Ano passado fiz um curso de Inovação Social na Dinamarca um dos tópicos levantados foi a importância dos materiais utilizados na co-criação. A escolha dos materiais a serem utilizados numa oficina de co-criação modifica a dinâmica de interação entre os participantes, o tipo de ideias que podem surgir, o ritmo, enfim, o impacto sobre a criatividade é decisivo.
O professor Jacob Buur propôs que cada participante do curso escolhesse um objeto sugestivo dentro de uma caixa de bugigangas que ajudasse a explicar os desafios do seu trabalho. Diferente das típicas apresentações pessoais baseadas em jargões acadêmicos, as falas foram muito mais emotivas do que o normal, deixando mais claro a motivação de cada pesquisador pelo seu objeto de estudo.
Aqui na Europa, é consenso que criatividade não se pode controlar através de processos formalizados. Se uma oficina de co-criação é organizada de forma muito rígida, pode ter o efeito reverso: matar a criatividade ao invés de estimular. Os participantes não se sentem à vontade e a oficina acaba virando uma forçação de barra.
Esta rigidez é característica da demagogia política, cujo objetivo não é nada mais que dar a impressão de um ambiente criativo, aberto a novas idéias, participativo, quando na verdade as possibilidades de participação são nulas. Mesmo que não seja essa a intenção, pode dar esta impressão, ou seja, o tiro sai pela culatra.
Por outro lado, uma oficina sem nenhuma estrutura pode deixar os participantes ainda mais desanimados com a sensação de que sua participação não está sendo levada a sério. Se o participante não sabe porque está ali, não sente que atingiu algum objetivo, não aprende nada, a experiência da oficina será lamentável.
Uma forma alternativa de organizar uma oficina de co-criação é, ao invés de definir etapas e temas, definir materiais e ferramentas para trabalhar estes materiais. Com as ferramentas e os materiais certos, pode-se garantir que as ideias que irão surgir serão do tipo esperado, embora seu conteúdo seja inovador. Ao contrário das etapas, a modificação dos materiais não cria a sensação de perder o foco da discussão, pelo contrário, é percebida como um sinal de inovação.
Veja por exemplo o vídeo da oficina que organizei em 2009 com meus alunos do Faber-Ludens. Num primeiro momento, o Lego era usado mais como inspiração, um recurso despretencioso para ter ideias. A ideia do assistente virtual veio à partir da presença do cavalinho. Depois, o Lego passou a ser usado para prototipar o conceito de software e, depois no outro grupo, de hardware.
Eu costumo organizar esta oficina para mostrar que na co-criação uma discussão baseada na fala não é muito produtiva. Uma pessoa descreve sua ideia de um jeito e a outra entende de outro jeito. Fica difícil acrescentar ou criticar algo, afinal de contas, é a ideia da pessoa que falou. É o que eu chamo carinhosamente de gogó-sketch.
A partir do momento em que se coloca a ideia no mundo você pode ser mais crítico em relação à ela. Numa oficina de co-criação isso é muito importante, pois evita que as pessoas tomem a crítica como algo pessoal. O material também deixa evidente as contribuições de cada um, o que no caso da fala pode ser perdido por falhas de memória ou manobras políticas, por exemplo, o caso clássico do brainstorming que termina com uma ideia genial do chefe que diz a mesma coisa que todo mundo já disse, mas que ele jura de pé junto que é ideia dele.
Não que o gogósketch seja ruim. Meu ponto é que ele pode se desenvolver bem melhor se for acompanhado de prototipação com materiais. Trabalhar com materiais sem falar, por outro lado, pode desviar o foco dos participantes para um mundo interior lúdico, onde cada um percebe uma coisa diferente, embora construam a mesma coisa.
Os estudantes de Arquitetura do MIT aprendem esse ponto no jogo Silent Game (imagem acima). São dois jogadores e um observador neutro. O primeiro jogador tem 5 minutos para criar uma estrutura básica de LEGO a partir de uma ideia que tenha na cabeça. Enquanto o primeiro trabalha em silêncio, o segundo observa. No segundo round, o segundo jogador tem 5 minutos para acrescentar ou retirar blocos à estrutura sem explicar o porque. No último round, o primeiro o primeiro jogador tem uma chance de dar uma réplica, também em silêncio. Finalizado os rounds, o observador neutro quebra o silêncio interpretando o que viu. O segundo jogador explica seus atos seguido do primeiro jogador. A discrepância entre as interpretações são enormes. O que um acha que era um ato agressivo de destruição, o outro vê como apreciação.
Pra que fique claro que não estou fazendo propaganda de Lego para os workshops de co-criação, compartilho um exemplo utilizando massa de modelar para conceber um controle remoto baseado em gestos. O exercício fez parte de um treinamento Faber-Ludens que a Katja Aquino (na foto) encomendou para a empresa onde trabalhava.
Nesse treinamento, apresentei o vídeo também como um material de prototipação, um insight que eu tinha pego do livro do Jacob Buur, o professor lá da primeira foto. A partir do momento em que se acrescenta a dimensão temporal do vídeo, é possível prototipar interações entre pessoas. Antes disso, ficava mais no conceito, interface e aparência.
Meu formato favorito para trabalhar vídeo como material de co-criação é o comercial falso. É um formato que todo mundo que nasceu entre as décadas de 70 e 80 conhece bem, ou seja, não é necessário gastar muito tempo na elaboração do roteiro. O efeito cômico da paródia ajuda a desviar a atenção da qualidade tosca do vídeo para o conteúdo da ideia. Aqui vale à pena enfatizar a diferença entre um vídeo com propósito de prototipação e o vídeo com propósito de apresentação de um conceito.
Na minha pesquisa de doutorado, estou pensando em usar a louça digital como material de co-criação para definir fluxos de trabalho em hospitais. No ano passado, fiz uma oficina com o Henrique Monnerat na ESDI em que usamos uma louça digital para desenhar uma bicicleta motorizada.
Cada participante tinha a chance de fazer um traço no desenho até o momento em que levantasse a caneta, daí passava a vez para o próximo. O resultado é claro que não foi um desenho viável, até porque isso não seria possível no curto tempo que tínhamos, mas serviu como um ritual para que todos se sentissem parte da criação.
A gente fez assim porque a louça digital que não permite desenhar com várias canetas ao mesmo tempo. Materiais que não podem ser usados ao mesmo tempo podem ser vítima do monopólio da caneta, caso em que uma pessoa que desenha melhor que as outras acaba mediando e conduzindo o processo colaborativo com ou sem a intenção. Na co-criação, é importante que todos os participantes tenham a oportunidade de se expressar, mesmo que não tenham tanta familiaridade com o material, por isso adotamos a regra do traço.
Como eu já venho enfatizando há alguns anos, as regras de interação são também um material. Elas afetam a interação tanto quanto os limites físicos do objeto. O trabalho do designer de interação consiste basicamente em dar uma forma física ou digital para estas regras.
A foto abaixo é de uma outra atividade que fizemos no curso da Dinamarca. Eles nos deram um objeto de uma cultura exótica e pediram para explicar o que seria. Depois de discutirmos sobre as possíveis propiciações do objeto, eles contaram que se tratava de um instrumento de massagem usado na Polinésia. É claro que a gente não adivinhou pela forma do objeto, mas eles fizeram a atividade para mostrar que o material pode também desempenhar o papel de talking stick: quem estava com o objeto na mão tinha o poder de fala. O interessante é que essa regra não foi acordada previamente.
Após muitos problemas de negociação de turno nas ferramentas de tele conferência, alguém finalmente lembrou dessa regra ancestral. No BigBlueButton, o talking stick é representado pelo uso dos slides, da webcam ou da mão.
Na minha palestra no Interaction 12 em Dublin falei sobre a importância de estudar esses modos de interação vernacular para não perder valores culturais na transição para os materiais digitais. Quando eu preparo um workshop de co-criação eu penso os materiais como penso qualquer projeto de design de interação. O Corais, por exemplo, é uma plataforma online pensada à partir das minhas experiências (e de outras pessoas) em workshops de co-criação presenciais.
Materialidade na co-cocriação é um tema em voga aqui na Europa. Se você deseja se aprofundar no assunto, confira os trabalhos das pesquisadoras Liz Sanders, Metter Eriksen e Tuuli Mattelmäki.
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