições sociais enfrentadas pelas mulheres, transgêneros e pessoas de baixa renda. Questões delicadas como essas só geram consciência crítica através da participação direta com o assunto. É preciso ter conhecimento de causa, como dizem os sociólogos.
Pois bem, o Pedro e a Luiza lançaram no contexto das eleições presidenciais um projeto especulativo sobre o futuro do Brasil em 2038. O projeto consiste numa série de notícias veiculadas em diferentes mídias digitais sobre a ascenção de um governo liberal e conservador, uma mistura política estranha mas bem possível considerando os resultados das últimas eleições no Congresso Nacional.
Me chamou a atenção a criação da organização PMs de Cristo, uma outra combinação estranha, apesar de acordo com a tendências do eleitorado. Essa organização teria não só o poder ideológico sobre as pessoas, mas também o poder de uso da violência, tal como a Igreja Católica dispunha nos tempos de inquisição.
Como estudioso em ficções de design, me alegro em ver uma tratando de assuntos especificamente brasileiros. Porém, não posso deixar de fazer a crítica sobre a falta de participação no processo de elaboração do projeto e na sua publicação. Como tratar desses temas tão polêmicos e atuais sem dar um espaço para o leitor deixar um comentário, especialmente se este for contrário ao caráter moralístico do projeto.
A mensagem desse projeto pra mim é muito clara: "se vocês brasileiros continuarem a votar em políticos conservadores e liberais, é isso que vai acontecer: a Universidade pública será privatizada, a polícia será cada vez mais repressora, o aborto será proibido em qualquer caso e as pessoas de orientações sexuais diversas serão curadas por métodos duvidosos."
Nesse projeto há uma oportunidade perdida de enfatizar as diferentes possibilidades que o futuro reserva, o que inevitavelmente viria à tona pela participação. É bem possível que um governo liberal e ao mesmo tempo conservador entre em colapso rapidamente na gestão da economia, mas essa possibilidade não consta.
Nos projetos especulativos que desenvolvemos no Instituto Faber-Ludens, tentamos sempre deixar o futuro em aberto através da possibilidade da participação indiscriminada de qualquer pessoa, principalmente, através de ferramentas da Internet, as mesmas que a Dilma quer implementar na gestão pública. Num artigo acadêmico sobre essa produção, a gente chamou isso de ideologia da libertação, em contraposto à ideologia da alienação implítica nos projetos de design crítico de Anthony Dunne e Fiona Raby e também neste projeto específico de Luiza Prado e Pedro Oliveira.
No projeto Igreja do Desígnio Divino, a gente também trabalhou com o tema conservadorismo, mas de uma maneira muito mais ambígua. Ao invés de antecipar consequências nefastas ou estranhas de tendências atuais, a gente simplesmente levantava a pergunta ao público: como seria uma igreja dedicada ao culto do design?
Infelizmente o projeto não se encontra mais online para participação, porém, os arquivos das discussão promovida na lista DesInterac está disponível. É bem interessante ver as opiniões contra e a favor da criação da igreja.
Então qual seria a posição do designer num cenário de polarização política? Mediação. Se o designer tomar um dos lados possivelmente perderá a sua relevância social já que seu trabalho não lhe permite lidar com contradições sociais com o adequado nível de aprofundamento. Ou então, ele pode mudar o seu trabalho para lidar com essas contradições sociais. Por isso que, apesar de eu ter escolhido o plano da Dilma, estou me dando o trabalho de apresentar o plano de Aécio com o mesmo peso, sem acusações ou moralismos. Independente de quem ganhar as eleições, meu trabalho na política do dia-a-dia continua.
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Caro Fred,
Todo meu respeito a você pelas grandes contribuições que já fez ao Design de Interação brasileiro. Mas permita-me discordar sobre esse texto e até ir além: sugerir que você está misturando alhos com bugalhos.
Eu não tomo partido em política enquanto designer, eu tomo partido em política enquanto cidadão. Minha visão política não vai mudar se, no futuro breve, eu deixar de atuar como designer e passar a atuar como, sei lá, gerente de produto. Pelo menos, não vai mudar em consequência disso.
Quando vejo textos como o teu, o primeiro temor que sinto é de que o Design passe a ser ideologicamente instrumentalizado, coisa que vi acontecer em outras áreas com as quais tive contato próximo. Estudei História, ainda é uma área pela qual me interesso. No começo dos anos 2000, quando ingressei na UFRJ, tive a sorte de viver um momento em que as disciplinas menos "aplicadas" das ciências humanas (filosofia e história) estavam passando por um processo de despolitização ideológica. Ainda que alguns professores fossem prosélitos marxistas, a maioria já tratava a disciplina que lecionava com mais profissionalismo. O mesmo, infelizmente, não posso dizer do curso de Pedagogia cursado por minha esposa. Cursos de pedagogia no Brasil, ao menos uma parcela deles, são hoje (talvez nos últimos 20 anos) cursos de formação de militantes, não de educadores. A consequência disso é que a qualidade da educação brasileira só despenca há décadas (não é o único motivo, mas é um deles). Não gostaria de ver isso acontecer com o Design.
Para mim, algo parece muito claro: você, assim como alguns dos autores dos projetos mencionados no texto, tem posições políticas formadas (isso obviamente não é um problema). Essas posições não decorrem necessariamente do fato de serem designers. Mas vocês buscam formas de instrumentalizar a profissão em favor dessas posições. Muitos autores sérios se dedicaram a estudar o fenômeno do socialismo como uma forma de religião secular. Eu tendo a identificar tuas ideias políticas como de esquerda (talvez você não se reconheça como tal, me desculpe se parecer um pré-julgamento). E quando vejo você, e não só você, fazendo um esforço para instrumentalizar o Design em favor de uma ideologia política, a primeira coisa que me vem à cabeça é que aqueles estudiosos não apenas estão certos, mas foram tímidos em suas análises, pois é muito comum ver pessoas de esquerda que não conseguem viver sem transformar tudo ao seu redor num instrumento de proselitismo ideológico. Eu, por exemplo, sou católico, em política sou moderadamente liberal, mas nunca me ocorreu transformar o meu ofício em algo que tem por finalidade converter as pessoas ao catolicismo ou ao liberalismo. Eu já colaborei com diversas iniciativas em favor da comunidade de Design, participo ativamente de grupos de leitura sobre UX, mas nunca usei essas plataformas para falar de política ou de religião. Muitos dos meus amigos de esquerda, no entanto, tem dificuldade de separar essas coisas (com honrosas exceções, é claro).
O que tiro disso tudo: ninguém está acima do bem e do mal. Nenhum de nós é totalmente neutro, todos temos nossas paixões (políticas, inclusive). Mas, ao não ter isso em mente, corre-se o risco de enviesar uma análise sempre em favor das nossas paixões. No texto, por exemplo, você compara um programa que tem propostas claras para o Design com um outro que nem menciona o assunto. Você até poderia falar de outras ações positivas do PT com relação ao Design, como a inclusão no Simples, por exemplo. Mas preferiu praticar um malabarismo para comparar coisas totalmente distintas, como uma política de incentivo ao design como diferencial no processo industrial e uma outra política altamente questionável que, segundo o PT, versa sobre participação social em política, mas, segundo os críticos, versa sobre instrumentalização da participação em favor de grupos organizados pelo próprio PT. A mensagem que você extrai de um dos projetos que cita é que "votar em políticos conservadores vai tornar a polícia cada vez mais repressora", mas a realidade ao redor é que países comandados por políticos progressistas e de esquerda estão massacrando cidadãos com violência policial. Tudo isso, a meu ver, é fruto de um viés ideológico muito forte das tuas análises, é algo que faz parte da nossa irracionalidade previsível, mas que você tenta transformar em posição de uma disciplina inteira, em posição não tua, mas "do designer".
Enfim, comecei o comentário e pretendo terminá-lo dizendo que tenho imensa admiração, respeito e até mesmo gratidão pelo teu papel pioneiro aqui no Brasil. Eu mesmo já me beneficiei muito de conversas contigo em listas de email, você já me deu pistas preciosas para seguir. Mas nesse ponto aqui nós discordamos. Se algo me causa receio, são posições políticas "totalizantes" ou "absolutizantes", que não se limitam ao que a política deveria se limitar, mas tentam abarcar tudo: profissão, religião, cultura, lazer... Se me permite devolver algumas das preciosas pistas que você já me deu, vou recomendar dois textos que servem como ponto de partida para uma crítica à ideia de que "tudo é política", de certa forma implícita nessa iniciativa de misturar design e ideologia:
A sacralização da política:
http://revistavilanova.com/a-sacralizacao-da-politica/
"Só a política salva":
http://obrasileouniverso.blogspot.com.br/2013/09/a-cidade-dos-intelectuais-por-que-o.html
Espero que nada aqui soe como um ataque pessoal, e sim como uma discussão de ideias, que é aquilo a que me proponho. Ideias acabam levando a comportamentos, claro. Peço que, ao ler que vejo dificuldade de alguns amigos em separar as coisas e, por consequência, acabarem instrumentalizando a profissão, você entenda que não estou fazendo uma crítica ao teu caráter, mas sim às convicções ideológicas que movem a ação política no campo profissional. Outra ressalva importante é que, ao falar de proselitismo político ou ideológico, não estou me referindo a proselitismo partidário, que é coisa inteiramente distinta. Um grande abraço!
Onde eu escrevi "devolver algumas preciosas pistas", leia "retribuir" :) A palavra me fugiu na hora.
Aproveitei um tempinho livre para seguir alguns dos links do teu texto e refletir sobre o assunto. Algumas coisas podem esclarecer um pouco melhor meu ponto de vista:
O Design pode ser usado como um instrumento político? Pode ser usado como uma ferramenta para o ativismo? Sim, pode, e não haveria nada especificamente errado com isso, já que, como ferramenta, o Design é neutro, pode ser usado para projetar armamento militar ou para elaborar novas formas de manifestações pacifistas. Não importa, inclusive, qual concepção de "política" cada um de nós adote, o design pode servir como ferramenta para ambas.
O meu receio, portanto, não está em ver o design, como meio, ferramenta ou técnica sendo usado para esse ou aquele fim. O meu receio está muito mais em antever a possibilidade do Design ser dominado por um viés político e ideológico e, por consequência, receio de que nossos cursos e espaços de discussão se tornem verdadeiras escolas de doutrinação, como já vi acontecer em outras áreas. O problema não está em usar design (técnica) como ferramenta de ativismo, mas em transformar o Design (disciplina) num pretexto para inculcar visões políticas e ideológicas (estou usando o termo "ideologia" com sentido mais popular, de conjunto de ideias, cosmovisão, e não no sentido particular de alguma filosofia). É nesse sentido que falo de "instrumentalização": não como apropriação da ferramenta para finalidades políticas, mas como apropriação da disciplina, dos espaços de ensino e de discussão para proselitismo ideológico.
Admito que isso não é o que o teu texto propõe (nem esse, nem outros que li em que você menciona a relação entre Design e política). Mas esse pode ser um efeito colateral de uma excessiva politização do Design (disciplina). Na Pedagogia, que usei como exemplo no comentário anterior, o efeito acabou sendo esse: a "pedagogia da libertação" se converteu em verdadeira ferramenta de alienação. Em especial no curso com que tive mais contato, o método de Paulo Freire e as visões políticas da qual ele se originou não são ensinados num contexto, não são problematizados ou confrontados de forma alguma. Pelo contrário, são embalados como uma unidade e entregues aos estudantes como a única visão pedagógica possível, ou pelo menos a única respeitável e humana, em oposição ao "tradicional" (termo usado para tratar todo o resto da história de educação, quase sempre de maneira imensamente pejorativa), e a adesão à uma determinada visão política acaba sendo quase que uma obrigação de ofício.
Para se "defender" desse tipo de instrumentalização ideológica, seria necessário um nível de formação e discussão filosófica que a maioria dos cursos (de Design ou de Pedagogia) sequer teria tempo de oferecer e que a maioria das pessoas talvez não esteja interessada em ter. Por isso, eu resumiria da seguinte forma: a) a finalidade do Design é a política? Não. b) O trabalho do designer é inevitavelmente uma ação política? Não necessariamente, a não ser para quem adota uma visão totalizante de política, da qual nada escapa. c) O design pode ser usado como ferramenta política? Sim, e isso não é necessariamente um problema (a discussão sobre se um determinado objetivo político é bom ou ruim não diz respeito ao Design).
Ainda restam algumas questões, como: d) é possível se apropriar de um método derivado de uma doutrina política/filosófica sem se comprometer com a doutrina? Eu acho que sim, acho que isso aconteceu em parte com a Teoria da Atividade, por exemplo. e) Todo método tem origem numa ideologia política implícita ou explícita? Eu tendo a dizer que não.
Desnecessário dizer que as respostas que dei para a, b, c, d e e são apenas a minha opinião. Seria bastante interessante saber como você e outras pessoas responderiam a essas questões.
Obrigado mais uma vez por abrir espaço para essa reflexão "em voz alta". Abraços!
Olá Carlos! Agradeço a longa contribuição à discussão. Sua preocupação principal é que o design deixe de ser uma disciplina neutra e se torne um instrumento de reprodução ideológica. Sinto informar, mas isso já aconteceu há muito tempo.
Olhando para a história eu vejo que o design nunca foi neutro e sempre foi um instrumento de reprodução ideológica, apesar de que reproduzindo ideologias diferentes de acordo com o regime político, cultura, momento histórico, etc.
Retornemos ao clássico exemplo da Bauhaus. A ideologia reproduzida pelos projetos dessa escola era de que as pessoas de um modo geral, independente de condição financeira, deveriam ter acesso à arte na vida cotidiana. Por isso o foco na produção em larga escala, modularização, formas simples, e estética frugal. Reduzir os custos de produção não era o fim, mas o meio para se atingir a democratização da arte.
A Bauhaus foi fechada pelo regime nazista, que defendia uma estética baseada no exagero das proporções clássicas gregas. A arte nazista focalizava em exortar a relação entre o sujeito e a nação, o coletivo, representado é claro pelo Fürher. Não tinha nada a ver com a estética do prazer comedido da Bauhaus. Embora a gente conheça a estética nazista primariamente através da arquitetura, também há exemplos de produtos projetados de acordo com a ideologia nazista. Num post anterior sobre etnocentrismo dei o exemplo do rádio de Walter Kersting http://usabilidoido.com.br/design_e_etnocentrismo_.html
Os nazistas fecharam a Bauhaus, mas os métodos, formas e materiais utilizados se espalharam pelo mundo, sendo utilizados para reproduzir outras ideologias. Até nos dias de hoje muitos projetos seguem o estilo frugal da Bauhaus para atender demandas de clientes de alto poder aquisitivo, o que contradiz o ideal de democratização original.
Você coloca o design como uma ferramenta neutra que pode ser utilizada seja para o nazismo, seja para o consumismo, seja para o elitismo. Eu concordo que design pode servir ambos, mas acredito que a cada apropriação, a cada passagem de um contexto ao outro, não há como evitar reproduzir certos valores implíticos.
O ideal de democratização da Bauhaus ficou pra trás nas apropriações elitistas, mas a estética frugal se reproduziu e hoje o estilo da classe de alto poder aquisitivo não é do luxo do rococó, mas o luxo do espaço livre. Isso porque o ideal de democratização da Bauhaus era superficial, se situando muito mais na esfera do discurso do que no da prática, ou seja, a estética frugal falava mais alto do que o ideal de democratização na ideologia bauhausiana.
Uma das críticas ao governo do PT é de que até agora o partido esforçou-se apenas para democratizar o consumo, deixando a democratização do governo em segundo plano. Tanto no caso do PT quanto no caso da Bauhaus, democratização verdadeira implica na participação efetiva no design de produtos e de políticas públicas. Alinhamento entre discurso e prática.
Tanto PSDB quanto PT propõem aumentar a participação em seus governos, mas eu sinceramente desconheço algum governo do PSDB que já tenha feito isso. Por mais que seja pouca coisa e que eventualmente seja utilizado para propaganda política, o PT criou canais de participação via Internet (e-democracia, Participatório, Marco Civil e outros).
Eu poderia comentar outros pontos bem interessantes que você coloca, mas acho que vou preferir deixar em aberto para sua réplica ou de outras pessoas que desejam entrar na discussão.
Esse é um impasse a que acabo chegando nas conversas com meus amigos educadores também. Eles argumentam que a educação sempre foi um instrumento ideológico, o que justifica que a ação deles próprios também seja essa. É claro que eles acabam dizendo coisas como "o papel da educação é conscientizar". Mas por "conscientizar" eles querem dizer algo como "usar as aulas de História, Português e Matemática para tornar a visão política dos alunos mais semelhante à minha (professor)".
Acho que para esclarecer se é disso mesmo que estamos falando, cabem duas perguntas: 1) o papel do ensino de Design é imprimir nos estudantes algum tipo de visão política? 2) em sua atuação profissional, o designer deve agir como uma espécie de "missionário", divulgando valores político-ideológicos?
Por fim, acho que há muitos riscos e problemas não considerados ao se sugerir que o que é bom como método de pesquisa e prática em Design também é bom como método de governo. Esse é um tema imenso, difícil de abordar com pouco tempo e em poucas linhas. Mas posso exemplificar dizendo que, se (X) design participativo pode ser um bom método para projetar um novo produto, não decorre necessariamente daí que (Y) democracia plebiscitária seja uma forma de governo melhor do que (Z) a democracia representativa. Um designer pode tirar proveito de X sem se comprometer com Y, até mesmo enquanto sustenta que Z é melhor.
Abs!
"versa sobre instrumentalização da participação em favor de grupos organizados pelo próprio PT"
eu tenho sérias dúvidas com relação a isso. muitas das críticas que li sobre o projeto eram mera histeria conservadora, o velho discurso do medo (do bolivarianismo, do comunismo, do foro de sp, etc), sendo usado para contrariar uma tendência mundial que é a da democracia participativa.
outro ponto curioso que você apontou, é que existe uma instrumentalização política da pedagogia, e que isso fez com que a educação no Brasil piorasse muito. Bom, não sou da área e não sei se isso é verdade, porém os números não estão apoiando essa história:
http://portal.inep.gov.br/internacional-novo-pisa-resultados
críticas à racionalização da educação com a aplicação de métricas quantitativas à parte, acho meio forçado dizer que a educação piorou
enfim, não quero entrar em uma discussão partidária aqui, mas você citou que o Fred está sendo vítima de viés ideológico, porém todos estamos sujeito ao viés, e eu achei o seu comentário bem alinhado com a propaganda ideológica do liberalismo que está sendo tão difundida nos nossos meios de comunicação
A participação sempre levanta pontos de vista contrários ao do designer, inclusive contra a própria noção de participação. A questão é como lidar com quem tem uma opinião contrária. No caso deste blog estamos continuando o debate apesar discordamos, tentando trazer questões relevantes um pro outro, sem que soe como tentative insistente de convencimento, ou vc discorda disso?
Nos primeiros experimentos de design participativo se focalizava em chegar a um consenso, o que demorava muito e eventualmente algumas pessoas se calavam mesmo que não concordassem com o que seria feito. Mais recentemente, tem se experimentado uma maneira diferente de lidar com a diferença: o agonismo. Se uma pessoa acha que pode ser feito diferente, o grupo se divide e as duas propostas são desenvolvidas, mesmo que em conflito. É uma prática já comum nas comunidades de software livre, com os chamados projetos fork.
Sobre o papel do ensino em design, eu acho que deve-se mostrar as diferentes visões, mas principalmente enfatizar que todas elas são políticas. Sem essa ênfase, o aluno vai achar que se trata apenas de uma escolha técnica, o que não é, pois há efeitos sociais envolvidos. Quando eu dava aula de design de interação, apesar de gostar do foco na atividade, eu mostrava todos os outros focos que eu conhecia, documentados nesse post http://www.usabilidoido.com.br/design_centrado_em_que.html
Entre design e governança existe diferença, mas acredito que possam haver trocas interessantes entre os dois. O governo finlandês por exemplo está investindo muito em implementar o "design thinking" nas suas repartições públicas. Eles chegam ao absurdo de dizer que estão "designing society". No Brasil o Instituto Tellus está tentando fazer algo similar http://www.tellus.org.br/
Eu fico receoso de lidar com serviços de governo como se fossem serviços comerciais. A questão da participação, assim como outras questões cívicas, podem facilmente ser rejeitadas em favor de imperativos de performance, tais como redução nas filas de espera e etc.
Eu não sei exatamente como fazer isso no Brasil de uma maneira apropriada. Taí algo a experimentar quando voltar ao Brasil. O que posso dizer é que aqui na Holanda o grau de participação da população em projetos públicos é muito maior e isso não tem nada a ver com política de esquerda. Pelo contrário, os liberais é que dão força, pois traz a vantagem de desoneração do estado. As pessoas que se envolvem com o design participativo de uma certa forma acabam fazendo parte do trabalho do governo.
Caro Paulo, também prefiro não embarcar numa discussão político-partidária. Nos meus outros dois comentários, tentei até afastar a discussão do âmbito eleitoral brasileiro. Acho que seria, de certa forma, um desperdício de oportunidade para conversarmos sobre outros temas mais abrangentes que foram abordados aqui.
No mais, eu não me isentei de posição ideológica. Pelo contrário, até explicitei a minha no primeiro comentário. O ponto aqui não é dizer que eu sou isento enquanto o Fred é enviesado. Longe disso. O que motivou meu comentário foi discutir se é possível separar a visão política do designer do ensino e da prática de Design. E também se um designer, por ser designer, deve necessariamente estar comprometido com esse ou aquele viés ideológico. Eu defendo que essa separação é possível e até desejável. Abs!
Paulo, eu acho que ninguém é vítima de posicionamento ideológico. Todo mundo é produtor e reprodutor de ideologias. Cada um deixa a sua marca quando fala e por isso a coisa muda ao longo dos anos. O que pode acontecer é da pessoa não estar consciente disso, mas ainda assim não caracterizo como vítima. A ideologia da alienação que eu critiquei é que coloca dessa maneira.
O Carlos coloca questionamentos muito pertinentes e concordo até um certo ponto que o designer deve evitar reproduzir uma única posição política sobre uma situação. Essa foi a minha crítica ao projeto do estúdio A Parede. Eu não diria que é uma questão de separar porque não acredito que seja possível nem desejável isso. Acho muito melhor quando as pessoas assumem as posições políticas, porém, não gosto quando elas negam essas posições em favor de uma pretensa neutralidade que lhe confere autoridade para criticar alguém com argumentos factuais. Não é o seu caso Carlos, mas é o caso da Revista Veja por exemplo.
Minha proposta é que o designer seja um mediador não neutro, mas favorável à pluralidade de opiniões. Isso significa eventualmente ser menos radical do que gostaria de ser e saber escutar o outro lado. É muito fácil nos debates políticos colocar um rótulo no outro (esquerda, direita, liberal) para não precisar mudar a sua opinião. Mudar de opinião dá trabalho, pois é preciso encontrar novas justificativas, novos fatos. Uma posição política pode não parecer uma questão de design, mas tão logo chegue a criar condições para um projeto fica explícita a relação.
Por isso defendo a participação verdadeira na origem do projeto, não no final quando as questões políticas já estão dadas.
Olá Kramer, Paulo, Fred! Mesmo que seja possível neutralizar a visão política do designer em relação ao ensino e da prática de Design (que também acho que seja possível [nunca em totalidade, mas o suficiente] pois pode-se controlar diversos aspectos do que é ensinado, por currículo, por ex.), acho que tem a questão de que o "Design ensinado" (e o próprio "Design praticado", o "Design teorizado" etc) é sempre inviesado, ideologicamente orientado (em diferentes graus, + ou - ). Ideário corporificado em produtos, ementas, concepções teóricas, etc, na forma de indicações de como usar, como conceituar, o que fazer, etc.
Digo isso para colocar a questão: porque perspectivas como o Design em Parceria, Design Participativo, Open Design, Design Crítico (e até Design Social) são marginais/periféricas ou inexistentes em tantos cursos de Design.
Fred, muito obrigado pelo espaço e pela crítica muito bem fundamentada. Quando colocamos este cenário no ar essa era uma das muitas discussões que queríamos levantar. Vou só comentar alguns pontos que você aborda no teu texto, um que discordo e um que concordo, pode ser?
1) curioso você associar o "Brasil 2038" à ideologia de alienação do Dunne e da Raby, pois nossa crítica a critical design parte justamente do fato que a grande produção na área evita uma tomada de posição política - incluindo aí D&R :) ao contrário do que vc levanta no exemplo da Igreja do Desígnio Divino, nós acreditamos que tomar uma posição política é fundamental dentro das aspirações do design crítico e especulativo enquanto ferramenta social. Então nesse ponto em específico eu diria que a) não acho que D&R seguem um "lado", pelo contrário, eles defendem abertamente que o designer não deve tomar posições o que b) discordamos fundamentalmente. Designers seriam sim mediadores mas também facilitadores de uma discussão onde a polarização (política, no caso) por vezes é inevitável.
2) gostamos demais da observação sobre a questão participativa. Acho que esta é a grande pergunta que paira sobre design especulativo no momento: aonde termina o projeto e começa o debate? No fazer ou na plataforma de discussão que pode se abrir a partir dele? Neste cenário (é um cenário no qual projetos se encaixarão, e não um projeto em si) toamos o caminho de abrir o debate (não no nosso site mas sim divulgando para canais não ligados à design especulativo, academia ou design em geral) e ver que tipo de reações imediatas ele é capaz de gerar enquanto "mídia". Óbvio que poderia ter sido feito de maneira diferente e incorporar tal debate no fazer do cenário - só não sabemos ainda se é a melhor alternativa.
Mas achei tua crítica de EXTREMA relevância e ficamos muito felizes de vê-la aqui. Espero que fomente um debate saudável sobre todas as questões intrínsecas e extrínsecas aqui geradas. :)
Uma coisa que observo nos projetos participativos é que quando há a polarização certas pessoas se ausentam do debate ou porque não gostam de nada que pareça com briga, ou porque não conseguem se posicionar da mesma maneira radical, ou porque tem dificuldade em falar em voz alta, enfim, por n motivos. Ficam apenas as pessoas mais acostumadas a debater em voz alta.
A mediação é útil justamente para evitar que isso aconteça. O método Paulo Freire também propõe esse papel mediador ao educador. Uma maneira prática de fazer isso é introduzir temas através de perguntas ao invés de afirmações categóricas. Outra coisa que ele recomenda é pegar uma afirmação categórica e ir destrinchando, lendo entre as linhas.
Voltando ao Design, gosto muito de um capítulo da tese do Caio Vassão sobre desenvolver o projeto como uma pergunta que o designer levanta à sociedade, não como uma solução de problemas. Talvez seja uma referência interessante pra vocês Pedro. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16134/tde-17032010-140902/publico/TESE_Arquitetura_Livre_Caio_Vassao.pdf
Uma referência sobre participação em projetos especulativos é o projeto que o Gonzatto que comentou acima está começando a desenvolver na Plataforma Corais sobre o futuro da Internet no Brasil. Eu acredito muito na plataforma como espaço para desenvolver esse tipo de projeto http://corais.org/ficcoesfuturointernet/
É isso aí!
Vamos democratizar todo o Brasil!
É o Marxismo Cultural libertando o mundo de todos os valores burgueses (família, cristianismo, propriedade privada, etc).
Viva Gramsci, Viva o grande Stálin! Viva Fidel!
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